"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 5 de julho de 2016

CRITÉRIOS SUPREMOS


Dois graves problemas da Justiça brasileira se mostraram por inteiro no episódio do encarceramento e posterior soltura do petista Paulo Bernardo.

De um lado, o abuso das prisões provisórias, decretadas antes de haver condenação; de outro, a falta de controle sobre as canetadas dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que não raro se valem dessa circunstância para decidir sabe-se lá com base em quais critérios.

Ex-ministro dos governos de Lula e Dilma Rousseff, Bernardo havia sido preso preventivamente no dia 23, acusado de receber R$ 7 milhões em propina. 

Passados seis dias de sua detenção, viu-se solto graças ao ministro Dias Toffoli, do STF, para quem a restrição de liberdade imposta ao petista constituía manifesto constrangimento ilegal.

Com razão, Toffoli lembrou que a prisão preventiva não pode ser usada como antecipação da pena nem a fim de forçar a devolução de valores desviados. 
A função do mecanismo é outra: impedir que o suspeito fuja, continue praticando crimes ou atrapalhe o processo. 
Para o ministro do STF, esses requisitos não estavam demonstrados.

É sem dúvida bom saber que as instâncias superiores da Justiça vez ou outra se mostram dispostas a corrigir exageros punitivos.

Melhor seria, porém, que isso constituísse a regra, e não exceção. 
Basta dizer que os presos provisórios (sem condenação) representam 40% de uma população carcerária formada por mais de 600 mil pessoas. Quantos estarão atrás das grades indevidamente?

Se Toffoli acertou no conteúdo, o mesmo não se pode dizer da forma. 
Como Bernardo teve a prisão decretada por juiz da primeira instância da Justiça Federal, caberia ao Tribunal Regional Federal analisar o recurso. 
Depois, o processo seguiria ao Superior Tribunal de Justiça e só então chegaria ao STF.

Ou seja, Bernardo saltou duas instâncias judiciais. Essa clara subversão do sistema é aceita raríssimas vezes no STF, embora não falte quem arrisque a manobra - talvez o meio mais comum de tentá-la seja o habeas corpus.

De acordo com o projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, de 2011 a março de 2016 avaliaram-se 2.894 habeas corpus que saltaram instâncias para chegar ao STF. Só 13 (0,45%) tiveram sucesso.

A situação do ex-ministro petista é mais peculiar porque ele tentou caminho menos comum. Em vez de discutir diretamente sua liberdade, alegou que seu caso deveria ser julgado pelo Supremo, já que documentos mencionam sua esposa, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) -detentora de foro privilegiado.

Toffoli não concordou com a tese, mas ainda assim revogou a prisão que lhe parecia abusiva. Segundo o Supremo em Números, desde 1988, na média, há menos de uma decisão semelhante a essa por ano.

Quando magistrados de instâncias inferiores erram, há quem lhes corrija; quando ministros do STF ampliam demais suas margens de discricionariedade para justificar decisões anômalas, resta o espanto, a surpresa e a desconfiança.



05 de julho de 2016
Editorial Folha de SP

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