O governo faz tudo para impedir que as comissões parlamentares de inquérito não averiguem os ataques ao dinheiro público. As comissões são instrumentos de atuação parlamentar das minorias, aqui e alhures, onde regimes democráticos imperam sobranceiros e não menosprezados, amesquinhados, avacalhados por comissões chapa-branca, como ocorre entre nós.
Tornou-se um mantra do PT - os primeiros a dizê-lo foram Lula e José Dirceu - que tudo dito pela imprensa ou falado pela oposição é da "luta política". Nunca há irregularidades. São invencionices discursos malévolos, impulsionados pela "luta política". O mensalão, por exemplo, "jamais existiu" (20% jurídico, 80% político).
Os roubos perpetrados na Petrobras e na Petros, sob os governos do PT, também inexistem! Até a prisão dos mensaleiros inexiste, foi só um pesadelo. Saindo Joaquim, estarão nas ruas. Tudo não passou de um mal-entendido.
Mas a mídia não nos dá trégua; se não, vejamos. O conselho de administração da Refinaria Abreu e Lima aprovou, em apenas 14 dias, dois contratos que somam quase R$ 250 milhões, sem passar por licitação ou mesmo pelo atalho dos "convites", que costuma ser trilhado pela Petrobras em suas contratações.
As transações ocorreram às vésperas de o conselho ser encerrado pela estatal, no fim de 2013, conforme apurou o Valor. Apenas duas semanas depois, o conselho já sacramentava os contratos. Àquela altura, faltava menos de um mês para que o conselho da refinaria deixasse de existir, já que Abreu e Lima seria totalmente absorvida pela estatal.
Não basta saquear a Petrobras. "A Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, concedeu R$ 95 milhões em empréstimos a empresas ligadas aos controladores e ex-diretores do banco BVA, instituição que teve liquidação extrajudicial decretada em junho, segundo relatório final da comissão de inquérito do Banco Central (BC). (...)
Para o BC, a Petros cometeu dois tipos de irregularidades. Uma delas é ter assumido o papel de banco, algo proibido pela regulação. A outra é que gestores da Petros atuaram num esquema com indícios de conluio, que tinha como objetivo transferir recursos para executivos do banco. (...) Não é a primeira vez que a Petros compra CCBs estruturadas por bancos liquidados. A fundação amargou perda de R$ 72 milhões por comprar papéis que tinham como lastro operações de crédito consignado geradas pelo Banco Morada." (Valor)
Nestes dias de Copa do Mundo, quando o futebol a tudo substitui, estão os petistas comemorando a saída do Sr. Joaquim Barbosa do Supremo tribunal Federal, com ódio no coração, mas aliviados pelo que ele representava: firmeza, imparcialidade, certeza de punição para os ladravazes.
São tantos os políticos da base governista envolvidos em falcatruas, como o deputado Vargas, escondido nos esconsos do Brasil, depois de levantar o braço à moda comunista do Zé Genoino na cara do ministro, que a sensação não poderia ser outra se não de alívio e conforto.
Joaquim Barbosa, porém, é homem honrado. Entrará para a história como o juiz que escancarou, comprovadamente, a abominação petista de maneira didática e insofismável, seu maior galardão. Certo, é de temperamento explosivo e franco. Detesta as mesuras, as meias palavras, os "data vênia", a mentira, a incúria, o crime.
Melhor ser assim do que conivente com a hipocrisia, a desfaçatez, o corporativismo, a leniência generalizada que infelicita a República. Uns 100 Joaquim Barbosa nos fariam um imenso bem.
O ódio do PT pelo ministro que se despede, coberto de honra e respeito, tem razão de ser. Primeiro, imaginaram que um negro, só por sê-lo, indicado por Lula, ser-lhe-ia grato, subserviente, e se enganaram redondamente. Nos começos, quando lhe perguntaram se era grato a Lula pela nomeação, polidamente respondeu que fora ao Palácio agradecer a indicação e acrescentou: "Estamos quites". Vale dizer, ele, Lula, cumprira o seu dever indicando-o. Ele cumpriria o seu, com o rigor e a isenção exigidos pelo cargo.
Foi altivo como costumam ser os grandes de caráter. Depois disso, surpreendeu o país e os advogados criminalistas prontos a dilacerar o processo, semeando confusões em solenes declamações. Fez um relatório magnífico, minucioso, recheado de provas e - agora o principal - dividido por núcleos: o político, o financeiro, o publicitário, o operacional, e assim por diante.
E foi unindo as partes lógicas e, cronologicamente, permitindo a mídia explicar aos brasileiros a trama criminosa conhecida por mensalão. Fosse nos EUA, já teríamos uns 10 livros e magnífico filme tipo Watergate - todos os homes do presidente. Desde então, para o PT, se tornou um amaldiçoado.
Um homem com dor nas costas dominou um processo com incontáveis volumes e fez história. Que o futuro lhe seja menos penoso, ministro Joaquim. Mas tome cuidados. Os tempos e os modos não são confiáveis.
11 de junho de 2014
Sacha Calmon, Correio Braziliense
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