A anistia política costuma se seguir ao apaziguamento institucional, ou apressá-lo. São exemplares os perdões concedidos pelo presidente Juscelino Kubitschek, nos anos 50, a revoltosos da Aeronáutica, em motins promovidos a partir das bases, no interior do país, de Aragarças e Jacareacanga.
Constituíam um grupo de intransigentes inimigos do trabalhismo varguista, do qual nascera o PSD, legenda de JK, cujo vice — outro motivo de irritação dos amotinados — era João Goulart, do PTB, também criado por Vargas.
Já a Lei de Anistia de 1979, encaminhada à aprovação do Congresso pelo último presidente-general da ditadura militar, tem um alcance bem mais amplo. A ordem constitucional havia sido de fato rompida pelo golpe de 64 — do qual participaram egressos de Jacareacanga e Aragarças.
Ruptura aquela aprofundada pela radicalização do movimento em dezembro de 1968, na edição do Ato Institucional nº 5, um aguçamento do golpe. Diante dos 21 anos de regime de exceção, as duas revoltas na FAB foram arroubos juvenis.
E tanto foi assim que a Lei de Anistia não se constituiu um simples ato de poder, por decisão da cúpula do governo. Tratou-se do resultado de uma difícil e delicada costura política entre opositores do regime e generais.
A própria crise do modelo econômico da era militar — implodido pela excessiva dependência de empréstimos externos, tornados impagáveis pelo segundo choque de petróleo e a disparada dos juros americanos — podia ajudar, como ajudou, na abertura consensual do regime. Mas também havia o risco de um recrudescimento. Nunca se deve descartar a possibilidade de um desfecho insensato em qualquer processo político.
Restou provado que aquela anistia, pactuada entre o poder que se retirava e o que se instauraria — com apoio de egressos do antigo regime —, foi a melhor fórmula de apaziguamento da sociedade no processo de redemocratização lenta, segura e gradual.
Foi nesta moldura política que se formulou o perdão recíproco — torturadores, guerrilheiros/terroristas.
A Lei de Anistia tem, portanto, uma legitimidade política e histórica clara. Querer revê-la, como desejam setores do Ministério Público, é investir contra esta legitimidade.
Além de contrariar entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), já proferido, de que agentes públicos atuantes na repressão àquela época não podem ser condenados na Justiça, tanto quanto estão livres de qualquer sentença militantes da luta armada, hoje em cargos públicos relevantes, em Brasília.
Sequer decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos podem interferir neste ou em qualquer veredicto de uma Justiça nacional, como esclareceu o próprio presidente do tribunal, Diego García-Sayán, ao falar sobre outro assunto, de passagem por Brasília.
O MP pode até ter condições legais de agir nesta direção. Mas não deveria.
17 de novembro de 2013
Editorial O
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