Se a presidente Dilma Rousseff realmente levar adiante a ameaça de aproveitar uma reunião de líderes mundiais amanhã na sede da ONU para dizer-se vítima de “golpe”, que é como ela e os petistas chamam o processo constitucional de sua destituição, protagonizará o maior vexame que um chefe de Estado brasileiro terá dado no exterior em toda a história do País.
Como se não bastasse o constrangedor escarcéu criado pelo marketing embusteiro do PT a respeito da alegada ilegalidade do impedimento de Dilma – tese sustentada mesmo diante do fato cristalino de que o processo está seguindo rigorosamente o que manda a Constituição, sob as bênçãos de um Supremo Tribunal Federal constituído majoritariamente por ministros indicados por presidentes petistas –, agora a presidente pretende “exportar” a tese segundo a qual forças malignas se articularam para atraiçoá-la e afastá-la do cargo.
A oportunidade para isso, segundo informam os auxiliares da presidente, será a cerimônia de assinatura do Acordo de Paris sobre Mudança do Clima. Ou seja, Dilma está disposta a reduzir uma solenidade de tamanha importância histórica, em que chefes de Estado de todo o mundo firmarão o compromisso com o combate à mudança climática, a um reles palanque para seu esperneio. Dilma poderia encerrar sua carreira política de maneira menos desonrosa, sem expor o Brasil a tal opróbrio.
O esforço para que a versão a respeito do “golpe” seja levada a sério por governos e pela opinião pública de outros países faz parte de uma tentativa espúria de fazer equivaler o processo de impeachment contra Dilma às práticas do regime de exceção instalado em 1964. Naquela época, a resistência à ditadura alimentou a opinião pública internacional com informações sobre a tortura e a censura no País, do que resultou uma crescente pressão de governos importantes, como o dos Estados Unidos, contra o regime militar. Fiel à delirante imaginação petista, é esse tipo de reação que Dilma espera conseguir agora, embora os brasileiros gozem de todas as liberdades e direitos democráticos.
Os tempos, evidentemente, são outros e, embora se possa fazer ressalvas à qualidade das instituições, o fato é que vige no Brasil a plena democracia, que permite inclusive que Dilma e seus truculentos apoiadores pronunciem as asneiras que bem entenderem. Portanto, não surpreende que nenhum governo estrangeiro de respeito tenha, até agora, dado ouvidos às ridículas denúncias dos petistas. Restou, para consolo da tigrada, o apoio do gerontocrata de Cuba, Raúl Castro, e de Nicolás Maduro, o arremedo de caudilho que arruinou a Venezuela.
Mesmo assim, Dilma não esmorece em sua campanha para envergonhar o Brasil. Sempre que pode, concede entrevistas a correspondentes estrangeiros, na esperança de fazê-los acreditar que há uma conspiração em curso no País. Na última dessas entrevistas, Dilma atribuiu a crise atual a um “processo de desestabilização” orquestrado pela “oposição derrotada” e disse que há no Brasil um “veio golpista adormecido”. Segundo ela, “o impeachment sistematicamente se tornou instrumento contra presidentes eleitos” desde Getúlio Vargas.
Com isso, Dilma comete o despautério de dizer que o impeachment é necessariamente um instrumento golpista, embora tenha previsão constitucional. Ademais, se o recurso ao impeachment de um presidente é “golpe”, como sugere Dilma, então o PT, que defendeu o afastamento de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, é a vanguarda do golpismo nacional.
Enquanto Dilma enxovalha o Brasil lá fora, aqui dentro o PT, fiel a seu espírito autoritário, trata de reafirmar sua disposição de derrubar um eventual governo de Michel Temer. O presidente do partido, Rui Falcão, avisou que o PT “não vai permitir” que Temer governe. “É muito mais do que oposição parlamentar só. É dizer para a população que, com um governo ilegítimo, não tem paz, não tem tranquilidade, tem luta”.
Trata-se de uma anunciada tentativa de golpe contra o sucessor constitucional de Dilma, caso esta venha a ser impedida. Isso, sim, deve ser denunciado mundo afora.
21 de abril de 2016
Editorial O Estadão
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