"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O GOLPE PARA ACABAR COM O GOLPE (2)

O deputado  Carlos Luz, presidente da Câmara, assumira uma semana atrás a presidência da República, terceiro que era na linha sucessória. Getúlio Vargas dera um tiro no peito, um ano e dois meses antes, e o vice-presidente, Café Filho, licenciara-se para tratamento de saúde.

Até hoje pairam dúvidas a respeito: teria ele realmente passado mal, cardíaco que era, internando-se no Hospital dos Servidores do Estado, ou tudo não passava de uma farsa  armada para impedir a posse do presidente democraticamente eleito em outubro,  Juscelino Kubitschek?

Afinal, Luz formava na bancada golpista, apesar de mineiro e do PSD. Café não teria tido coragem para rasgar a Constituição, afastando-se para que a trama se desenvolvesse.

O sucesso do impedimento da posse de JK repousava nas forças armadas, com a Marinha e a Aeronáutica francamente favoráveis ao golpe, mas com o ministro da Guerra, general Henrique Lott, sustentando a legalidade.
Como o Exército era o   ator  decisivo entre os militares, nada se faria sem o afastamento daquele chefe rígido, cultor da lei e dos regulamentos, ranzinza  e apolítico.

A partir da crise eclodida com o discurso do coronel Bizarria Mamede em favor do impedimento de Juscelino, e com Lott pretendendo prendê-lo,  sem poder, já que o oficial estava subordinado à presidência da República, surgiu a oportunidade para os golpistas afastarem o ministro.
Carlos Luz manteria Mamede em liberdade e Lott, cioso de sua autoridade, pediria demissão, como pediu.
A reviravolta lembrada no capítulo anterior revelava o Exército unido em torno da Constituição e de seu ministro.

Carlos Luz foi acordado de madrugada, em seu apartamento de Copacabana, informado de que o Exército ocupava as ruas do Rio.
Dirigiu-se ao palácio do Catete, cercado de alguns ministros e parlamentares empenhados na quebra da democracia. Logo verificou o risco de permanecer na sede do governo, prestes a ser ocupada pelos soldados do ministro da Guerra.
A sugestão foi para que se dirigissem ao Arsenal de Marinha, para onde também acorreram  alguns coronéis do Exército adversários da posse de Juscelino. Dos dois cruzadores da Marinha, o “Tamandaré” e o “Barroso”, apenas o primeiro encontrava-se em condições de navegabilidade e, mesmo assim, precária. 

Nem todas  as caldeiras funcionavam, e em matéria de provisões,  havia mais goiabada do que arroz e feijão.  Mesmo assim, com os comandantes da Marinha dispostos à resistência, Carlos Luz  aceita o convite para embarcarem na belonave e seguirem para São Paulo, onde ele instalaria o governo legítimo, imaginando-se que o governador daquele estado também formava entre os golpistas.

NO TAMANDARÉ

Instalam-se como podem nos camarotes da oficialidade e logo o “Tamandaré” se movimenta, ainda que aprisionado na baía da Guanabara, já que três fortalezas do Exército dominavam a saída, além de outras situadas bem próximo. Os avisos transmitidos por bandeiras, das fortalezas, alertavam estar proibida a passagem de navios de guerra, mas o almirante Pena Botto, maior patente a bordo, ordena ao comandante do cruzador, Silvio Heck, para forçar a passagem.

A essa altura, já na manhã do dia 11 de novembro, o ministro Lott estava informado de tudo. Inflexível, determina que o “Tamandaré” seja posto a pique, se tentar escapar.

Foi quando os primeiros petardos das baterias das fortalezas começam a pipocar. Havia nevoeiro na baía da Guanabara e uma embarcação estrangeira de passageiros ganhava o alto-mar. A instrução do almirante, aliás, presidente da Cruzada Anti-Comunista, foi de a belonave valer-se da proteção do navio civil e fugir da armadilha. Com  os tiros já fora da barra, o convés é esvaziado, os passageiros  refugiam-se no interior e Pena Botto manda chamar um dos  coronéis do Exército partidários do golpe, Jaime Portella, da arma de  Artilharia. Sentem os primeiros impactos, todos caindo na água, mas a conclusão do militar foi de que dentro de poucos minutos um tiro acertaria no navio. Os artilheiros da costa estavam acertando a pontaria. Senão pânico, houve muito  medo por parte dos civis a bordo.

Como estamos no Brasil, graças a Deus, o “Tamandaré” seguia como podia, afastando-se do litoral. Ficou demonstrado, depois, que os oficiais das fortalezas  do Exército não afundaram o navio da Marinha porque não quiseram. Erraram os tiros  de propósito para não derramar  sangue de seus irmãos.

Lott ficou uma fera, mandou punir os artilheiros. Mas estava lavada a honra dos contendores. Uns porque conseguiram furar o bloqueio. Outros porque evitaram uma carnificina.

(continua  amanhã).

13 de novembro de 2013
Carlos Chagas

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