Artigo de Merval Pereira, publicado hoje no jornal O Globo, vai ao ponto: "República de Bananas seremos se continuarmos a aceitar essa imposição de um grupo político sobre o país, e se a Constituição em vigor não puder ser utilizada para dar um basta a essa usurpação a que estamos submetidos".
A nomeação de Lula como ministro Chefe do Gabinete Civil de Dilma foi, além de um acinte aos milhões de brasileiros que foram às ruas no domingo em todo o país, uma tentativa de golpe para evitar que o ex-presidente viesse a ser preso pela Operação Lava-Jato, e de atrasar as investigações, pois todo o processo teria que ser encaminhado à Procuradoria-Geral da República em Brasília e ficaria a cargo do Supremo Tribunal Federal, onde, sabe-se, o ritmo é mais lento inclusive devido à sobrecarga de trabalho.
Escrevo no condicional por que, depois dos áudios divulgados, não se sabe se haverá condição política para formalizar o golpe. A tentativa de obstrução da Justiça está claramente explicitada nos diversos diálogos, especialmente quando a própria presidente Dilma toma a iniciativa de mandar para Lula um termo de posse no ministério antes mesmo que o decreto tivesse sido publicado no Diário Oficial.
Isto é, Lula assumiu o ministério antes de ter sido nomeado oficialmente, apenas para que pudesse usar o documento oficial “em caso de necessidade”. Quando Lula pede, através de Jaques Wagner, que Dilma interfira junto à ministra do Supremo Rosa Weber para que ela decida a seu favor uma pendência judicial, justamente para retirar de Moro a investigação sobre o triplex do Guarujá, torna verossímil a versão de Delcídio do Amaral de que ela, numa conversa nos jardins do Palácio do Alvorada, pediu que interferisse junto a um ministro do STJ para soltar empreiteiros presos.
Não tem precedentes a gravidade de a presidente Dilma ser apanhada numa mentira momentos depois de ter dado uma entrevista coletiva onde desdenhou dos repórteres que lhe perguntavam sobre o foro privilegiado de Lula, desmentindo cabalmente que a intenção fosse essa.
Quando Lula diz que a Suprema Corte está acuada, o STJ está acuado, o Congresso está acuado, e que ele teme a República de Curitiba, numa referência à investigação da Aeronáutica que ficou conhecida como a “República do Galeão”, sobre a tentativa de assassinar Carlos Lacerda que culminou na morte do major Rubem Vaz, e precedeu o suicídio de Vargas, Lula mostra não apenas seu receio de ir para a cadeia, mas seu desprezo pela Justiça.
O que está acontecendo no Brasil é coisa de República de Bananas, onde uma curriola tomou conta do Estado e é capaz de fazer “o diabo” para não abrir mão de suas regalias. Honduras é o país inspirador do termo, cunhado pelo escritor americano O. Henry, pseudônimo de William Sydney Porter, que passou a designar um país atrasado e dominado por governos corruptos e ditatoriais, geralmente na América Central.
O principal produto desses países, a banana, era explorado pela famosa United Fruit Company, que teve um histórico de intromissões naquela região, especialmente em Honduras e Guatemala, para financiar governos que beneficiassem seus interesses econômicos, sempre apoiada pelo governo dos Estados Unidos.
Nossa “República de Bananas”, ao contrário, atende ao interesse de outras “Repúblicas de Bananas” espalhadas pela região, dominadas por curriolas assemelhadas politicamente e que se beneficiam mutuamente dos escândalos de corrupção capitaneados pelas empreiteiras brasileiras, financiadas pelo BNDES.
É um projeto de poder que vem sendo desmontado aqui, na Argentina, na Venezuela, na Bolívia, depois de mais de uma dezena de anos de dominação política. A tentativa de mudar o jogo político com Lula no ministério tendia a dar errado, pois somente um cavalo de pau na economia, com medidas populistas, poderia fazer o governo recuperar a popularidade.
Mas esse populismo imediatista acabaria levando ao mesmo desfecho, pois um erro repetido não se transforma em acerto. Teríamos novos anos de recessão, provocados pela aposta em uma política econômica destrambelhada e por abusos do poder econômico para garantir a permanência do mesmo grupo no poder durante décadas, como já escrevi aqui.
Uma dominação do país por ações criminosas que vão sendo desveladas por instituições do Estado que garantem que não nos transformemos em uma verdadeira “República de Bananas” como aquelas com que o poderoso chefão do petismo se relaciona em tenebrosas transações políticas e econômicas que agora estão sendo devidamente investigadas.
Repetindo o que já escrevi nesta coluna: “República de Bananas” seremos se continuarmos a aceitar essa imposição de um grupo político sobre o país, e se a Constituição em vigor não puder ser utilizada para dar um basta a essa usurpação a que estamos submetidos.
17 de março de 2016
in blog do orlando tambosi
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