Existe aqui -- e deve existir em quase todo o mundo, em maior ou menor escala -- uma certa dificuldade para lidar com conceitos abstratos.
“Instituições”, por exemplo, por mais que devam ser consideradas uma realidade muito concreta, sem a qual a vida em comum se torna inviável, acabam sendo tratadas como um conceito vago, etéreo e difícil de ser compreendido em sua profundidade.
Ninguém nunca viu uma “instituição” ao vivo ou tirou uma fotografia para o instagram ao lado dela. Nenhuma “instituição” faz parte do álbum de família que as pessoas guardam para a posteridade.
Exemplo: o código visual pelo qual a maioria das pessoas identifica a instituição “Judiciário” é um homem de capa preta esvoaçante, e geralmente se faz representar por uma figura de carne e osso, que tem nome e sobrenome, e desperta ódios ou paixões de acordo com as decisões que toma e os votos que profere, e da maior ou menor afinidade que as pessoas têm com esses votos ou com suas decisões, frases, conceitos e comportamento.
Por isso, a maioria das pessoas –- até mesmo no jornalismo -- que comentou o gesto do petista vice-presidente da Câmara na sessão solene de abertura do ano legislativo,erguendo os punhos como fizeram seus heróis condenados ao se apresentarem para cumprir a sua pena, fulanizou: Vargas afrontou Joaquim Barbosa.
Na verdade, essa simplificação é um deslizamento de sentido. É a diluição semântica de um gesto que está longe de ser a ofensa de um indivíduo contra um outro do qual ele não gosta. Não é uma birra pessoal, nem sequer uma rixa ideológica.
Joaquim Barbosa e André Vargas.
Foto: Laycer Tomaz / Câmara dos Deputados
Tratar isso como simples falta de educação ou falta de civilidade é baratear demais o simbolismo do gesto. Um deputado mal educado a mais ou a menos não faz a menor diferença no conjunto da obra.
Mas o gesto transcende a mera grosseria, embora a maioria da imprensa a tenha tratado como tal. Foi uma agressão institucional de um poder contra o outro de uma forma raramente vista em períodos de vigência do estado democrático de direito.
Esperar algum tipo de refinamento do autor do gesto seria, talvez, pedir um pouco demais. Não se espera de Darinta um lançamento de Ademir da Guia.
Mas talvez não fosse esperar demais que um político, ocasionalmente investido do papel institucional de vice-presidente da Mesa, numa sessão simbólica solene e tradicional, onde a cortesia não é apenas um gesto social mas quase um requisito constitucional, evitasse uma provocação tão grave.
Foi uma agressão da instituição do Poder Legislativo contra a instituição do Poder Judiciário. Mas parodiando o sambista, a cor das instituições não sai no jornal. Ficou gravado na história como um passa-moleque de um homem tosco que escreve leis contra um outro que julga as leis e condena os que se consideram amigos do Rei e, como tal, inimputáveis.
Não foi um ato individual. Foi uma deliberada ofensa institucional. Um pontapé de um poder em outro poder.
07 de fevereiro de 2014
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”.
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