Pensar a política em termos de arranjos conspiratórios parece-se com fazer ou ler horóscopos. É parecido ao menos na tentativa de catar ao léu fatos que se casem com uma teoria que justifique uma visão amalucada ou interessada, do mundo.
Adeptos do pensamento da conspiração devem estar tendo trabalho com os desdobramentos da crise. Em vez de engrenagens e manipulações, há caos e abalos de forças sísmicas sob controle de ninguém, nem mesmo na Justiça ou na Procuradoria, que se batem.
Sim, vê-se tentativa de salvar algo do incêndio judicial da política, talvez um plano, mas não conspiração. O governo está pedindo fiança quase integral ao "empresariado".
Quanto às conspirações da política-politiqueira, as teorias e as tentativas reais de levá-las a cabo ficam cada vez mais risíveis.
Haveria um arranjo entre o governo de Michel Temer e Eduardo Cunha para salvá-lo da guilhotina –se houve, não funcionou. Haveria um grande arranjo, velho de quase um ano, para salvar enredados na Lava Jato, pelo menos os do governo –mal houve, não funcionou. Há cada vez mais portas de cadeia abertas.
Haveria um conluio entre "o empresariado" e os golpistas jatolavados para derrubar Dilma Rousseff. Não havia, mas funcionou. Para começar, nem há empresariado unificado, articulado e mobilizado para tanto (embora, sim, grupos menores de empresários tenham organizado ou financiado a campanha de manifestações contra a presidente ora afastada).
Mais divertido, há quem diga que na liderança do golpismo estariam "rentistas", sendo que os maiores banqueiros do país se opuseram, de um modo ou outro, ao impeachment. Mas, sim, o PMDB fez um programa liberal radical para se legitimar com o dinheiro grosso.
Existem tentativas recorrentes de arranjos, mesmo de conspirações. Mas os envolvidos são apenas parte de engrenagem ou caos maior, não dominam as forças principais, não se conhecem, desconfiam de si, se traem, dão maus passos.
Temer estava confiante a ponto de nomear um ministério em parte jatolavável. Caíram ministros e deve cair mais um de seu núcleo íntimo assim que vierem as delações maiores das empreiteiras.
Cunha está no caminho lento e gradual da prisão. Aécio Neves rala na ladeira do vexame a caminho de um precipício ainda sem nome. PT e PMDB ou "centrinhão" e PC do B se uniram em protesto contra as denúncias do bandido da Transpetro, Sérgio Machado.
Os teóricos da conspiração podem se divertir com o fato de que empresários graúdos se juntam para dar apoio ao governo de Meirelles, o subgoverno central de Temer. O governo, que sempre teve a economia como prioridade, agora vê o assunto como esteio. Oferece reformas cada vez mais "radicais". No meio desse salseiro político e crise grave de emprego, propôs entregar também uma reforma trabalhista.
Sim, há desconfiança de que o governo não vai entregar o prometido, que a desordem parlamentar aumente. Mas há no Congresso o sentimento de que não há alternativa afora Temer. No entanto, há Renan Calheiros, na contracorrente faz dois anos.
A fome do governo Temer e políticos e a vontade de comer das "reformas econômicas" do empresariado podem se juntar mais. Ainda não se sabe o que o povo esfolado terá a dizer.
17 de junho de 2016
Vinicius Torres Freire, Folha de SP
Adeptos do pensamento da conspiração devem estar tendo trabalho com os desdobramentos da crise. Em vez de engrenagens e manipulações, há caos e abalos de forças sísmicas sob controle de ninguém, nem mesmo na Justiça ou na Procuradoria, que se batem.
Sim, vê-se tentativa de salvar algo do incêndio judicial da política, talvez um plano, mas não conspiração. O governo está pedindo fiança quase integral ao "empresariado".
Quanto às conspirações da política-politiqueira, as teorias e as tentativas reais de levá-las a cabo ficam cada vez mais risíveis.
Haveria um arranjo entre o governo de Michel Temer e Eduardo Cunha para salvá-lo da guilhotina –se houve, não funcionou. Haveria um grande arranjo, velho de quase um ano, para salvar enredados na Lava Jato, pelo menos os do governo –mal houve, não funcionou. Há cada vez mais portas de cadeia abertas.
Haveria um conluio entre "o empresariado" e os golpistas jatolavados para derrubar Dilma Rousseff. Não havia, mas funcionou. Para começar, nem há empresariado unificado, articulado e mobilizado para tanto (embora, sim, grupos menores de empresários tenham organizado ou financiado a campanha de manifestações contra a presidente ora afastada).
Mais divertido, há quem diga que na liderança do golpismo estariam "rentistas", sendo que os maiores banqueiros do país se opuseram, de um modo ou outro, ao impeachment. Mas, sim, o PMDB fez um programa liberal radical para se legitimar com o dinheiro grosso.
Existem tentativas recorrentes de arranjos, mesmo de conspirações. Mas os envolvidos são apenas parte de engrenagem ou caos maior, não dominam as forças principais, não se conhecem, desconfiam de si, se traem, dão maus passos.
Temer estava confiante a ponto de nomear um ministério em parte jatolavável. Caíram ministros e deve cair mais um de seu núcleo íntimo assim que vierem as delações maiores das empreiteiras.
Cunha está no caminho lento e gradual da prisão. Aécio Neves rala na ladeira do vexame a caminho de um precipício ainda sem nome. PT e PMDB ou "centrinhão" e PC do B se uniram em protesto contra as denúncias do bandido da Transpetro, Sérgio Machado.
Os teóricos da conspiração podem se divertir com o fato de que empresários graúdos se juntam para dar apoio ao governo de Meirelles, o subgoverno central de Temer. O governo, que sempre teve a economia como prioridade, agora vê o assunto como esteio. Oferece reformas cada vez mais "radicais". No meio desse salseiro político e crise grave de emprego, propôs entregar também uma reforma trabalhista.
Sim, há desconfiança de que o governo não vai entregar o prometido, que a desordem parlamentar aumente. Mas há no Congresso o sentimento de que não há alternativa afora Temer. No entanto, há Renan Calheiros, na contracorrente faz dois anos.
A fome do governo Temer e políticos e a vontade de comer das "reformas econômicas" do empresariado podem se juntar mais. Ainda não se sabe o que o povo esfolado terá a dizer.
17 de junho de 2016
Vinicius Torres Freire, Folha de SP
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