Quem conviveu com ele no Sindicato dos Metalúrgicos, nos duros anos do regime militar, o acompanhou em memoráveis assembleias de Vila Euclides, participou de intermináveis negociações com os empresários do Grupo 14, passou pelas intervenções do Ministério do Trabalho em 1979 e 1980, não poderá lhe negar aguda inteligência, sensibilidade social à flor da pele, espírito de luta, resistência nas adversidades, capacidade única de converter derrotas em vitórias. Sentia, como os grandes políticos, "o cheiro do vento".
Lula foi o antipelego. Ao assumir a presidência do Sindicato, em 21 de abril de 1975, como sucessor de Paulo Vidal Neto, o cenário trabalhista era dominado por Ary Campista, Argeu Egydio dos Santos, Joaquim dos Santos Andrade. O primeiro presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNI), o segundo presidente da Federação dos Trabalhadores dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, o terceiro, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Lula apareceu como ameaça real ao peleguismo, por não prestar vassalagem aos dois primeiros, e disputar com Joaquinzão a liderança do sindicalismo paulista.
Defensor da reforma trabalhista, e declarado adversário do Imposto Sindical, Lula passou a ser encarado pelos empresários da Fiesp como algo moderno e merecedor de atenção. Atraiu olhares de jornalistas, professores universitários, estudantes, religiosos, donas de casa. Em poucos meses, ele se converteu em líder capaz de dominar centenas de ouvintes em palestras realizadas nas principais capitais do país. Recordo-me, por exemplo, do encontro com artistas e a juventude carioca no Teatro Casa Grande, convidado que fora para expor seu pensamento quase revolucionário. A linguagem do metalúrgico era rude, mas convincente. Logo se tornou companheiro de Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Teotônio Villela, Tancredo Neves, Miguel Arraes, Pedro Simon, na campanha pelas eleições diretas.
Não se lhe pode ignorar o relevante papel desempenhado na redemocratização. Pela primeira vez, após o golpe de 1964, a classe operária voltava às ruas como protagonista da vida pública. Algo, porém, sucederia ao se converter de oposição agressiva, incansável, aguerrida (que conheci quando secretário do Trabalho do governo Montoro e ministro do Trabalho do governo Sarney), em presidente da República.
Imagino que se deixou seduzir pela ambição. O que lhe sobrava em esperteza lhe faltava em modéstia, cultura, experiência, para entender Brasília e compreender que seus limitados recursos não bastavam para protegê-lo das armadilhas política. A lua de mel com a economia, artificialmente inflada pelo consumismo desenfreado, durou 12 longos anos. As contas chegaram ao segundo mandato de sua preferida, a presidente Dilma Rousseff, e o saldo devedor é assustadoramente negativo.
Milhares de empresas fecharam as portas. Tradicionais indústrias e incontáveis negócios encerraram as atividades, A Petrobras está em cacos. Grandes empreiteiras se encontram em recuperação judicial ou falidas. Mais de 10 milhões estão desempregados, sem dinheiro e endividados.
Como será o próximo semestre? É a pergunta que todos fazem e ninguém se arrisca a responder. Lula, Dilma e o PT não podem se eximir das responsabilidades pelo fracasso. Será ridículo e inútil tentar atribuir culpa aos adversários. Se lhes resta algum patriotismo e dignidade deverão ensarilhar armas e ajudar na recuperação da economia, sem atitudes temerárias e revanchistas. Nesta quadra terrível, apenas a união de todos, em favor do Brasil, poderá nos salvar.
21 de abril de 2016
Almir Pazzianotto Pinto, Correio Braziliense
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