Não deveria haver a menor dúvida sobre quais foram os principais alvos da gigantesca manifestação que tomou as ruas do Brasil no domingo. Lá estavam bonecos do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff retratados como presidiários, e multiplicavam-se cartazes e palavras de ordem contra o PT. No entanto, bastou que alguns políticos da oposição fossem vaiados durante os protestos para que o Politburo petista decidisse que estamos todos enganados: para os iluminados do partido, não se tratou de um ato contra o PT ou contra Dilma, mas de uma expressão de descontentamento com o mundo político em geral.
Essa versão amalucada dos fatos nada tem de ingênua. Os apressados podem atribuí-la à criatividade de um partido que há tempos se transformou em uma seita – na qual os fanáticos seguidores acreditam que o real é aquilo que seus guias espirituais dizem ser, e não o que seus olhos veem. No entanto, a interpretação que os líderes petistas estão fazendo das manifestações é fruto não de confusão mental ou de transe religioso, mas sim de uma estratégia política rastaquera, cujo único objetivo é tentar sobreviver à ampla desmoralização do partido nas ruas e na história.
Não é difícil de acompanhar o raciocínio dos capas pretas do PT. O presidente do partido, Rui Falcão, disse que se “preocupou” com o fato de que “a oposição que fomentou esse ato tenha sido hostilizada em plena Avenida Paulista”. Isso o “preocupa”, ele disse, porque “em 1964 os golpistas que apoiaram os militares, esperando que, com a deposição do Jango (presidente João Goulart), pudessem assumir o poder, foram igualmente afastados e depois tivemos 21 anos de uma ditadura sanguinária”.
Traduzindo: para a voz oficial do PT, a oposição criou um clima propício para a mobilização popular na expectativa de usá-la para destruir o partido, derrubar a presidente Dilma, acabar com Lula e retomar o poder, mas acabou sendo vítima do próprio veneno. A comparação com 1964 é obviamente absurda, entre outras razões porque a destituição da presidente Dilma Rousseff – de resto uma exigência da maioria absoluta da população – só ocorrerá dentro do mais estrito respeito à lei. Foi exatamente o que aconteceu em 1992, quando milhares de brasileiros – petistas inclusive, com Lula à frente – foram às ruas para demandar o impeachment de Fernando Collor. Naquela época, nenhum petista se queixou de que se gestava um golpe como o de 1964.
Agora, no entanto, aos petistas só resta apostar no medo de um retrocesso democrático, ao sugerirem que os milhões de manifestantes do domingo não passam de representantes de uma elite golpista que não se conforma com os alardeados “avanços sociais” do lulopetismo. Mais do que isso: essa massa, adverte o PT, é uma criatura que se insurgirá contra seus criadores, desprezando a classe política e entregando o comando do País a algum aventureiro.
Foi esse cenário de pesadelo que outro líder petista, Tarso Genro, invocou para atacar as legítimas manifestações de domingo. No Twitter, Genro escreveu que “a velha ordem política terminou na Avenida Paulista, como na Marcha com Deus em 64” – referência à mobilização popular e de lideranças civis em São Paulo que antecedeu a instalação do regime de exceção.
A “velha ordem política”, de fato, está por um fio – especialmente porque muitos de seus próceres estão em sérios apuros legais depois de terem sido flagrados esbaldando-se no festim corrupto promovido pelo PT. Mas é claro que não foi a isso que Genro se referiu. Para ele, os protestos realizados Brasil afora são a negação da política, uma evidência de que “os partidos e a política foram feridos gravemente” – algo que, segundo Genro, pode ser comparado ao que aconteceu na Alemanha às vésperas da ascensão do nazismo.
Esse é o nível da impostura dos seguidores de Lula. Mas nada disso surpreende. Os petistas desde sempre menosprezam qualquer forma de expressão política que não tenha sido inspirada em sua doutrina, pois se consideram moralmente superiores e, portanto, os únicos capazes de interpretar e de atender aos interesses do povo. Eis a verdadeira negação da política.
17 de março de 2016
Editorial O Estadão
Essa versão amalucada dos fatos nada tem de ingênua. Os apressados podem atribuí-la à criatividade de um partido que há tempos se transformou em uma seita – na qual os fanáticos seguidores acreditam que o real é aquilo que seus guias espirituais dizem ser, e não o que seus olhos veem. No entanto, a interpretação que os líderes petistas estão fazendo das manifestações é fruto não de confusão mental ou de transe religioso, mas sim de uma estratégia política rastaquera, cujo único objetivo é tentar sobreviver à ampla desmoralização do partido nas ruas e na história.
Não é difícil de acompanhar o raciocínio dos capas pretas do PT. O presidente do partido, Rui Falcão, disse que se “preocupou” com o fato de que “a oposição que fomentou esse ato tenha sido hostilizada em plena Avenida Paulista”. Isso o “preocupa”, ele disse, porque “em 1964 os golpistas que apoiaram os militares, esperando que, com a deposição do Jango (presidente João Goulart), pudessem assumir o poder, foram igualmente afastados e depois tivemos 21 anos de uma ditadura sanguinária”.
Traduzindo: para a voz oficial do PT, a oposição criou um clima propício para a mobilização popular na expectativa de usá-la para destruir o partido, derrubar a presidente Dilma, acabar com Lula e retomar o poder, mas acabou sendo vítima do próprio veneno. A comparação com 1964 é obviamente absurda, entre outras razões porque a destituição da presidente Dilma Rousseff – de resto uma exigência da maioria absoluta da população – só ocorrerá dentro do mais estrito respeito à lei. Foi exatamente o que aconteceu em 1992, quando milhares de brasileiros – petistas inclusive, com Lula à frente – foram às ruas para demandar o impeachment de Fernando Collor. Naquela época, nenhum petista se queixou de que se gestava um golpe como o de 1964.
Agora, no entanto, aos petistas só resta apostar no medo de um retrocesso democrático, ao sugerirem que os milhões de manifestantes do domingo não passam de representantes de uma elite golpista que não se conforma com os alardeados “avanços sociais” do lulopetismo. Mais do que isso: essa massa, adverte o PT, é uma criatura que se insurgirá contra seus criadores, desprezando a classe política e entregando o comando do País a algum aventureiro.
Foi esse cenário de pesadelo que outro líder petista, Tarso Genro, invocou para atacar as legítimas manifestações de domingo. No Twitter, Genro escreveu que “a velha ordem política terminou na Avenida Paulista, como na Marcha com Deus em 64” – referência à mobilização popular e de lideranças civis em São Paulo que antecedeu a instalação do regime de exceção.
A “velha ordem política”, de fato, está por um fio – especialmente porque muitos de seus próceres estão em sérios apuros legais depois de terem sido flagrados esbaldando-se no festim corrupto promovido pelo PT. Mas é claro que não foi a isso que Genro se referiu. Para ele, os protestos realizados Brasil afora são a negação da política, uma evidência de que “os partidos e a política foram feridos gravemente” – algo que, segundo Genro, pode ser comparado ao que aconteceu na Alemanha às vésperas da ascensão do nazismo.
Esse é o nível da impostura dos seguidores de Lula. Mas nada disso surpreende. Os petistas desde sempre menosprezam qualquer forma de expressão política que não tenha sido inspirada em sua doutrina, pois se consideram moralmente superiores e, portanto, os únicos capazes de interpretar e de atender aos interesses do povo. Eis a verdadeira negação da política.
17 de março de 2016
Editorial O Estadão
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