"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

OPORTUNIDADES PERDIDAS

Esta semana recebi mensagem de uma pessoa que participou de uma palestra sobre as perspectivas da economia brasileira para o período pós-Lula, por mim proferida em setembro de 2010, na Escola Nacional de Seguros-RJ. Diz ela: "Professor, infelizmente o sr. não acertou quase nada (e o quase é porque não quero parecer agressivo!) e seu otimismo revelou-se ingênuo". O momento era de euforia e já estava claro que 2010 fecharia com forte crescimento do PIB. Também estavam claros os desajustes imediatos que precisariam ser corrigidos: ameaça inflacionária, sobrevalorização do câmbio, baixa taxa de investimentos e pressão sobre os gastos públicos. Ingênuo, considerei que estes problemas poderiam ser enfrentados com custos políticos baixos e aceitáveis, uma vez que não há melhor bálsamo que o crescimento que não precisaria ser interrompido para arrumar a casa. Otimista, projetei um período de crescimento robusto e errei feio.

E qual era a fonte do otimismo? O enfrentamento dos problemas da economia e da sociedade, quase todos relacionados aos déficits de infraestrutura das políticas públicas, formatava uma agenda virtuosa e viável para guiar a política econômica e social nos anos seguintes. O crescimento havia sido acionado pelo consumo público (gasto dos governos) e privado (crédito e crescimento da renda descolado da evolução da produtividade), e o desafio era elevar o investimento sem o que nenhum crescimento se sustenta. Em um mundo em crise, o Brasil aparecia como uma fronteira de oportunidades para capitais ociosos em busca de bons negócios. Democracia estável, com instituições cuja respeitabilidade havia sido restaurada com o Plano Real e com as conquistas sociais consolidadas na gestão do presidente Lula, tinha quase tudo por construir: novos aeroportos e portos, rodovias, ferrovias e hidrovias, usinas hidrelétricas, armazéns, presídios, hospitais e até escolas. O potencial na área de energia renovável aparecia como quase "infinito", e o pré-sal afigurava-se muito promissor. E, claro, acreditei nas promessas relacionadas à Copa e Olimpíada.

Não se tratava de entregar o País e suas riquezas à sanha do "capital imperialista internacional", mas de confirmar e estabelecer marcos regulatórios pautados em duas premissas simples e conciliáveis, como demonstra a história dos países desenvolvidos: o capital busca o lucro e a sociedade quer bem-estar. A resolução desta equação simples teria inundado o País de investimentos, já em 2011, assegurando a continuidade sustentável do crescimento quase chinês de 2010, com redistribuição e inclusão social. E uma economia movida a investimentos privados era, sem dúvida, a melhor solução para o governo concentrar seus recursos e atenção na melhoria das políticas públicas e da qualidade de vida da população, aproximando a realidade da propaganda oficial.

O governo eleito fez o contrário: paralisou os marcos regulatórios que funcionavam, não definiu os que faltavam e, quando o fez, errou ao considerar que o Brasil era tão importante a ponto de impor aos capitais um novo paradigma: investir sem lucro! Deixou passar a oportunidade: quando iniciou o programa de concessões "envergonhadas", já havia perdido o sincronismo dos investimentos com o ciclo ascendente da economia e a euforia já se transformara em pessimismo e desconfiança com tanta capacidade de errar.

Quando no futuro o mandato da Presidente Dilma for avaliado, provavelmente não será condenada por ter produzido pibinhos, mas sim pelas oportunidades "irrepetíveis" perdidas. E o pior é que recolocar o País em marcha implicará custos que já começam a se manifestar no iminente desemprego de trabalhadores de vários setores e na revolta da população com a situação dos serviços públicos. Resta saber se será possível, neste novo contexto de crescente irracionalidade alimentada por ferrenha militância, fazer um ajuste racional e consistente, ou se teremos que amargar mais um ciclo longo de deterioração e crise para criar condições para um novo Plano Real.


11 de junho de 2014
Antônio Márcio Buainaim, O Estado de S.Paulo

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