Ele, colorado fanático, era casado com uma também colorada, e tiveram dois filhos, dois meninos que obviamente torciam para o Internacional, herdando a paixão da família. Muitos pais têm uma vontade, às vezes secreta, de que os filhos sigam sua profissão, pratiquem a mesma religião, desenvolvam preferências idênticas, mas quando se trata do time de futebol, a vontade deixa de ser secreta para ser escancarada: os filhotes são induzidos abertamente a honrar a camiseta do time. Não raro, os pais colocam a escolha futebolística do bebê já declarada na porta da maternidade. Nasceu Matias, nasceu Luciana, e ao lado do nome o distintivo doFlamengo, do Vasco, do Atlético, do Corinthians ou de qualquer que seja o clube daquela criança que não ousará transgredir uma tradição sagrada.
Mas eu estava falando do Internacional, e de um colorado casado com uma colorada com quem teve dois coloradinhos. Pois ele se divorciou da colorada. E os meninos, de nove e sete anos, ficaram morando com ela, como quase sempre acontece. A separação não chegou a ser litigiosa, mas tampouco foi um passeio num jardim florido: as pendengas de sempre sobre valores de pensão, partilha de bens, sem falar no ciúme corrosivo em relação à nova namorada com quem papai já desfila - como são rápidos esses homens.
Pois ela, a mãe, ainda sem um namorado para distraí-la, e considerando-se levemente injustiçada com a situação toda, resolveu irritar o ex-marido (“para não perder a prática”, diz ele). Virou gremista. E, claro, está catequizando os dois moleques para que virem também.
O homem está fora de si. A ex-mulher está usando todos os recursos disponíveis: hinos, uniformes, influência de amiguinhos, idas ao estádio, histórias mal contadas, chantagem emocional e vasto repertório de doutrinação. Os meninos começam a vacilar. O plano está prestes a dar certo.
Eu disse a ele que duvido que os filhos mudem de lado: um pai torcedor costuma ser invencível como exemplo. Mas ele teme pela chegada de um padrasto que desequilibre essa balança de vez.
Que drama.
Virar a casaca é um direito, mas não deixa de ser uma traição. Quando escuto um brasileiro dizendo que vai torcer pela Argentina ou para qualquer outra Seleção que não a nossa, não consigo evitar o muxoxo. Sei que o futebol pode ser alienante, pode reforçar ou enfraquecer a imagem de governos, portanto é legítimo o protesto político em forma de torcida contra, mas sempre é incômodo ver a paixão perder para o racionalismo. Pô, de vez em quando é preciso parar de pensar e se entregar para a emoção - para não perder a prática, que seja.
Vale para adultos e mais ainda para crianças, cuja inocência não merece ficar órfã.
11 de junho de 2014
Martha Medeiros, Zero Hora
Mas eu estava falando do Internacional, e de um colorado casado com uma colorada com quem teve dois coloradinhos. Pois ele se divorciou da colorada. E os meninos, de nove e sete anos, ficaram morando com ela, como quase sempre acontece. A separação não chegou a ser litigiosa, mas tampouco foi um passeio num jardim florido: as pendengas de sempre sobre valores de pensão, partilha de bens, sem falar no ciúme corrosivo em relação à nova namorada com quem papai já desfila - como são rápidos esses homens.
Pois ela, a mãe, ainda sem um namorado para distraí-la, e considerando-se levemente injustiçada com a situação toda, resolveu irritar o ex-marido (“para não perder a prática”, diz ele). Virou gremista. E, claro, está catequizando os dois moleques para que virem também.
O homem está fora de si. A ex-mulher está usando todos os recursos disponíveis: hinos, uniformes, influência de amiguinhos, idas ao estádio, histórias mal contadas, chantagem emocional e vasto repertório de doutrinação. Os meninos começam a vacilar. O plano está prestes a dar certo.
Eu disse a ele que duvido que os filhos mudem de lado: um pai torcedor costuma ser invencível como exemplo. Mas ele teme pela chegada de um padrasto que desequilibre essa balança de vez.
Que drama.
Virar a casaca é um direito, mas não deixa de ser uma traição. Quando escuto um brasileiro dizendo que vai torcer pela Argentina ou para qualquer outra Seleção que não a nossa, não consigo evitar o muxoxo. Sei que o futebol pode ser alienante, pode reforçar ou enfraquecer a imagem de governos, portanto é legítimo o protesto político em forma de torcida contra, mas sempre é incômodo ver a paixão perder para o racionalismo. Pô, de vez em quando é preciso parar de pensar e se entregar para a emoção - para não perder a prática, que seja.
Vale para adultos e mais ainda para crianças, cuja inocência não merece ficar órfã.
11 de junho de 2014
Martha Medeiros, Zero Hora
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