O dilema em que o país está é que os caminhos para fazer a vontade das ruas têm dois obstáculos: um vazio e um réu. Se a trilha para tirar a presidente Dilma Rousseff do governo for o impeachment pelo Congresso, o processo será comandado por um réu da Lava-Jato, operação que recebeu o mais amplo apoio popular a uma investigação. Se for pelo TSE, os processos só serão julgados em setembro, um tempo longo demais.
As ruas foram de uma eloquência inegável. Querem a saída constitucional da presidente da República e isso não é golpe. A retirada do chefe do governo é previsto no presidencialismo brasileiro e tem os dois caminhos que descrevi acima. Soluções que tentam contornar o impeachment via Congresso ou a condenação via Justiça não fazem sentido. Qualquer mudança da forma de governo, semipresidencialismo ou parlamentarismo, não pode valer para o mandato atual.
Sobre o parlamentarismo, seria um absurdo ainda maior por dois motivos, um político e outro lógico. Consultado duas vezes, na década de 1960 e na de 1980, o povo brasileiro rejeitou o parlamentarismo. Teria que ser ouvido novamente. E por lógico entende-se que dar mais poder a um Congresso com as duas Casas sendo presididas por pessoas às voltas com a Justiça é uma contradição. Não se viu nas ruas nenhum pedido de mudança de forma de governo, mas sim mudança do governo.
O foco da rejeição ficou absolutamente claro: é o PT, a presidente Dilma e o ex- presidente Lula. Contudo, o que houve em São Paulo deve acender a luz amarela no painel de todos os políticos porque o que as ruas estão dizendo é que, a exemplo de outros países do mundo, a população está cansada da forma tradicional de fazer política, que aqui inclui o troca-troca, o toma- lá- dá- cá, a distribuição de cargos como se fosse a instalação de sesmarias, benefícios a empresas que depois se tornam doadoras de campanha. Essa crise da representação precisa ser levada a sério pelos políticos porque os brasileiros não querem apenas a troca de um partido ou de uma pessoa, querem uma transformação estrutural.
Por isso o que foi aclamado nas manifestações de domingo foi a Lava-Jato e seus símbolos : a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o juiz Sérgio Moro. Quanto ao juiz, aumentando ainda mais seu percentual de acertos, soltou uma nota em que tirou o foco que estava posto sobre ele, em cartazes e refrões, para jogar luz sobre o trabalho coletivo de órgãos de controle. Apesar de ter sido alvo de ataques e críticas, como as do ex- presidente Lula, ele não aproveitou o momento para qualquer revanche pessoal. Preferiu pensar institucionalmente, o que é um conforto nestes tempos de hoje.
O movimento de domingo enfraquece a presidente ainda mais. Escrevi aqui, no dia 6, que o governo Dilma estava diante do seu fim antecipado. Nenhum governante permanece no poder se não tiver apoios nem popularidade. Depois de manifestações que foram as maiores do país fica ainda mais evidente que esta administração acabou. E isso é que nos coloca no dilema descrito acima: os caminhos da mudança têm no Congresso o obstáculo de o presidente da Câmara ser Eduardo Cunha, réu da Lava- Jato; o caminho do TSE tem o problema do tempo, porque só em setembro é que estão previstos os julgamentos.
Haveria a alternativa de o próprio governo se salvar da fogueira com mudanças na maneira de governar ou na política econômica. Não é crível que isso aconteça. Pelo contrário, na economia a possibilidade maior é de que qualquer alteração seja para piorar a política econômica. A inflação deve ter uma queda no índice de doze meses, mas isso não chega a ser um alívio porque os preços subirão menos, mas continuarão subindo de um patamar já muito elevado. A recessão e o desemprego não darão trégua tão cedo. A crise fiscal continua sendo uma ameaça para o crescimento da dívida pública. A confiança de empresários, investidores e consumidores não será restabelecida por este governo. A crise econômica é profunda, mas não foi ela que levou os brasileiros às ruas, e sim o forte e generalizado repúdio à corrupção. Não é a conjuntura que machuca mais, é a estrutura. Por isso o ato de domingo abre tantas possibilidades para o Brasil.
17 de março de 2016
Miriam Leitão, O Globo
As ruas foram de uma eloquência inegável. Querem a saída constitucional da presidente da República e isso não é golpe. A retirada do chefe do governo é previsto no presidencialismo brasileiro e tem os dois caminhos que descrevi acima. Soluções que tentam contornar o impeachment via Congresso ou a condenação via Justiça não fazem sentido. Qualquer mudança da forma de governo, semipresidencialismo ou parlamentarismo, não pode valer para o mandato atual.
Sobre o parlamentarismo, seria um absurdo ainda maior por dois motivos, um político e outro lógico. Consultado duas vezes, na década de 1960 e na de 1980, o povo brasileiro rejeitou o parlamentarismo. Teria que ser ouvido novamente. E por lógico entende-se que dar mais poder a um Congresso com as duas Casas sendo presididas por pessoas às voltas com a Justiça é uma contradição. Não se viu nas ruas nenhum pedido de mudança de forma de governo, mas sim mudança do governo.
O foco da rejeição ficou absolutamente claro: é o PT, a presidente Dilma e o ex- presidente Lula. Contudo, o que houve em São Paulo deve acender a luz amarela no painel de todos os políticos porque o que as ruas estão dizendo é que, a exemplo de outros países do mundo, a população está cansada da forma tradicional de fazer política, que aqui inclui o troca-troca, o toma- lá- dá- cá, a distribuição de cargos como se fosse a instalação de sesmarias, benefícios a empresas que depois se tornam doadoras de campanha. Essa crise da representação precisa ser levada a sério pelos políticos porque os brasileiros não querem apenas a troca de um partido ou de uma pessoa, querem uma transformação estrutural.
Por isso o que foi aclamado nas manifestações de domingo foi a Lava-Jato e seus símbolos : a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o juiz Sérgio Moro. Quanto ao juiz, aumentando ainda mais seu percentual de acertos, soltou uma nota em que tirou o foco que estava posto sobre ele, em cartazes e refrões, para jogar luz sobre o trabalho coletivo de órgãos de controle. Apesar de ter sido alvo de ataques e críticas, como as do ex- presidente Lula, ele não aproveitou o momento para qualquer revanche pessoal. Preferiu pensar institucionalmente, o que é um conforto nestes tempos de hoje.
O movimento de domingo enfraquece a presidente ainda mais. Escrevi aqui, no dia 6, que o governo Dilma estava diante do seu fim antecipado. Nenhum governante permanece no poder se não tiver apoios nem popularidade. Depois de manifestações que foram as maiores do país fica ainda mais evidente que esta administração acabou. E isso é que nos coloca no dilema descrito acima: os caminhos da mudança têm no Congresso o obstáculo de o presidente da Câmara ser Eduardo Cunha, réu da Lava- Jato; o caminho do TSE tem o problema do tempo, porque só em setembro é que estão previstos os julgamentos.
Haveria a alternativa de o próprio governo se salvar da fogueira com mudanças na maneira de governar ou na política econômica. Não é crível que isso aconteça. Pelo contrário, na economia a possibilidade maior é de que qualquer alteração seja para piorar a política econômica. A inflação deve ter uma queda no índice de doze meses, mas isso não chega a ser um alívio porque os preços subirão menos, mas continuarão subindo de um patamar já muito elevado. A recessão e o desemprego não darão trégua tão cedo. A crise fiscal continua sendo uma ameaça para o crescimento da dívida pública. A confiança de empresários, investidores e consumidores não será restabelecida por este governo. A crise econômica é profunda, mas não foi ela que levou os brasileiros às ruas, e sim o forte e generalizado repúdio à corrupção. Não é a conjuntura que machuca mais, é a estrutura. Por isso o ato de domingo abre tantas possibilidades para o Brasil.
17 de março de 2016
Miriam Leitão, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário