O Itamaraty propôs a elaboração de um Livro Branco contendo, nas palavras do ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado, "princípios, prioridades e linhas de ação da política externa". Com vistas a oferecer subsídios a esse processo, organizou "uma série de eventos de diálogo entre governo, Congresso e sociedade civil".
No Brasil, não há tradição quanto à elaboração de documentos oficiais que reflitam as diferentes opiniões de segmentos da sociedade civil sobre temas específicos ou objetivos da política do governo com relação a tais temas. No Reino Unido, país onde tal tradição foi estabelecida originalmente, White Paper é um documento que detalha a política futura quanto a determinado tema e propõe legislação. Em tese, o White Paper faz uso de material produzido por Comissões Reais (Royal Commissions) e Green Papers, destinados a estimular o debate na sociedade civil. A iniciativa do Itamaraty está mais próxima à que caberia a uma Comissão Real, embora o esforço de captação do leque de opiniões da sociedade civil tenha sido menos ambicioso no Brasil. Talvez o esforço de consulta à sociedade civil devesse ter sido mais intenso e em prazo mais dilatado. Seja como for, a etapa crucial do processo é a agregação das opiniões da sociedade civil e sua transformação em recomendações de política, processo sob total controle do governo.
Embora as intenções do ministro sejam louváveis, o "timing" da iniciativa é um tanto peculiar. O que a justificaria, em pleno ano eleitoral, quase 12 anos depois da inflexão da política externa herdada do governo Cardoso? Talvez uma tardia tentativa de recuperação do espaço perdido para assessores presidenciais pelo Itamaraty na formulação da política externa? O Livro Branco conterá recomendações suprapartidárias de política externa? O assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais fez, no lançamento dos diálogos propostos pelo ministro Figueiredo, enfática defesa da tese de que o matiz ideológico do governo do dia deve se refletir na política externa adotada pelo País. O Livro Branco será compatível com essa posição?
Mais do que um Livro Branco ou Verde, a política externa brasileira necessita de um laudo de autópsia. A lista de revezes é considerável. E em quase todos os casos há indeléveis digitais da assessoria do Palácio do Planalto. O problema não é apenas quanto à ênfase ideológica. É também de clara insuficiência quanto à avaliação e análise.
Há episódios políticos custosos cujos danos são de avaliação difícil, embora afetem a imagem do País: frustrada mediação no Oriente Médio, rocambolescos episódios envolvendo políticos hondurenhos e bolivianos, promiscuidade nas relações com governantes desmoralizados nos países vizinhos.
Já em outros casos os prejuízos são tangíveis. A Refinaria Abreu e Lima foi projetada para refinar, em Pernambuco, óleo pesado da Venezuela e do Brasil. Teria participação de 40% da PDVSA como sócia da Petrobrás. Os custos do projeto aumentaram oito vezes desde 2005 e a PDVSA não foi capaz de oferecer nem os recursos nem as garantias necessárias para obter financiamento do BNDES de forma a cumprir suas obrigações. Ao mesmo tempo, setores empresariais brasileiros - empreiteiras e exportadores de produtos agrícolas -, inicialmente entusiasmados com as oportunidades de negócios abertas pelo chavismo, hoje amargam contas atrasadas.
O documento sobre estratégia de política externa útil para qualquer presidente que tome posse em 2015 deve dar maior peso aos objetivos nacionais permanentes e tratar de refletir de forma crítica as idiossincrasias do governo do dia. Deverá buscar o meio-termo entre a omissão - cômoda, porém fatal para a pretensão brasileira de maior visibilidade global - e o ativismo desprovido de meios cujo resultado sempre é a perda de face.
No Brasil, não há tradição quanto à elaboração de documentos oficiais que reflitam as diferentes opiniões de segmentos da sociedade civil sobre temas específicos ou objetivos da política do governo com relação a tais temas. No Reino Unido, país onde tal tradição foi estabelecida originalmente, White Paper é um documento que detalha a política futura quanto a determinado tema e propõe legislação. Em tese, o White Paper faz uso de material produzido por Comissões Reais (Royal Commissions) e Green Papers, destinados a estimular o debate na sociedade civil. A iniciativa do Itamaraty está mais próxima à que caberia a uma Comissão Real, embora o esforço de captação do leque de opiniões da sociedade civil tenha sido menos ambicioso no Brasil. Talvez o esforço de consulta à sociedade civil devesse ter sido mais intenso e em prazo mais dilatado. Seja como for, a etapa crucial do processo é a agregação das opiniões da sociedade civil e sua transformação em recomendações de política, processo sob total controle do governo.
Embora as intenções do ministro sejam louváveis, o "timing" da iniciativa é um tanto peculiar. O que a justificaria, em pleno ano eleitoral, quase 12 anos depois da inflexão da política externa herdada do governo Cardoso? Talvez uma tardia tentativa de recuperação do espaço perdido para assessores presidenciais pelo Itamaraty na formulação da política externa? O Livro Branco conterá recomendações suprapartidárias de política externa? O assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais fez, no lançamento dos diálogos propostos pelo ministro Figueiredo, enfática defesa da tese de que o matiz ideológico do governo do dia deve se refletir na política externa adotada pelo País. O Livro Branco será compatível com essa posição?
Mais do que um Livro Branco ou Verde, a política externa brasileira necessita de um laudo de autópsia. A lista de revezes é considerável. E em quase todos os casos há indeléveis digitais da assessoria do Palácio do Planalto. O problema não é apenas quanto à ênfase ideológica. É também de clara insuficiência quanto à avaliação e análise.
Há episódios políticos custosos cujos danos são de avaliação difícil, embora afetem a imagem do País: frustrada mediação no Oriente Médio, rocambolescos episódios envolvendo políticos hondurenhos e bolivianos, promiscuidade nas relações com governantes desmoralizados nos países vizinhos.
Já em outros casos os prejuízos são tangíveis. A Refinaria Abreu e Lima foi projetada para refinar, em Pernambuco, óleo pesado da Venezuela e do Brasil. Teria participação de 40% da PDVSA como sócia da Petrobrás. Os custos do projeto aumentaram oito vezes desde 2005 e a PDVSA não foi capaz de oferecer nem os recursos nem as garantias necessárias para obter financiamento do BNDES de forma a cumprir suas obrigações. Ao mesmo tempo, setores empresariais brasileiros - empreiteiras e exportadores de produtos agrícolas -, inicialmente entusiasmados com as oportunidades de negócios abertas pelo chavismo, hoje amargam contas atrasadas.
O documento sobre estratégia de política externa útil para qualquer presidente que tome posse em 2015 deve dar maior peso aos objetivos nacionais permanentes e tratar de refletir de forma crítica as idiossincrasias do governo do dia. Deverá buscar o meio-termo entre a omissão - cômoda, porém fatal para a pretensão brasileira de maior visibilidade global - e o ativismo desprovido de meios cujo resultado sempre é a perda de face.
02 de abril de 2014
Marcelo de Paiva Abreu, O Estado de S.Paulo
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