Estão brincando com água. O governo de São Paulo e o governo federal estão colocando em risco o país pelo calendário eleitoral. O perigo é de que haja um colapso técnico do sistema Cantareira antes que fique pronta a obra para usar o volume morto. Ameaças aumentam sobre o sistema de energia do país. Nenhum dos dois governos quer fazer o que precisa ser feito: racionamento.
Este ano houve uma seca anômala em algumas áreas e uma inundação também anormal em outras. Os cientistas não dirão que é efeito das mudanças climáticas, mas eles admitem que assim será daqui a alguns anos. O futuro nos visita como uma prévia do que será o desequilíbrio do clima. Será cada vez mais comum o anormal de 2014.
Choveu tão pouco em janeiro e fevereiro no Sudeste e Nordeste do Brasil, as temperaturas foram tão altas, que as chuvas de março vieram mas de nada adiantou. Normalmente, quando chegam as chuvas do terceiro mês do ano, elas elevam os reservatórios porque as do primeiro bimestre encharcam a terra. Em 2014, a água que caiu foi absorvida pela terra seca e porosa e não chegou aos reservatórios. Foi a explicação que eu ouvi de técnicos que acompanham aflitos a questão, vendo as autoridades protelando o que é urgente: reduzir o consumo.
Em São Paulo choveu muito em março, mas na área urbana. As águas não caíram do lado que abastece o sistema Cantareira. O governo paulista deu bônus para quem usa menor volume. É preciso racionar para evitar o cenário catastrófico de colapso do sistema que abastece a cidade de nove milhões de pessoas. Um dos técnicos que eu ouvi fala que esse perigo é real e tem alta probabilidade. Pela disputa eleitoral, nos dois governos - o estadual e o federal -, quem fala com sinceridade sobre os riscos pede o anonimato. Não é ano de ser sincero; é ano de empurrar com a barriga.
O risco de desabastecimento de energia é menor do que o do colapso de água em São Paulo, mas seu custo está aumentando. O governo federal acha que consegue evitar o pior este ano com as termelétricas. Só que elas não foram feitas para funcionar o tempo todo, estão usando combustível que pesa na nossa balança comercial a preço subsidiado. O governo Dilma deveria estar estabelecendo regras para a redução do consumo, porque quanto maior ele for agora, maior é o preço que será cobrado a partir do ano que vem dos consumidores.
Abril é mês ainda chuvoso, mas já é o fim. Depois, é o longo período natural de pouca chuva: maio, junho, julho, agosto, setembro. Só então as chuvas voltarão. Nesse meio tempo, São Paulo conta com uma solução arriscada que é a de usar o volume morto do Cantareira. A obra não é trivial.
Em qualquer reservatório, há uma parte da água onde ficam material biológico e sedimentos. As máquinas são instaladas acima desse nível chamado de volume morto. Agora, São Paulo vai instalar equipamentos e fazer obras para ser capaz de sugar líquido dessa parte da reserva.
O volume útil pode acabar antes que essa obra fique pronta. Ela está sendo feita a toque de caixa. O racionamento já deveria ter começado para evitar o colapso técnico. No sistema elétrico, houve incentivo ao consumo por razões eleitorais. O governo federal pensa em soluções rocambolescas para manter o artificialismo de preço. Mas nem tem conseguido pôr em prática o que decide. Ainda não saíram as regras para aquela medida maluca de a Câmara de Comercialização da Energia Elétrica se endividar para socorrer as distribuidoras. Não saíram atos, decretos, resoluções da Aneel para tornar realidade o pacote, que em si é um monstrengo para adiar o inevitável: encarar o problema.
Este ano houve uma seca anômala em algumas áreas e uma inundação também anormal em outras. Os cientistas não dirão que é efeito das mudanças climáticas, mas eles admitem que assim será daqui a alguns anos. O futuro nos visita como uma prévia do que será o desequilíbrio do clima. Será cada vez mais comum o anormal de 2014.
Choveu tão pouco em janeiro e fevereiro no Sudeste e Nordeste do Brasil, as temperaturas foram tão altas, que as chuvas de março vieram mas de nada adiantou. Normalmente, quando chegam as chuvas do terceiro mês do ano, elas elevam os reservatórios porque as do primeiro bimestre encharcam a terra. Em 2014, a água que caiu foi absorvida pela terra seca e porosa e não chegou aos reservatórios. Foi a explicação que eu ouvi de técnicos que acompanham aflitos a questão, vendo as autoridades protelando o que é urgente: reduzir o consumo.
Em São Paulo choveu muito em março, mas na área urbana. As águas não caíram do lado que abastece o sistema Cantareira. O governo paulista deu bônus para quem usa menor volume. É preciso racionar para evitar o cenário catastrófico de colapso do sistema que abastece a cidade de nove milhões de pessoas. Um dos técnicos que eu ouvi fala que esse perigo é real e tem alta probabilidade. Pela disputa eleitoral, nos dois governos - o estadual e o federal -, quem fala com sinceridade sobre os riscos pede o anonimato. Não é ano de ser sincero; é ano de empurrar com a barriga.
O risco de desabastecimento de energia é menor do que o do colapso de água em São Paulo, mas seu custo está aumentando. O governo federal acha que consegue evitar o pior este ano com as termelétricas. Só que elas não foram feitas para funcionar o tempo todo, estão usando combustível que pesa na nossa balança comercial a preço subsidiado. O governo Dilma deveria estar estabelecendo regras para a redução do consumo, porque quanto maior ele for agora, maior é o preço que será cobrado a partir do ano que vem dos consumidores.
Abril é mês ainda chuvoso, mas já é o fim. Depois, é o longo período natural de pouca chuva: maio, junho, julho, agosto, setembro. Só então as chuvas voltarão. Nesse meio tempo, São Paulo conta com uma solução arriscada que é a de usar o volume morto do Cantareira. A obra não é trivial.
Em qualquer reservatório, há uma parte da água onde ficam material biológico e sedimentos. As máquinas são instaladas acima desse nível chamado de volume morto. Agora, São Paulo vai instalar equipamentos e fazer obras para ser capaz de sugar líquido dessa parte da reserva.
O volume útil pode acabar antes que essa obra fique pronta. Ela está sendo feita a toque de caixa. O racionamento já deveria ter começado para evitar o colapso técnico. No sistema elétrico, houve incentivo ao consumo por razões eleitorais. O governo federal pensa em soluções rocambolescas para manter o artificialismo de preço. Mas nem tem conseguido pôr em prática o que decide. Ainda não saíram as regras para aquela medida maluca de a Câmara de Comercialização da Energia Elétrica se endividar para socorrer as distribuidoras. Não saíram atos, decretos, resoluções da Aneel para tornar realidade o pacote, que em si é um monstrengo para adiar o inevitável: encarar o problema.
02 de abril de 2014
Miriam Leitão, O Globo
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