"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 4 de abril de 2017

SE O NEOLIBERALISMO PERSISTIR, A GLOBALIZAÇÃO NÃO SE SUSTENTA, DIZ PAUL MASON


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Charge do Millôr, reprodução do Google
Em seu livro “Pós-capitalismo”, da Companhia das Letras, o jornalista britânico Paul Mason diz que o regime enfrenta sua maior crise, com dificuldade de se adaptar à tecnologia da informação. Ele argumenta que essas crises estão levando sociedades desenvolvidas a verem a globalização como um mal e se voltarem para o mesmo nacionalismo dos anos 1930, que desembocou na II Guerra Mundial. Mason afirma que o século XXI pode se resumir a uma disputa: teremos uma economia de rede controlada pela população ou controlada por algumas poucas empresas, como GM, Ford, Nissan, GE, Google e Facebook.
A economia da tecnologia da informação, com empresas criadas a partir da ideia de compartilhamento, pode mudar esse cenário?Empresas como Uber e Airbnb não são empresas de compartilhamento. Elas criam um monopólio sobre trocas pessoais. Empresas de compartilhamento verdadeiras, que não visam ao lucro, as peer to peer, P2P (pessoa a pessoa), que funcionam mais fora do mercado, é que são o futuro de uma grande fatia da economia do fim do século XXI. Uber e Airbnb, e até grandes montadoras, estão usando a economia de compartilhamento a favor delas.
E a automação?A tecnologia da informação reduz a capacidade do capitalismo de se adaptar. A causa disso não é apenas a automação que elimina empregos mais rapidamente do que conseguimos criá-los. Mas a capacidade da nova tecnologia de derrubar os preços. Estão caindo exponencialmente os preços de objetos reais e os custos de produção. Este não é um processo que ocorre em pequenos passos; ele se dá em saltos imensos. Para sairmos da crise, precisamos de novas formas de organização social, de novas tecnologias. Parte do dinheiro que vai para as empresas do Vale do Silício, por meio das grandes montadoras, é um obstáculo à criação. O dinheiro só vem sendo direcionado para soluções privadas. Em Barcelona, essa disputa já pode ser observada. O governo decidiu que iria assumir o controle da rede de dados públicos da cidade. O século XXI pode se resumir a essa disputa: teremos uma economia de rede controlada pela população ou controlada por algumas poucas empresas, como GM, Ford, Nissan, GE, Google e Facebook.
Mas as pessoas não se preocupam mais com o resultado?As pessoas compartilham seus dados em Google e Facebook porque obtêm serviços de graça, ou muito baratos. Ninguém paga por e-mail, ou planilhas e editores de texto. Para continuar a ganhar dinheiro, elas têm de avançar em outras partes da economia, como o sistema de saúde. Na Grã-Bretanha, a Google já começou, e coloco isso entre aspas, uma “parceria” com um grande hospital, para cuidar dos dados dos pacientes. Em algum momento, a Google quer ser uma empresa de saúde. Na Grã-Bretanha, não temos empresas de saúde porque o sistema é público. E esse é o ponto. Em algum momento, teremos de decidir se queremos pôr nossos dados de saúde nas mãos da Google ou administrá-los nós mesmos, sem fins lucrativos.
Em um mundo pós-capitalista, poderia haver risco para a inovação?Consideremos empresas como Google, Facebook e Amazon. Elas meio que destroem o ecossistema de pequenas empresas onde ocorria a inovação. Em um mundo pós-capitalista, vamos defender o verdadeiro setor privado, dos pequenos inovadores, contra essas grandes empresas de tecnologia.
Você diz que “ser muito rico é difícil” e que os 99% irão ao resgate do 1%. Mas será que o 1% quer ser salvo? Ter menos dinheiro?Quando o Brexit aconteceu, começaram a ocorrer incidentes racistas por todo o país. Pela primeira vez, pessoas de classe média alta, com origem de Índia, Paquistão, Oriente Médio, ou talvez do Sul da Europa, só porque têm uma aparência diferente, sentiram-se afetadas. Médicos, advogados, professores de repente perceberam isso. Sabemos, também pelos anos 1930, que, quando nacionalismo, racismo e xenofobia tomam conta, não importa se você é rico. Se você for da cor ou da religião errada, torna-se a vítima. Temos discutido duas opções de futuro: a do neoliberalismo e a da minha proposta, que é a do pós-capitalismo, baseada em justiça social e preocupação ambiental. Mas esses dois projetos estão ameaçados, por uma tentativa de nos levar de volta para o passado, na direção do racismo e da xenofobia. Companhias como o Goldman Sachs têm de decidir se querem um mundo multilateral, regido pela democracia, com acordos globais, ou um mundo comandado por cleptocratas. Acredito que imensa parte delas quer um mundo decente.
Seu livro é de antes do Brexit e de Donald Trump. O que mudou?No livro, afirmo que, a não ser que rompamos com o neoliberalismo, a globalização não vai se sustentar. Isso já começou a acontecer. A meu ver, Brexit e Trump são exemplos de como sociedades desenvolvidas, com uma população que não pode mais lidar com as consequências de um modelo econômico fracassado, deixaram esse modelo se corroer. A ideologia se aproveita de um vácuo. A direita emerge e começa a indicar soluções econômicas nacionalistas.

04 de abril de 2017
Cláudia dos Santos
O Globo

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