Meio-termo é sinônimo de comedimento, moderação, sobriedade. Meio-termo é o oposto da falta de moderação, do exagero, da estridência. O sumiço do meio-termo, no Brasil, é dramático, embora – trocadilho irresistível – caminhemos para instaurar em breve um presidente de meio-termo no País.
O desaparecimento do meio-termo contamina tudo. Do português empolado dos ministros do Supremo Tribunal Federal ao português empalado dos deputados da Câmara, boca atravessada por lança que perfura concordâncias e plurais. Do estado crítico da situação política à falência múltipla de órgãos na economia. Da presidente estridente que luta para permanecer no cargo bradando traição e injustiça aos seus supostos opositores que clamam por novas eleições em meio ao caos instalado no Brasil. Dos brados favoráveis ao impeachment aos gritos de “não vai ter golpe”. País marcado por tais extremismos torna-se, fatalmente, incognoscível, difícil de conhecer e mapear.
A incognoscibilidade é nossa marca atual, talvez por isso tenha sido palavra tão amplamente utilizada pelos Ministros do STF no julgamento das ações e liminares para procrastinar, ou mesmo expungir, a votação do último domingo. Em tempo: expungir e eliminar são sinônimos, mas os ministros preferem termo mais próximo do latim expungere.
A incognoscibilidade daquilo que nos espera na economia deveria suscitar a sobriedade e a moderação de nossos governantes, aqueles que são, ao mesmo tempo, quase-sim e quase-não. Cautela e canja de galinha, como reza o dito popular. Nem uma coisa, nem outra é o que provavelmente veremos nas próximas semanas, quiçá meses, enquanto o processo de impeachment não se der por encerrado. Portanto, está o País em situação pírrica: todos dançam armados, mas não há vitoriosos. Caso o impeachment da presidente não tivesse sido aprovado pela Câmara, a economia haveria de caminhar rapidamente para o caos, como afirmei em entrevista recente para este jornal. Contudo, tendo a iniciação do processo sido autorizada, a economia permanece refém das incertezas. Assim será mesmo que o Senado decida, pelo bem do País, não deixá-lo à deriva durante três semanas, conduzindo a votação pela admissibilidade do processo o mais rapidamente possível de acordo com os ritos estabelecidos.
O grande desafio para a economia é que a demolição perpetrada por Dilma Rousseff e sua equipe não permite meios-termos. Não há o que se possa fazer de forma rápida e relativamente indolor para reconstruir o caminho do crescimento e da retomada do emprego. Há consenso entre a maioria dos economistas, sobretudo entre os que escrevem regularmente para este jornal, de que os problemas fiscais do Brasil são de natureza estrutural, ou seja, é preciso consertar o hardware das contas públicas, não apenas atualizar o software. A lista do que é necessário é conhecida: trata-se de desvincular receitas e despesas para tornar o orçamento mais flexível e de execução mais fácil; de eliminar regras de indexação de despesas que, hoje, permitem que os gastos continuem a aumentar ainda que a economia esteja em recessão e não seja capaz de gerar as receitas para cobri-los; de reconstruir as bases da Lei de Responsabilidade Fiscal, adotando, inclusive, limites para o endividamento público que cerceiem a farra do crédito público, legado dos governos Lula 2 e Dilma 1 e 1,5. O crédito público desmesurado e subsidiado é forte elo de ligação entre a desordem fiscal e a bagunça monetária, desarranjos estes que impedem a retomada do investimento.
Já escrevi neste e em outros espaços, mas não custa repetir: sem que haja profunda reforma dos objetivos e fundamentos das instituições financeiras públicas, o que se pretenderia alcançar com uma reforma fiscal e monetária teria efeitos apenas limitados. Como encontrar o meio-termo na condução da política econômica que permita enfrentar tamanhos desafios? Eis a grande questão.
Pelo bem do Brasil, pela restauração do crescimento e do emprego, pela queda da inflação, pelo aprimoramento da educação, pelo bom uso da língua portuguesa, voto “sim” pela reabilitação do meio-termo.
21 de abril de 2016
Monica de Bolle
Economista, pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University. Estadão
O desaparecimento do meio-termo contamina tudo. Do português empolado dos ministros do Supremo Tribunal Federal ao português empalado dos deputados da Câmara, boca atravessada por lança que perfura concordâncias e plurais. Do estado crítico da situação política à falência múltipla de órgãos na economia. Da presidente estridente que luta para permanecer no cargo bradando traição e injustiça aos seus supostos opositores que clamam por novas eleições em meio ao caos instalado no Brasil. Dos brados favoráveis ao impeachment aos gritos de “não vai ter golpe”. País marcado por tais extremismos torna-se, fatalmente, incognoscível, difícil de conhecer e mapear.
A incognoscibilidade é nossa marca atual, talvez por isso tenha sido palavra tão amplamente utilizada pelos Ministros do STF no julgamento das ações e liminares para procrastinar, ou mesmo expungir, a votação do último domingo. Em tempo: expungir e eliminar são sinônimos, mas os ministros preferem termo mais próximo do latim expungere.
A incognoscibilidade daquilo que nos espera na economia deveria suscitar a sobriedade e a moderação de nossos governantes, aqueles que são, ao mesmo tempo, quase-sim e quase-não. Cautela e canja de galinha, como reza o dito popular. Nem uma coisa, nem outra é o que provavelmente veremos nas próximas semanas, quiçá meses, enquanto o processo de impeachment não se der por encerrado. Portanto, está o País em situação pírrica: todos dançam armados, mas não há vitoriosos. Caso o impeachment da presidente não tivesse sido aprovado pela Câmara, a economia haveria de caminhar rapidamente para o caos, como afirmei em entrevista recente para este jornal. Contudo, tendo a iniciação do processo sido autorizada, a economia permanece refém das incertezas. Assim será mesmo que o Senado decida, pelo bem do País, não deixá-lo à deriva durante três semanas, conduzindo a votação pela admissibilidade do processo o mais rapidamente possível de acordo com os ritos estabelecidos.
O grande desafio para a economia é que a demolição perpetrada por Dilma Rousseff e sua equipe não permite meios-termos. Não há o que se possa fazer de forma rápida e relativamente indolor para reconstruir o caminho do crescimento e da retomada do emprego. Há consenso entre a maioria dos economistas, sobretudo entre os que escrevem regularmente para este jornal, de que os problemas fiscais do Brasil são de natureza estrutural, ou seja, é preciso consertar o hardware das contas públicas, não apenas atualizar o software. A lista do que é necessário é conhecida: trata-se de desvincular receitas e despesas para tornar o orçamento mais flexível e de execução mais fácil; de eliminar regras de indexação de despesas que, hoje, permitem que os gastos continuem a aumentar ainda que a economia esteja em recessão e não seja capaz de gerar as receitas para cobri-los; de reconstruir as bases da Lei de Responsabilidade Fiscal, adotando, inclusive, limites para o endividamento público que cerceiem a farra do crédito público, legado dos governos Lula 2 e Dilma 1 e 1,5. O crédito público desmesurado e subsidiado é forte elo de ligação entre a desordem fiscal e a bagunça monetária, desarranjos estes que impedem a retomada do investimento.
Já escrevi neste e em outros espaços, mas não custa repetir: sem que haja profunda reforma dos objetivos e fundamentos das instituições financeiras públicas, o que se pretenderia alcançar com uma reforma fiscal e monetária teria efeitos apenas limitados. Como encontrar o meio-termo na condução da política econômica que permita enfrentar tamanhos desafios? Eis a grande questão.
Pelo bem do Brasil, pela restauração do crescimento e do emprego, pela queda da inflação, pelo aprimoramento da educação, pelo bom uso da língua portuguesa, voto “sim” pela reabilitação do meio-termo.
21 de abril de 2016
Monica de Bolle
Economista, pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University. Estadão
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