Ouço com frequência jovens me perguntarem o que fazer para não terem uma vida medíocre. A angústia deles é verdadeira. Os jovens hoje, por detrás de toda essa "fúria" de acharem que são uma "evolução" das gerações anteriores, morrem de medo.
Esse é o sentimento básico da chamada geração Y: o medo. O mundo é mais competitivo, as pessoas, mais egoístas, as opções de escolha, maiores (o que os faz viver como se a vida estivesse na prateleira de uma promoção do freeshop), e, por isso mesmo, a chance de fracassar, muito maior. A ansiedade de errar entre tantas opções os esmaga.
Por detrás desse blablablá de que os jovens de hoje são mais corajosos para seguir seus sonhos, está a boa e velha publicidade vendendo vidas que não existem.
Sei que alguns afirmam que viver segundo o desejo é a solução. Concordo em teoria, mas o problema é que viver segundo o desejo (seja lá o que isso for) é sempre um risco porque, como nos ensinou Arthur Schopenhauer (1788-1860), o desejo pode nos humilhar de duas formas básicas: negando-nos a realização de nosso desejo ou, pior, deixando que realizemos nosso desejo, porque assim perceberemos que, ao realizarmos nosso desejo, perdemos o tesão por ele, um pouco como o velho personagem Dom Juan e seu desespero diante da perda do desejo pela mulher seduzida.
Alguns acham que para escapar da vida medíocre devemos viver uma vida estética, como se diz em filosofia. Uma vida estética é uma vida vivida pelas sensações, como dizia Soren Kierkegaard (1813-1855). Uma vida estética é bastante sedutora: sexo, bebida, jogos, comida, viagens. Mas fracassa pela mesma razão que dizia Schopenhauer: uma hora o tesão pela sensação acaba.
O dinamarquês Kierkegaard levanta outra hipótese, que é a da vida ética. Essa proposta centra o sentido da vida numa busca de vida honesta. Cuidar da família, ser fiel no casamento, ser trabalhador, pagar impostos, investir em previdência privada. O fracasso será, entretanto, muito provável: famílias traem, um dia você pode ser trocado ou trocada por alguém mais jovem e belo, empregadores demitem, injustiças abundam, impostos só aumentam e pouco se ganha em troca. A aposta na vida ética é ainda mais frustrante porque você se sentirá um pouco ingênuo ao perceber que o mundo não leva em conta os esforços para termos uma vida "reta".
Outra opção, segundo nosso dinamarquês, é aderir a uma vida religiosa numa igreja. De nada adiantará porque igrejas são poços de repressão, mentiras e hipocrisias. De volta a estaca zero.
Para Kierkegaard, toda essa busca se dá porque somos um poço de angústia. Tememos uma vida inundada em angústia, e, por isso mesmo, tentamos toda forma de fuga, para ao final tombarmos na mesma constatação: medo, desespero e angústia.
O existencialista Kierkegaard aposta num "salto na fé", livre de instituições religiosas, tipo "você e Deus". Mas, ao mesmo tempo esse "salto" implica um ato de coragem que é apostar numa vida sem medo da angústia. Toda vez que tentamos escapar dela e fracassamos, mergulhamos no desespero: perdemos a esperança de que possamos viver uma vida sem angústia e pautada por alguma garantia contra nossos medos.
Friedrich Nietzsche (1844-1900) apostava numa vida vivida a partir "dos seus próprios valores", longe do espírito de rebanho que assola a humanidade, principalmente na modernidade, essa era dos rebanhos e manadas. Richard Rorty (1931-2007) traduzia essa ideia assim: "Buscar uma vida autoral". Isso significa o seguinte: viver de forma tal que sua vida seja sua obra de arte.
De volta a questão dos jovens: como não ter uma vida medíocre? Acho difícil não ter uma vida medíocre, porque, principalmente, você acaba tendo uma vida medíocre porque quer ter uma vida segura (o que é normal querer, afinal de contas). A modernidade é um parque de mediocridade regado a busca de segurança e garantias.
Creio que a receita para termos uma vida medíocre é termos muito medo. A proposta de Nietzsche e Rorty me parece bastante sedutora. Mas, quem está preparado para não ter medo de sofrer?
05 de julho de 2016
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP
Esse é o sentimento básico da chamada geração Y: o medo. O mundo é mais competitivo, as pessoas, mais egoístas, as opções de escolha, maiores (o que os faz viver como se a vida estivesse na prateleira de uma promoção do freeshop), e, por isso mesmo, a chance de fracassar, muito maior. A ansiedade de errar entre tantas opções os esmaga.
Por detrás desse blablablá de que os jovens de hoje são mais corajosos para seguir seus sonhos, está a boa e velha publicidade vendendo vidas que não existem.
Sei que alguns afirmam que viver segundo o desejo é a solução. Concordo em teoria, mas o problema é que viver segundo o desejo (seja lá o que isso for) é sempre um risco porque, como nos ensinou Arthur Schopenhauer (1788-1860), o desejo pode nos humilhar de duas formas básicas: negando-nos a realização de nosso desejo ou, pior, deixando que realizemos nosso desejo, porque assim perceberemos que, ao realizarmos nosso desejo, perdemos o tesão por ele, um pouco como o velho personagem Dom Juan e seu desespero diante da perda do desejo pela mulher seduzida.
Alguns acham que para escapar da vida medíocre devemos viver uma vida estética, como se diz em filosofia. Uma vida estética é uma vida vivida pelas sensações, como dizia Soren Kierkegaard (1813-1855). Uma vida estética é bastante sedutora: sexo, bebida, jogos, comida, viagens. Mas fracassa pela mesma razão que dizia Schopenhauer: uma hora o tesão pela sensação acaba.
O dinamarquês Kierkegaard levanta outra hipótese, que é a da vida ética. Essa proposta centra o sentido da vida numa busca de vida honesta. Cuidar da família, ser fiel no casamento, ser trabalhador, pagar impostos, investir em previdência privada. O fracasso será, entretanto, muito provável: famílias traem, um dia você pode ser trocado ou trocada por alguém mais jovem e belo, empregadores demitem, injustiças abundam, impostos só aumentam e pouco se ganha em troca. A aposta na vida ética é ainda mais frustrante porque você se sentirá um pouco ingênuo ao perceber que o mundo não leva em conta os esforços para termos uma vida "reta".
Outra opção, segundo nosso dinamarquês, é aderir a uma vida religiosa numa igreja. De nada adiantará porque igrejas são poços de repressão, mentiras e hipocrisias. De volta a estaca zero.
Para Kierkegaard, toda essa busca se dá porque somos um poço de angústia. Tememos uma vida inundada em angústia, e, por isso mesmo, tentamos toda forma de fuga, para ao final tombarmos na mesma constatação: medo, desespero e angústia.
O existencialista Kierkegaard aposta num "salto na fé", livre de instituições religiosas, tipo "você e Deus". Mas, ao mesmo tempo esse "salto" implica um ato de coragem que é apostar numa vida sem medo da angústia. Toda vez que tentamos escapar dela e fracassamos, mergulhamos no desespero: perdemos a esperança de que possamos viver uma vida sem angústia e pautada por alguma garantia contra nossos medos.
Friedrich Nietzsche (1844-1900) apostava numa vida vivida a partir "dos seus próprios valores", longe do espírito de rebanho que assola a humanidade, principalmente na modernidade, essa era dos rebanhos e manadas. Richard Rorty (1931-2007) traduzia essa ideia assim: "Buscar uma vida autoral". Isso significa o seguinte: viver de forma tal que sua vida seja sua obra de arte.
De volta a questão dos jovens: como não ter uma vida medíocre? Acho difícil não ter uma vida medíocre, porque, principalmente, você acaba tendo uma vida medíocre porque quer ter uma vida segura (o que é normal querer, afinal de contas). A modernidade é um parque de mediocridade regado a busca de segurança e garantias.
Creio que a receita para termos uma vida medíocre é termos muito medo. A proposta de Nietzsche e Rorty me parece bastante sedutora. Mas, quem está preparado para não ter medo de sofrer?
05 de julho de 2016
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP
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