Com a mudança na Presidência da República (temporária até agosto, definitiva a partir daí), o cenário econômico começou a ter horizontes. A queda livre da economia está sendo estancada. Ainda teremos um resultado negativo neste segundo trimestre do ano, fruto da inércia de uma tendência que vem desde o ano passado, mas os índices de expectativas já viraram para positivos, na margem, e o mesmo começa a ocorrer em alguns segmentos do lado real.
Tudo está pronto para uma retomada mais consistente. Entretanto, três questões estão começando a turvar um pouco minha percepção de futuro: falta melhor comunicação ao Executivo; a dureza da política monetária anunciada está descalibrada do conjunto da situação econômica; e estamos, mais uma vez, correndo o risco de uma excessiva e indesejada valorização do real. Discuto, então, cada um desses pontos.
A herança recebida por Michel Temer é um horror em todas as frentes, como se sabe. Entretanto, nada se compara ao estado das contas públicas, na qual um gigantesco déficit fiscal primário está empurrando para cima a dívida pública, de forma insustentável. Nessa situação, a melhora das contas tem de ser gradual, inclusive, porque não é verdade que o déficit do próximo ano seja “do governo Temer”. Muitas elevações de despesas já foram contratadas antes da sua posse, além daquelas obrigatórias. Ademais, é preciso reconhecer que um governo interino não tem a força de um efetivo, coisa que um Congresso de profissionais de muitas habilidades sabe se aproveitar bastante bem. Só no fim de agosto isso será alterado, a normalidade será restabelecida e o governo passará a ter muito mais força para desenvolver seu programa.
Olhando tudo isso, o déficit anunciado de R$ 139 bilhões parece muito decente, embora incomode certos puristas e tecnocratas. Devemos nos lembrar que a meta anunciada só ocorrerá se penosas reformas constitucionais e outras leis forem aprovadas. Finalmente, se o sucesso do Plano Real ensinou alguma coisa, é que o fundamental é dispor de um projeto e um rumo, perseguido de forma diligente por vários anos. Aqui não existe bala de prata matadora.
Comunicação. O que acredito que possa ser criticado é a comunicação do Executivo, onde depois de um início de governo particularmente atrapalhado, seguiu-se um silêncio generalizado. Parece-me fundamental expor exemplos de descalabros na concessão de prebendas e benefícios (que podem ser corrigidos), na transferência de recursos para organizações amigas em grandes volumes, no aumento do efetivo de pessoal gratificado e de certas organizações ampliadas para dar base ao projeto de poder que se encerrou. Tudo isso para mostrar que gastos relevantes podem, sim, ser reduzidos e que o governo pode ficar mais leve.
O segundo ponto a considerar é a política monetária. É certo que a inflação tem de convergir para a meta de 4,5%, e que esta terá de ser reduzida mais adiante. Como sempre, a grande questão é a velocidade da convergência.
O Banco Central decidiu de forma muito clara que a inflação terá de ser de 4,5% em dezembro do ano que vem, ao contrário de admitir que se poderia obter tal resultado ao longo de 2018. A dureza da recessão, a certeza que a nova equipe econômica vai mesmo atacar a questão fiscal e a credibilidade da atual equipe do Banco Central (BC) seguramente possibilitariam que os mercados aceitassem uma meta mais flexível, aliviando a política monetária e permitindo uma trajetória mais agressiva de redução de juros.
O caminho “falcão” provavelmente levará a que se comece a reduzir a Selic apenas em outubro (mesmo com um IPCA cada vez mais confortável), levando a uma queda de algo como cem pontos neste ano. O problema é que a taxa real de juros vai demorar muito para cair, desestimulando a retomada econômica.
Entretanto, isso não é o que mais me incomoda. A questão da liquidez da maior parte das empresas, nem sequer mencionada nas análises atuais, vai piorar ainda mais e o crédito seguirá muito contraído. Poderemos ter no segundo semestre uma nova leva de recuperações judiciais e falências. Ora, toda empresa que vai para recuperação judicial desemprega boa parte dos seus funcionários, com as consequências usuais sobre a atividade.
Tenho receio de que estejamos cometendo um erro.
Finalmente, consideremos o câmbio. O ajuste externo está avançando aceleradamente e caminhamos para um grande saldo comercial e zero de déficit em transações correntes. Ao contrário da Argentina, não falta dólar no Brasil.
Nessas condições, a atratividade do juro real brasileiro é enorme, especialmente agora, na situação pós-referendo no Reino Unido. Após a surpresa, é seguro que todos na Europa vão perder e que, em consequência, os bancos centrais seguirão ampliando a liquidez e mantendo os juros cada vez mais baixos.
Nesse quadro, a atração dos papéis brasileiros será fatal e a entrada de dólares significativa. A única cautela fica por conta da situação interna. Entretanto, a cada boa notícia (como a queda de Eduardo Cunha) a pressão de valorização do real será enorme, apesar das operações de swap do BC.
A próxima excelente notícia para o País será o afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff. Nessa ocasião, é muito provável que a cotação da moeda brasileira se aproxime de R$ 3 por dólar. Mais uma vez, o esforço exportador será prejudicado.
12 de julho de 2016
José Roberto Mendonça de Barros
ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE
O Estado de S.Paulo
Tudo está pronto para uma retomada mais consistente. Entretanto, três questões estão começando a turvar um pouco minha percepção de futuro: falta melhor comunicação ao Executivo; a dureza da política monetária anunciada está descalibrada do conjunto da situação econômica; e estamos, mais uma vez, correndo o risco de uma excessiva e indesejada valorização do real. Discuto, então, cada um desses pontos.
A herança recebida por Michel Temer é um horror em todas as frentes, como se sabe. Entretanto, nada se compara ao estado das contas públicas, na qual um gigantesco déficit fiscal primário está empurrando para cima a dívida pública, de forma insustentável. Nessa situação, a melhora das contas tem de ser gradual, inclusive, porque não é verdade que o déficit do próximo ano seja “do governo Temer”. Muitas elevações de despesas já foram contratadas antes da sua posse, além daquelas obrigatórias. Ademais, é preciso reconhecer que um governo interino não tem a força de um efetivo, coisa que um Congresso de profissionais de muitas habilidades sabe se aproveitar bastante bem. Só no fim de agosto isso será alterado, a normalidade será restabelecida e o governo passará a ter muito mais força para desenvolver seu programa.
Olhando tudo isso, o déficit anunciado de R$ 139 bilhões parece muito decente, embora incomode certos puristas e tecnocratas. Devemos nos lembrar que a meta anunciada só ocorrerá se penosas reformas constitucionais e outras leis forem aprovadas. Finalmente, se o sucesso do Plano Real ensinou alguma coisa, é que o fundamental é dispor de um projeto e um rumo, perseguido de forma diligente por vários anos. Aqui não existe bala de prata matadora.
Comunicação. O que acredito que possa ser criticado é a comunicação do Executivo, onde depois de um início de governo particularmente atrapalhado, seguiu-se um silêncio generalizado. Parece-me fundamental expor exemplos de descalabros na concessão de prebendas e benefícios (que podem ser corrigidos), na transferência de recursos para organizações amigas em grandes volumes, no aumento do efetivo de pessoal gratificado e de certas organizações ampliadas para dar base ao projeto de poder que se encerrou. Tudo isso para mostrar que gastos relevantes podem, sim, ser reduzidos e que o governo pode ficar mais leve.
O segundo ponto a considerar é a política monetária. É certo que a inflação tem de convergir para a meta de 4,5%, e que esta terá de ser reduzida mais adiante. Como sempre, a grande questão é a velocidade da convergência.
O Banco Central decidiu de forma muito clara que a inflação terá de ser de 4,5% em dezembro do ano que vem, ao contrário de admitir que se poderia obter tal resultado ao longo de 2018. A dureza da recessão, a certeza que a nova equipe econômica vai mesmo atacar a questão fiscal e a credibilidade da atual equipe do Banco Central (BC) seguramente possibilitariam que os mercados aceitassem uma meta mais flexível, aliviando a política monetária e permitindo uma trajetória mais agressiva de redução de juros.
O caminho “falcão” provavelmente levará a que se comece a reduzir a Selic apenas em outubro (mesmo com um IPCA cada vez mais confortável), levando a uma queda de algo como cem pontos neste ano. O problema é que a taxa real de juros vai demorar muito para cair, desestimulando a retomada econômica.
Entretanto, isso não é o que mais me incomoda. A questão da liquidez da maior parte das empresas, nem sequer mencionada nas análises atuais, vai piorar ainda mais e o crédito seguirá muito contraído. Poderemos ter no segundo semestre uma nova leva de recuperações judiciais e falências. Ora, toda empresa que vai para recuperação judicial desemprega boa parte dos seus funcionários, com as consequências usuais sobre a atividade.
Tenho receio de que estejamos cometendo um erro.
Finalmente, consideremos o câmbio. O ajuste externo está avançando aceleradamente e caminhamos para um grande saldo comercial e zero de déficit em transações correntes. Ao contrário da Argentina, não falta dólar no Brasil.
Nessas condições, a atratividade do juro real brasileiro é enorme, especialmente agora, na situação pós-referendo no Reino Unido. Após a surpresa, é seguro que todos na Europa vão perder e que, em consequência, os bancos centrais seguirão ampliando a liquidez e mantendo os juros cada vez mais baixos.
Nesse quadro, a atração dos papéis brasileiros será fatal e a entrada de dólares significativa. A única cautela fica por conta da situação interna. Entretanto, a cada boa notícia (como a queda de Eduardo Cunha) a pressão de valorização do real será enorme, apesar das operações de swap do BC.
A próxima excelente notícia para o País será o afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff. Nessa ocasião, é muito provável que a cotação da moeda brasileira se aproxime de R$ 3 por dólar. Mais uma vez, o esforço exportador será prejudicado.
12 de julho de 2016
José Roberto Mendonça de Barros
ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE
O Estado de S.Paulo
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