Pode-se medir o sucesso de várias formas, algumas espantosas, principalmente quando se trata de políticas públicas no Brasil. O governo poderá fazer uma festa se fechar 2016 com um déficit primário de R$ 170,5 bilhões. Poderá abrir champanhe se reduzir o buraco no próximo ano para R$ 139 bilhões, valor correspondente, segundo a estimativa oficial, a 2,05% do produto interno bruto (PIB). Somando os juros, porém, a conta mostrará um rombo total muito maior. Esse resultado, conhecido como déficit nominal, tem estado na vizinhança de 10% do PIB, uma monstruosidade, pelos padrões internacionais. O déficit nominal americano ficou em 3,7% no ano passado e deve oscilar por um bom tempo nas vizinhanças desse número. A média geral dos países da eurozona tem estado na faixa de 2% a 3%. A média latino-americana bateu em 7,3% no ano passado – com a maior parte dos países muito abaixo disso – e tende a cair.
É preciso ir além da economia para entender por que as contas públicas brasileiras vão tão mal e como se combina uma recessão prolongada e severa com inflação tão alta – 6,41% há dois anos, 10,67% em 2015 e, se as projeções estiverem certas, algo em torno de 7% em 2016. O número estimado pelo governo para o próximo ano, 4,8%, ainda é pior que o da maior parte do mundo e aparentemente incompatível com um crescimento econômico de apenas 1,2%, também usado como referência para a definição da meta fiscal.
O objetivo fixado para 2017, um déficit primário de até R$ 139 bilhões para o governo central, pode parecer um tanto frouxo, à primeira vista. Para definir essa meta, no entanto, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, teve de vencer a oposição de colegas de governo e aliados políticos. Havia quem defendesse a repetição dos R$ 170,5 bilhões como limite do déficit primário. Outros, mais moderados, propunham valores na faixa de R$ 150 bilhões a R$ 160 bilhões. A primeira resistência a um ajuste mais ou menos sério, portanto, está dentro do Executivo, apesar das promessas do presidente interino. Mas ele, de toda forma, acabou bancando a proposta menos leniente.
Pelos dados conhecidos, o objetivo afinal escolhido é basicamente realista. O governo da presidente Dilma Rousseff costumava apresentar metas mais ambiciosas, no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), para ajustá-las depois à evolução desfavorável de suas contas. O governo provisório do presidente Michel Temer decidiu seguir o caminho contrário: explicitar o problema, no início, e evitar a correção da meta durante o exercício.
Na hipótese mais otimista, o governo alcançará um déficit menor que R$ 139 bilhões se as condições da economia ajudarem e, principalmente, se estiver disposto a aperfeiçoar a gestão. Se continuar no poder, o presidente Michel Temer ainda terá de comprovar a disposição de seguir uma política severa. O mercado aposta nesse compromisso, embora ele tenha confirmado bondades prometidas pela presidente afastada, inflando a folha de salários, e tenha concedido algumas de sua iniciativa, como um reajuste maior do Bolsa Família.
Mas o desafio real supera de longe a tarefa de reforçar as contas nos próximos dois anos e meio. O governo já avançou em pelo menos uma frente, ao propor um limite para a expansão do gasto público. Um teto correspondente à inflação impedirá o aumento real da despesa, mas será insuficiente para racionalizar o sistema orçamentário. Será preciso ir além, negociar a reforma da Previdência e desmontar, por exemplo, a vinculação da receita a certas classes de despesas.
O Brasil gasta em educação tanto quanto a Coreia do Sul, pouco mais de 3% do PIB, mas com resultados muito inferiores. Numa lista de 139 países, a Coreia aparece em 66.º lugar quando se trata da qualidade do sistema educacional. O Brasil, em 133.º, bem perto, portanto, do fim da fila. O levantamento foi publicado há poucos dias pelo Fórum Econômico Mundial. Outras fontes de comparação, como o programa internacional de avaliação de estudantes da OCDE, também têm mostrado o Brasil em posições muito ruins.
Dá-se muita importância, no País, ao volume de gasto orçamentário, e quase nenhuma a questões como prioridade, eficiência e qualidade dos projetos e programas. Vinculações de verbas apenas engessam o Orçamento, dificultam o uso racional de recursos e ainda facilitam o desperdício e a corrupção. Se o gasto é obrigatório, para que cuidar da qualidade e de resultados? A resposta é evidente nos dados brasileiros de educação e de saúde.
Desengessar o Orçamento, uma tarefa politicamente complicada, é muito importante, mas também é apenas parte da solução. Segundo a doutrina mais popular entre os políticos, a função principal do governo é gastar e distribuir comodidades – sem referência necessária a itens como interesse coletivo, equidade, estratégia nacional, objetivos de longo prazo e, é claro, limitação de recursos. Conceitos como competência, produtividade, impessoalidade e responsabilidade foram banidos da gestão pública nos últimos 13 anos. Nunca foram dominantes, desde quando Gregório de Matos desancava em seus versos o governo da Bahia, mas já foram imensamente mais importantes do que na gestão petista.
Se conseguir ajeitar as contas públicas e mobilizar capitais privados, o governo poderá reativar os investimentos vinculados a programas públicos. Mas voltar a investir também será insuficiente se os projetos continuarem ruins, os custos forem mal calculados, o acompanhamento for falho e as obras forem demoradas e de baixa qualidade. Muito mais que dinheiro, gestão é o grande fator escasso para a formulação e a execução dos programas. Gestão, num país como o Brasil, é essencialmente um problema político. Governos de outros países podem precisar de missões do Fundo Monetário Internacional para aprender a fazer e a executar orçamentos. O problema do Brasil está além da competência de missões técnicas.
12 de julho de 2016
Rolf Kuntz, Estadão
É preciso ir além da economia para entender por que as contas públicas brasileiras vão tão mal e como se combina uma recessão prolongada e severa com inflação tão alta – 6,41% há dois anos, 10,67% em 2015 e, se as projeções estiverem certas, algo em torno de 7% em 2016. O número estimado pelo governo para o próximo ano, 4,8%, ainda é pior que o da maior parte do mundo e aparentemente incompatível com um crescimento econômico de apenas 1,2%, também usado como referência para a definição da meta fiscal.
O objetivo fixado para 2017, um déficit primário de até R$ 139 bilhões para o governo central, pode parecer um tanto frouxo, à primeira vista. Para definir essa meta, no entanto, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, teve de vencer a oposição de colegas de governo e aliados políticos. Havia quem defendesse a repetição dos R$ 170,5 bilhões como limite do déficit primário. Outros, mais moderados, propunham valores na faixa de R$ 150 bilhões a R$ 160 bilhões. A primeira resistência a um ajuste mais ou menos sério, portanto, está dentro do Executivo, apesar das promessas do presidente interino. Mas ele, de toda forma, acabou bancando a proposta menos leniente.
Pelos dados conhecidos, o objetivo afinal escolhido é basicamente realista. O governo da presidente Dilma Rousseff costumava apresentar metas mais ambiciosas, no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), para ajustá-las depois à evolução desfavorável de suas contas. O governo provisório do presidente Michel Temer decidiu seguir o caminho contrário: explicitar o problema, no início, e evitar a correção da meta durante o exercício.
Na hipótese mais otimista, o governo alcançará um déficit menor que R$ 139 bilhões se as condições da economia ajudarem e, principalmente, se estiver disposto a aperfeiçoar a gestão. Se continuar no poder, o presidente Michel Temer ainda terá de comprovar a disposição de seguir uma política severa. O mercado aposta nesse compromisso, embora ele tenha confirmado bondades prometidas pela presidente afastada, inflando a folha de salários, e tenha concedido algumas de sua iniciativa, como um reajuste maior do Bolsa Família.
Mas o desafio real supera de longe a tarefa de reforçar as contas nos próximos dois anos e meio. O governo já avançou em pelo menos uma frente, ao propor um limite para a expansão do gasto público. Um teto correspondente à inflação impedirá o aumento real da despesa, mas será insuficiente para racionalizar o sistema orçamentário. Será preciso ir além, negociar a reforma da Previdência e desmontar, por exemplo, a vinculação da receita a certas classes de despesas.
O Brasil gasta em educação tanto quanto a Coreia do Sul, pouco mais de 3% do PIB, mas com resultados muito inferiores. Numa lista de 139 países, a Coreia aparece em 66.º lugar quando se trata da qualidade do sistema educacional. O Brasil, em 133.º, bem perto, portanto, do fim da fila. O levantamento foi publicado há poucos dias pelo Fórum Econômico Mundial. Outras fontes de comparação, como o programa internacional de avaliação de estudantes da OCDE, também têm mostrado o Brasil em posições muito ruins.
Dá-se muita importância, no País, ao volume de gasto orçamentário, e quase nenhuma a questões como prioridade, eficiência e qualidade dos projetos e programas. Vinculações de verbas apenas engessam o Orçamento, dificultam o uso racional de recursos e ainda facilitam o desperdício e a corrupção. Se o gasto é obrigatório, para que cuidar da qualidade e de resultados? A resposta é evidente nos dados brasileiros de educação e de saúde.
Desengessar o Orçamento, uma tarefa politicamente complicada, é muito importante, mas também é apenas parte da solução. Segundo a doutrina mais popular entre os políticos, a função principal do governo é gastar e distribuir comodidades – sem referência necessária a itens como interesse coletivo, equidade, estratégia nacional, objetivos de longo prazo e, é claro, limitação de recursos. Conceitos como competência, produtividade, impessoalidade e responsabilidade foram banidos da gestão pública nos últimos 13 anos. Nunca foram dominantes, desde quando Gregório de Matos desancava em seus versos o governo da Bahia, mas já foram imensamente mais importantes do que na gestão petista.
Se conseguir ajeitar as contas públicas e mobilizar capitais privados, o governo poderá reativar os investimentos vinculados a programas públicos. Mas voltar a investir também será insuficiente se os projetos continuarem ruins, os custos forem mal calculados, o acompanhamento for falho e as obras forem demoradas e de baixa qualidade. Muito mais que dinheiro, gestão é o grande fator escasso para a formulação e a execução dos programas. Gestão, num país como o Brasil, é essencialmente um problema político. Governos de outros países podem precisar de missões do Fundo Monetário Internacional para aprender a fazer e a executar orçamentos. O problema do Brasil está além da competência de missões técnicas.
12 de julho de 2016
Rolf Kuntz, Estadão
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