"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 5 de julho de 2016

AS TRÊS DIFICULDADES DOS INTELECTUAIS, E UMA NOTA SOBRE NACIONALISMO


phdOs intelectuais de hoje mostram duas deficiências gravíssimas: apenas falam daquilo que já faz parte do debate académico ou do “debate público” instituído pelos jornalistas; e nunca levam em conta as implicações psicológicas contidas em todas as grandes manobras políticas e ‘sociais’ das últimas décadas.

Identifico três tipos de dificuldade nos intelectuais que têm impedido praticamente todos eles de fazerem análises aceitáveis da realidade. Não me refiro a dificuldades relativas à aquisição de conhecimento mas a algo que está para além disso.
1. Sinceridade
Esta é uma dificuldade permanente na vida intelectual de todos os tempos. A sinceridade não depende apenas de uma decisão ou disposição mas é uma conquista que depende do aprofundamento da auto-consciência e do domínio da linguagem. Isto não está apenas nas mãos do indivíduo, porque se ele nasceu numa época ou num meio em que a linguagem é pobre, então, o seu nível de sinceridade é baixo porque ele não tem à sua disposição os instrumentos que lhe permitam descrever os seus estados internos ou as situações que pretende analisar.
2. Mentira e falsificação
Quando surgiram os instrumentos para conseguir fazer uma descrição mais sincera da realidade, ao mesmo tempo esses instrumentos podiam ser usados para a falsificação. De certa forma, este é o tema do ‘Górgias’, de Platão. O problema voltou a ressurgir em Roma e depois na Renascença, em que o mundo passou a ser visto como um teatro, mas algo muito pior estava ainda por vir com a emergência do discurso ideológico, sobretudo a partir do século XIX. A ideologia é uma elaboração de um discurso que oferece uma cosmovisão que dá respostas a todas as questões. O intelectual que adere a uma ideologia tem o seu trabalho imensamente facilitado (e fica logo integrado numa rede de influências), mas tem de negar sistematicamente a realidade, pelo menos naquilo que esta contraria a ideologia.
O problema não afecta somente aqueles que aderem formalmente a uma ideologia, porque pedaços das várias cosmovisões ideológicas ficam espalhados na cultura e aparecem como mero “bom-senso”, que nós usamos como lentes para enxergar a realidade sem perceber que estamos a ver tudo distorcido.
3. Coragem intelectual
De certa forma, a coragem intelectual (que é a coragem propriamente humana) é também um problema “de sempre”, já identificado por Platão como uma virtude necessária para manter a justiça e a verdade. Contudo, o problema agudizou-se muito nas últimas décadas e sobretudo nos anos mais recentes. Para distinguir a problemática da coragem intelectual dos pontos anteriores (que também têm implícita a coragem), vou relacionar este ponto com as dificuldades em enfrentar os problemas concretos e próprios da época em que o intelectual vive.
Praticamente todos os intelectuais de hoje mostram duas deficiências gravíssimas: apenas falam daquilo que já faz parte do debate académico ou do “debate público” instituído pelos jornalistas; e nunca levam em conta as implicações psicológicas contidas em todas as grandes manobras políticas e ‘sociais’ das últimas décadas.
No primeiro caso, o intelectual orgulhoso do seu diploma teme ser repudiado pela academia ou de aparecer como um “estranho” face à opinião pública fabricada. Pouco interessa que esse intelectual mostre competência em temas eruditos ou que seja cristão e conservador, porque a sua omissão vai alimentar a espiral do silêncio e empobrecer mortalmente a vida cultural. A estratégia dos revolucionários em democracia conta precisamente com a existência destes intelectuais “moderados” – que na realidade são cobardes – para validar os temas que eles mesmo colocam em pauta e que nunca deviam ter sido aceites como legítimos.
A falta de acuidade psicológica de quase todos os intelectuais é realmente confrangedora. Só um exemplo: na questão do “Brexit” as discussões andam à volta de economia ou de soberania, contudo, a principal efeito da permanência na União Europeia foi uma alteração sem precedentes na psicologia das populações e dos próprios intelectuais (a tão propalada riqueza cultural da Europa está seriamente ameaçada porque os povos perderam muito rapidamente identidade e passaram a reagir de forma assustadoramente uniforme e sempre de acordo com o politicamente correcto).
Existe forma de obter esta acuidade psicológica, mas para isso os intelectuais teriam de sair da sua “zona de conforto”, como se costuma dizer hoje. A auto-consciência é trabalhada em várias áreas – confissão, práticas ascéticas e místicas, artes marciais, alguns tipos de psicoterapia – mas há também riscos, porque nestas coisas há muitos charlatães e gente até perigosa. Mas aquele que quer ser um intelectual de verdade é como se estivesse tentando pertencer a uma elite guerreira, não é para ser carreirista ou algo do género, portanto, é alguém que tem que se arriscar a ir a onde outros não se atrevem.

* * *
O que é o nacionalismo?
Como é habitual, ninguém quer saber, mas é sempre um lugar-comum útil nas discussões públicas. Uns fazem a associação habitual ao nacional-socialismo alemão. Mas entre os que não caem nesta armadilha é difícil de encontrar alguém com uma ideia de nacionalismo coerente.
No mais das vezes, o nacionalismo não é uma ideia mas uma espécie de imagem romântica. Uma imagem das glórias do passado ou de um país que falta cumprir. Não que seja totalmente errado ter uma imagem destas, mas o problema é quando a imagem substitui tudo o resto. Assim, muitos nacionalistas desprezam a nação realmente existente, acham que a história parou há dois séculos atrás e nada mais de relevante aconteceu, ou então acreditam que tudo o que é bom só virá no futuro. Na prática, estas duas visões acabam por ter consequências semelhantes, ambas têm uma esperança messiânica no futuro para restaurar a antiga glória ou a glória prometida. Ou seja, o nacionalismo corre o risco de se tornar em mais um movimento revolucionário ao fazer a inversão do tempo. O amor de muitos nacionalistas à nação é semelhante do amor dos socialistas ao povo, que não é dirigido ao povo real e concreto mas a um povo ideal que virá no futuro e que será construído pelo próprio socialismo.
Isto ajuda a explicar algumas acções estranhas de nacionalistas, como a aposta que muitos fazem na Rússia de Putin e mesmo no eurasianismo. Como pode um nacionalista apostar em algo que vai destruir a sua nação? Em alguns casos é uma mera transferência, em que a nação de referência passa a ser a Grande Rússia ou algo assim. Noutros casos são cálculos estratégicos, em que os nacionalistas acham que podem ascender aos postos de poder se aliando à Rússia. Eles não se sentem traidores porque não reconhecem como autêntica a nação existente, por isso até é positivo derrubar aquilo que eles consideram ser uma farsa.
Neste momento o nacionalismo escocês parece também imerso na confusão. Para se livrarem do jugo inglês querem permanecer na União Europeia e abdicar totalmente da soberania. É mais um povo candidato à lata do lixo da História.

05 de julho de 2016
MÁRIO CHAINHO

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