Joaquim Barbosa tem um segredo. O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, depois de 41 anos no serviço público, foi advogar.
Em 2014, virou parecerista. Um parecer é um documento que serve para robustecer determinada tese defendida por advogado de uma causa. O parecerista não vai aos tribunais. Seu trabalho torna vistosa uma petição, impressiona o julgador.
Em 2014, virou parecerista. Um parecer é um documento que serve para robustecer determinada tese defendida por advogado de uma causa. O parecerista não vai aos tribunais. Seu trabalho torna vistosa uma petição, impressiona o julgador.
No mercado de pareceristas, o topo da cadeia alimentar é ocupado pelos ministros aposentados do STF. São grife na veia. E cada parecer costuma sair por R$ 300 mil – isso, por baixo. Barbosa, que desistiu de ser candidato à Presidência, é um parecerista bem-sucedido.
FATOR FINANCEIRO – Nos bastidores, ele apontou como motivos adicionais para sua saída da corrida eleitoral a manutenção financeira de oito parentes e o temor de uma devassa em sua vida. Joaquim é um homem íntegro, insuspeito. Não tem o que temer. Advogados não se confundem com seus clientes. Mas entre eles se forma um liame comercial, contratual. Personificação interrompida do que seria o novo na política, Barbosa faz questão de manter essa relação negocial à certa sombra.
Como ministro aposentado (o cargo é vitalício), Barbosa carrega a autoridade do posto já ocupado por onde passa. Seus negócios privados atraem uma atenção legítima. E mais. O próprio ministro reuniu em livro uma seleção de pareceres que indica uma trilha a ser percorrida por todo aquele que queira descobrir com quem o ministro se relacionou comercialmente desde que saiu do STF.
No livro “Pareceres Jurídicos –Direito Penal, Direito Regulatório, Direito Tributário, Responsabilidade Civil”, editado pela Almedina em 2017, há transcrição de seis pareceres em favor de grandes clientes privados.
São nove no total, mas Barbosa redigiu também documentos “pro bono” (expressão latina que significa “para o bem”, gratuitos).
São nove no total, mas Barbosa redigiu também documentos “pro bono” (expressão latina que significa “para o bem”, gratuitos).
ALVOS DA POLÍCIA – A lista de clientes de Barbosa inclui alvos da Polícia Federal, presidente de refinaria, operadores de portos. Não poderia ser diferente – só procura advogado quem precisa defender sua inocência contra eventuais abusos do Estado. Ex-integrante do Ministério Público Federal e ministro do Supremo, Barbosa sabe bem quando o Estado cruza a “red line” em desfavor do cidadão.
Mas há algo intrigante no tratamento que Barbosa dispensa no livro a seus clientes. Deliberadamente, ele omite dados que permitiriam identificar mais facilmente os processos e casos. Pode ser uma gentileza do autor, um desejo de preservar identidades que se encontram, até injustamente, diante da Justiça. Talvez uma obrigação contratual que o impeça.
Mas, na maior parte, são casos públicos, com as partes identificadas nos tribunais. Ou seja, o segredo sobre as empresas e empresários que contrataram direta ou indiretamente o ministro aposentado só existe para os leitores de Joaquim Barbosa.
CASO MANGUINHOS – Por exemplo, ao redigir um parecer em favor do empresário Jorge Luiz Cruz Monteiro, presidente da Refinaria Manguinhos, que fora denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por suposta fraude em informações apresentadas à Receita Estadual sobre ICMS, Barbosa assim apresenta o caso: “O ilustre advogado C.O solicita-me a elaboração de parecer sobre a atual situação jurídica do Sr. JLCM (qualificação), considerando-se a denúncia oferecida nos autos XXXX, em tramitação na XX Vara Criminal da Comarca da Capital do Rio de Janeiro”. Não há no livro nenhuma menção à refinaria, a seu presidente, ao nome por extenso, que só uma apuração em tribunais e com advogados permitiu conhecer.
Em outro caso, o ministro aposentado assim inicia seu documento: “A Associação XXXX, por intermédio de seu presidente, Sr. A.S,. honra-me com esta consulta acerca da obrigatoriedade de outorga de autorização para empresas estrangeiras de navegação prestarem serviços de transporte de mercadorias na navegação de longo curso brasileira”. Nesse caso, é apenas uma consulta, algo para subsidiar o litígio entre a Associação do Usuário de Portos do Rio de Janeiro e a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), chamada por Barbosa de “Agência XX”.
FRAUDES TRIBUTÁRIAS – Em mais um parecer, o ministro, desta vez acionado diretamente por um empresário que chegou a ser detido durante uma operação da PF que mirou fraudes tributárias, assim descreve o caso, abusando mais uma vez dos “X”: “O senhor NFP” realiza consulta sobre o “Acórdão XXXXXXXXXX, na sessão de XXXXX”… “sendo que consulta veio acompanhada dos seguintes documentos: cópias dos autos da (a) Ação de Execução Fiscal XXXXXX, cópia da Medida Cautelar Fiscal XXXXXX e cópia do PAF XXXXXX”. Em apenas um período do livro, com cinco linhas, Barbosa substituiu os números originais – e públicos, pois são acórdãos publicados pelo Conselho de Contribuintes, órgão do Ministério da Fazenda – por 33 “X”.
Apontado até sua renúncia como a incógnita da eleição, Barbosa evitou falar nesse período sobre suas ideias, seus projetos para o país. Lendo-o, descobre-se que o ministro aposentado guarda mais segredos, que sua candidatura era um grande X.
11 de maio de 2018
Luiz Weber
Folha
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