E se a pressão da sociedade voltar-se agora contra Renan? Afinal, ele e Cunha têm folhas corridas que competem em termos de processos
Se, como é de supor, a renúncia de Eduardo Cunha à presidência da Câmara não passa de mais uma manobra para retardar a perda do mandato, que parece inevitável, quem não deve estar muito tranquilo com esse desfecho é Renan Calheiros. E se a pressão da sociedade voltar-se agora contra ele? Afinal, ele e seu colega de partido têm folhas corridas que competem em termos de processos. O presidente do Senado responde a uns 11 inquéritos no STF por corrupção, lavagem e desvio de dinheiro, falsidade ideológica. Daí talvez a pressa de aprovar logo o projeto de Abuso de Autoridade, que prevê a punição de investigadores, promotores, juízes, desembargadores e até ministros de tribunais superiores. “Esse projeto não pode sequer tramitar”, adverte o senador Cristovam Buarque, “porque passa a impressão de que o Senado quer barrar a Lava-Jato”.
Renan diz que não, que não se trata de medida para “embaçar, inibir ou constranger investigações da operação”. Tomara, mas ele vai ter que convencer a opinião pública de que vale o que diz agora, e não o que afirmou no mês passado — que os procuradores da Lava-Jato perderam o “limite do bom senso e do ridículo” — ou então quando, sem saber que a conversa estava sendo gravada, aceitou discutir com o delator Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, um “pacto para passar uma borracha no Brasil e ir em frente”. A primeira providência desse acordo para zerar o passado seria impedir “delação premiada de preso”. Ele devia ter seus motivos porque, nessa mesma gravação, Machado lembrou a possibilidade de isso ocorrer com as revelações de Delcídio Amaral, e ele reagiu: “Deus me livre. Delcídio é o mais perigoso do mundo”.
O difícil nessa história toda é que, assim como ninguém admite ser a favor do mal e contra o bem, os interessados em pôr fim à Lava-Jato ou em que ela, pelo menos, arrefeça o ânimo investigativo, não gostam de confessar. Em geral, fala-se da sua importância e, em seguida, acrescenta-se um “mas”, que introduz a necessidade de correção de rumo para aparar “excessos” e “deslizes”. Fingem esquecer que o juiz Sérgio Moro teve a maioria de suas decisões mantidas pelas Cortes superiores. De acordo com um levantamento recente do jornal “O Estado de S.Paulo”, o índice de revisão era de menos de 4% de um total de 413 recursos apresentados pelas defesas do acusados. Ou seja, apenas 16 reclamações foram aceitas total ou parcialmente e 313 (76%) negadas.
Se os erros de qualquer de nossas instituições se limitassem a 4%, o país estaria melhor.
10 de julho de 2016
Zuenir Ventura, O Globo
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