Aconteceram três episódios que prenunciam encrencas que serão testes para o Judiciário nacional.
Em fevereiro, contra o voto de Celso de Mello e de três outros ministros, o Supremo Tribunal Federal decidiu que uma pessoa condenada na segunda instância deverá esperar o julgamento de um novo recurso na cadeia.
Mello chamou a decisão de “inversão totalitária”. Na semana passada, numa inversão minoritária, o ministro mandou soltar um empresário que em 2009 matara o sócio. Condenado a 16 anos na primeira instância, ficou com 14 anos na segunda e foi preso.
Mello soltou-o. Ele não julgou o caso, mas o direito de um assassino esperar em liberdade o julgamento de seu último recurso.
O Supremo deverá decidir se a decisão de fevereiro foi constitucional. Todos os grandes clientes e escritórios de advocacia que defendem a turma da Lava-Jato torcem para que ocorra uma inversão plutocrática. Como 7×4 pode virar uma outra coisa, não se sabe, mas pode-se sonhar com uma reversão do doloroso 7×1 do Mineirão.
BERNARDO E CAVENDISH
Noutro episódio, o ministro Dias Toffoli mandou soltar o comissário Paulo Bernardo, que havia sido preso uma semana antes.
Sua decisão foi cumprida pelo juiz da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Tendo sido obrigado a libertar o comissário petista, o magistrado soltou outros seis acusados de morder as contas de créditos de servidores públicos. Se é para soltar, soltemos todos.
O terceiro caso, grotesco, aconteceu no Tribunal Federal da 2ª Região.
O juiz Marcelo Bretas mandou prender o notório contraventor Carlinhos Cachoeira e o notável empreiteiro Fernando Cavendish, da Delta.
Prontamente, o desembargador Ivan Athié, do Tribunal Federal da região, atendeu os advogados de Cachoeira e converteu as prisões preventivas em domiciliares.
O juiz Marcelo Bretas mandou prender o notório contraventor Carlinhos Cachoeira e o notável empreiteiro Fernando Cavendish, da Delta.
Prontamente, o desembargador Ivan Athié, do Tribunal Federal da região, atendeu os advogados de Cachoeira e converteu as prisões preventivas em domiciliares.
Os repórteres Chico Otávio e Juliana Castro lembraram ao público que o desembargador já fora réu num processo que lhe custara o afastamento do tribunal por vários anos.
SUSPEIÇÃO
Defendido por Técio Lins e Silva (hoje advogando para Cavendish), foi desonerado.
Em 2014, Athié desbloqueara os bens do empreiteiro acusado de superfaturamentos em obras do governo do Estado do Rio. A amizade de Cavendish com o governador Sérgio Cabral era motivo de orgulho para ambos, e Athié registrou que ser amigo de poderosos não poderia criminalizar um cidadão.
O desembargador que rapidamente adocicou as preventivas foi novamente ligeiro: declarou-se impedido e entrou em férias.
Suas decisões foram revertidas, e a dupla foi para Bangu até que o ministro Nefi Cordeiro, do STJ, retomou a linha de Athié e mandou soltá-los. Breve, novos capítulos.
LEWANDOWSKI – Corre no Supremo Tribunal Federal uma articulação meio girafa.
Em setembro, o ministro Ricardo Lewandowski deixa a presidência da Corte e será substituído pela ministra Cármen Lúcia. Com isso abre-se uma vaga na Segunda Turma, a que cuida da Lava-Jato.
Pelo regimento, a cadeira deverá ser ocupada por Lewandowski. A ideia-girafa é patrocinar uma permuta antes de setembro.
A ministra Cármen Lúcia trocaria de cadeira com um colega que está em outra turma. Driblado, Lewandowski seria mantido longe da Lava-Jato.
Uma pirueta desse tipo vai bem num diretório estudantil. Qual ministro continuaria no Tribunal depois de ser submetido a semelhante constrangimento?
Lewandowski quer que a Polícia Federal investigue quem criou o boneco inflável “Petrolowski” que desfilou na Avenida Paulista.
Ele representaria “intolerável atentado à honra” do doutor e, “em consequência, à própria dignidade da Justiça brasileira”. A ver, mas se os seus eminentes colegas inflarem o drible da permuta serão aplaudidos pela turma que fez o boneco.
10 de julho de 2016
Elio Gaspari
O Globo e Folha
Nenhum comentário:
Postar um comentário