Costumamos guardar as datas que mais ficaram incrustadas em nossa lembrança. Desculpando-me com o leitor por escrever na primeira pessoa, não posso deixar passar um 11 de novembro sem tirar da memória episódio transcorrido há 58 anos.
Morando em Copacabana e cursando o último ano do curso que se chamava “Científico”, recordo sucessivos estampidos que faziam balançar as vidraças e também taças e copos enfileirados num armário da sala, naqueles idos chamado de “cristaleira”. Eram os canhões da fortaleza ainda hoje plantada no final do Posto Seis. Ao longe, outras descargas menos barulhentas, vindas de outro forte, esse em Niterói.
A Artilharia de Costa bombardeava o “Almirante Tamandaré”, cruzador orgulho da Marinha de Guerra, que acabava de cruzar a entrada da baía da Guanabara, rumo ao alto mar. A ordem do ministro da Guerra, general Henrique Lott, era afundar a belonave que transportava o presidente interino da República, deputado Carlos Luz, mais diversos deputados, entre eles Carlos Lacerda, além de coronéis e alguns ministros do governo que àquela altura, 10 da manhã, não era mais governo.
Desde a madrugada soldados do Exército ocupavam as ruas do Rio e de outras capitais. Demitido na véspera pelo presidente Luz, o ministro da Guerra combinara passar o cargo ao substituto no dia seguinte. Como sempre, fora dormir pontualmente às oito da noite. O problema é que na casa ao lado, o comandante do I Exército, general Odílio Denys, estava acordado e com a sala cheia de generais e coronéis.
Eles não aceitavam o que teria sido uma humilhação ao Exército na pessoa de seu ministro, pois horas antes, no palácio do Catete, o presidente em exercício deixara o general Lott aguardando na antessala por mais de uma hora, para recebê-lo de pé e anunciar sua demissão. Estavam divididos no tocante à punição do coronel Bizarria Mamede, que dias antes discursara no enterro do general Canrobert Pereira da Costa sustentando que as forças armadas deveriam impedir a posse do novo presidente eleito, Juscelino Kubitschek.
LOTT DESRESPEITADO
Além de férreo cultor da lei e por isso defensor da posse de quem tivesse sido eleito, Lott julgou-se desrespeitado pelo discurso do coronel e mandou prendê-lo. Só que não podia, já que era instrutor da Escola Superior de Guerra e encontrava-se diretamente subordinado à presidência da República.
Carlos Luz, que apesar de mineiro também se posicionava contra a posse de JK, negou-se a liberar o coronel para ser preso. O ministro da Guerra pediu demissão, aceita na hora. Já estava escolhido o substituto, general Fiúza de Castro, também golpista.
Foi prevendo um golpe contrário às instituições democráticas que a maioria dos generais reuniu-se com o comandante do I Exército. Tinham que agir rápido para preservar a Constituição. Ninguém, no entanto, tinha coragem de acordar o ministro, na casa ao lado, para que tomasse conhecimento da indignação geral.
Denys dispôs-se a acionar um telefone de campanha que ligava os dois mais importantes generais da época. Lott é informado, farda-se, já por volta das 11 da noite, vai à casa do vizinho e de lá seguem todos para o ministério da Guerra.
O ministro se convencera da importância de desobedecer o presidente da República, botar a tropa na rua e Carlos Luz para fora do poder. Assim, estaria assegurada a legalidade.
Os notívagos da Central do Brasil perceberam que alguma coisa ia mal, pois minutos depois o prédio do ministério era cercado por tropa armada, inclusive tanques. Com as luzes acesas, o quartel-general do Exército parecia um, formigueiro, convocados todos os oficiais que lá serviam.
Logo foram expedidas ordens para todos os comandos do país. Praticamente não houve discordância, comandantes e subordinados, postos a par da situação, prestaram obediência ao ministro. A cabeça pensante, porém, era o general Denys, que há dias mandara preparar sob todo sigilo envelopes com diretrizes para cada grande unidade sobre como agir diante da ameaça de golpes institucionais desencadeados contra a Constituição e o resultado das eleições. (continua amanhã)
Morando em Copacabana e cursando o último ano do curso que se chamava “Científico”, recordo sucessivos estampidos que faziam balançar as vidraças e também taças e copos enfileirados num armário da sala, naqueles idos chamado de “cristaleira”. Eram os canhões da fortaleza ainda hoje plantada no final do Posto Seis. Ao longe, outras descargas menos barulhentas, vindas de outro forte, esse em Niterói.
A Artilharia de Costa bombardeava o “Almirante Tamandaré”, cruzador orgulho da Marinha de Guerra, que acabava de cruzar a entrada da baía da Guanabara, rumo ao alto mar. A ordem do ministro da Guerra, general Henrique Lott, era afundar a belonave que transportava o presidente interino da República, deputado Carlos Luz, mais diversos deputados, entre eles Carlos Lacerda, além de coronéis e alguns ministros do governo que àquela altura, 10 da manhã, não era mais governo.
Desde a madrugada soldados do Exército ocupavam as ruas do Rio e de outras capitais. Demitido na véspera pelo presidente Luz, o ministro da Guerra combinara passar o cargo ao substituto no dia seguinte. Como sempre, fora dormir pontualmente às oito da noite. O problema é que na casa ao lado, o comandante do I Exército, general Odílio Denys, estava acordado e com a sala cheia de generais e coronéis.
Eles não aceitavam o que teria sido uma humilhação ao Exército na pessoa de seu ministro, pois horas antes, no palácio do Catete, o presidente em exercício deixara o general Lott aguardando na antessala por mais de uma hora, para recebê-lo de pé e anunciar sua demissão. Estavam divididos no tocante à punição do coronel Bizarria Mamede, que dias antes discursara no enterro do general Canrobert Pereira da Costa sustentando que as forças armadas deveriam impedir a posse do novo presidente eleito, Juscelino Kubitschek.
LOTT DESRESPEITADO
Além de férreo cultor da lei e por isso defensor da posse de quem tivesse sido eleito, Lott julgou-se desrespeitado pelo discurso do coronel e mandou prendê-lo. Só que não podia, já que era instrutor da Escola Superior de Guerra e encontrava-se diretamente subordinado à presidência da República.
Carlos Luz, que apesar de mineiro também se posicionava contra a posse de JK, negou-se a liberar o coronel para ser preso. O ministro da Guerra pediu demissão, aceita na hora. Já estava escolhido o substituto, general Fiúza de Castro, também golpista.
Foi prevendo um golpe contrário às instituições democráticas que a maioria dos generais reuniu-se com o comandante do I Exército. Tinham que agir rápido para preservar a Constituição. Ninguém, no entanto, tinha coragem de acordar o ministro, na casa ao lado, para que tomasse conhecimento da indignação geral.
Denys dispôs-se a acionar um telefone de campanha que ligava os dois mais importantes generais da época. Lott é informado, farda-se, já por volta das 11 da noite, vai à casa do vizinho e de lá seguem todos para o ministério da Guerra.
O ministro se convencera da importância de desobedecer o presidente da República, botar a tropa na rua e Carlos Luz para fora do poder. Assim, estaria assegurada a legalidade.
Os notívagos da Central do Brasil perceberam que alguma coisa ia mal, pois minutos depois o prédio do ministério era cercado por tropa armada, inclusive tanques. Com as luzes acesas, o quartel-general do Exército parecia um, formigueiro, convocados todos os oficiais que lá serviam.
Logo foram expedidas ordens para todos os comandos do país. Praticamente não houve discordância, comandantes e subordinados, postos a par da situação, prestaram obediência ao ministro. A cabeça pensante, porém, era o general Denys, que há dias mandara preparar sob todo sigilo envelopes com diretrizes para cada grande unidade sobre como agir diante da ameaça de golpes institucionais desencadeados contra a Constituição e o resultado das eleições. (continua amanhã)
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