País começou a falar sobre si, de modo extenso e dividido, por meio de opiniões sobre a Copa
NESTA COPA ou temporada pré-Copa viemos nos contando histórias interessantes sobre nós mesmos.
Como deve estar óbvio para quase todo mundo, tantos de nós passamos a exprimir opiniões sobre políticas públicas, problemas sociais e mesmo política, ponto, segundo a perspectiva que temos do torneio mundial de futebol e de suas implicações. Nossas divisões sobre a Copa se sobrepõem mesmo a divisões político-ideológicas ou partidárias.
Não é novidade, claro, que faz tempo falamos de nós mesmos por meio do futebol, em análises e mitos a respeito de detalhes das técnicas do jogo ao significado político e social de vitórias e derrotas. Mas, pelo menos agora, no calor da hora, parece que nunca falamos tão extensa e detalhadamente, para não dizer de modo tão dividido e politizado, sobre o significado da Copa, que decerto desta vez tem sua diferença, pois a organizamos.
A Copa deveria ser aqui? O "legado" será bom ou mau? Qual será? O que esse "legado" diz sobre o governo, a sociedade e mesmo sobre o "caráter nacional brasileiro" (vide as comparações com organização e tumultos em outros países, frases sobre "complexo de vira-latas", sobre nossa indisciplina essencial etc.).
Por causa da Copa, assistimos a acusações mais ou menos veladas de falta de patriotismo, de incapacidade de analisar benefícios econômicos das obras para o torneio, opinamos sobre preferências por "Estado" ou "iniciativa privada", sobre manipulações ideológicas do governo ou da "grande mídia" etc.
Muitos de nós fizemos questão de nos dividirmos em "partidos", #nãovaitercopa e #vaitercopa, cada um ainda com suas facções centristas e extremistas (por exemplo alguém pode ser #nãovaitercopa e torcer pelo time ou, então, por uma derrota apocalíptica nas oitavas de final ou numa final com a Argentina).
No mínimo, a maioria silenciosa manifestou-se por meio do seu desinteresse por isso que costumava ser um festival popular do país e um raro momento de celebração de ritos nacionalistas. Não ligamos muito para decorar ruas, casas e lojas; são mais escassas as conversas sobre reuniões e festas, públicas ou privadas, para vermos os jogos.
Correta ou não, a má impressão generalizada a respeito de vexames e desperdícios da organização influenciou a difusão do mau humor a partir de meados do ano passado. Talvez, em parte grande, o desencanto de outra ordem e origem tivesse contaminado o "clima de Copa" de qualquer maneira.
Pode ser mesmo que o fato de o time ser demasiadamente "estrangeiro" tenha influenciado no estranhamento. Para quem não acompanha muito estritamente futebol, o time começou a ser apresentado ao país na Copa das Confederações. O fato de a política e o negócio do futebol serem tão degradados por aqui tem levado nossos jogadores para fora, cada vez mais cedo. De resto, pelo menos para pessoas mais velhas, como este colunista, o time parece uma seleção da Alemanha com a diferença do Neymar.
Pode ser que tudo isso vire de cabeça para baixo depois de amanhã. No entanto, de interessante ficou que preferimos aderir aos #partidosdacopa a fim de falarmos de modo político sobre o país, ou pelo menos tais "partidos" causam mais entusiasmo do que os partidos realmente existentes.
11 de junho de 2014
Vinicius Torres Freire, Folha de SP
NESTA COPA ou temporada pré-Copa viemos nos contando histórias interessantes sobre nós mesmos.
Como deve estar óbvio para quase todo mundo, tantos de nós passamos a exprimir opiniões sobre políticas públicas, problemas sociais e mesmo política, ponto, segundo a perspectiva que temos do torneio mundial de futebol e de suas implicações. Nossas divisões sobre a Copa se sobrepõem mesmo a divisões político-ideológicas ou partidárias.
Não é novidade, claro, que faz tempo falamos de nós mesmos por meio do futebol, em análises e mitos a respeito de detalhes das técnicas do jogo ao significado político e social de vitórias e derrotas. Mas, pelo menos agora, no calor da hora, parece que nunca falamos tão extensa e detalhadamente, para não dizer de modo tão dividido e politizado, sobre o significado da Copa, que decerto desta vez tem sua diferença, pois a organizamos.
A Copa deveria ser aqui? O "legado" será bom ou mau? Qual será? O que esse "legado" diz sobre o governo, a sociedade e mesmo sobre o "caráter nacional brasileiro" (vide as comparações com organização e tumultos em outros países, frases sobre "complexo de vira-latas", sobre nossa indisciplina essencial etc.).
Por causa da Copa, assistimos a acusações mais ou menos veladas de falta de patriotismo, de incapacidade de analisar benefícios econômicos das obras para o torneio, opinamos sobre preferências por "Estado" ou "iniciativa privada", sobre manipulações ideológicas do governo ou da "grande mídia" etc.
Muitos de nós fizemos questão de nos dividirmos em "partidos", #nãovaitercopa e #vaitercopa, cada um ainda com suas facções centristas e extremistas (por exemplo alguém pode ser #nãovaitercopa e torcer pelo time ou, então, por uma derrota apocalíptica nas oitavas de final ou numa final com a Argentina).
No mínimo, a maioria silenciosa manifestou-se por meio do seu desinteresse por isso que costumava ser um festival popular do país e um raro momento de celebração de ritos nacionalistas. Não ligamos muito para decorar ruas, casas e lojas; são mais escassas as conversas sobre reuniões e festas, públicas ou privadas, para vermos os jogos.
Correta ou não, a má impressão generalizada a respeito de vexames e desperdícios da organização influenciou a difusão do mau humor a partir de meados do ano passado. Talvez, em parte grande, o desencanto de outra ordem e origem tivesse contaminado o "clima de Copa" de qualquer maneira.
Pode ser mesmo que o fato de o time ser demasiadamente "estrangeiro" tenha influenciado no estranhamento. Para quem não acompanha muito estritamente futebol, o time começou a ser apresentado ao país na Copa das Confederações. O fato de a política e o negócio do futebol serem tão degradados por aqui tem levado nossos jogadores para fora, cada vez mais cedo. De resto, pelo menos para pessoas mais velhas, como este colunista, o time parece uma seleção da Alemanha com a diferença do Neymar.
Pode ser que tudo isso vire de cabeça para baixo depois de amanhã. No entanto, de interessante ficou que preferimos aderir aos #partidosdacopa a fim de falarmos de modo político sobre o país, ou pelo menos tais "partidos" causam mais entusiasmo do que os partidos realmente existentes.
11 de junho de 2014
Vinicius Torres Freire, Folha de SP
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