"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

UM TSUNAMI ÀS AVESSAS

Foi só cair um pouco de chuva neste verão escaldante do Sudeste e do Centro-Oeste para o Planalto e o governo paulista adiarem medidas mais efetivas a fim de enfrentar as atuais e gravíssimas crises energética e hídrica do país. São crises gêmeas, debitadas na conta de São Pedro e que resultaram de série de erros de planejamento, de adiamentos de providências e, sobretudo, de informações sonegadas ao público em virtude do calendário eleitoral.

O ano começou sob o espectro do racionamento de água e de eletricidade, acompanhado da escalada nos preços das tarifas graças a custos represados e endividamentos de concessionárias. Mas as autoridades ainda preferem apostar tudo na sorte, postergando a solução racional e mais barata. Apresentar à população, com responsabilidade e em detalhes, o real quadro de dificuldades e pedir a colaboração de todos para atravessar um período transitório de sacrifícios, enquanto se buscam alternativas duradouras, seria o mínimo que os governantes poderiam fazer.

Sem a economia voluntária e consciente do cidadão, só restará aos governantes determinar cortes obrigatórios do fornecimento de serviços essenciais e reajustes ainda mais salgados nas tarifas. A escassez impõe diálogo franco do Executivo com a população, uma negociação com os demais Poderes e a mediação de conflitos entre as unidades da Federação decorrentes deste processo. Mas o que tem se visto ainda é a escaramuça, o retardo e o eufemismo. Racionamento se tornou um palavrão para governos, mesmo após os prejuízos políticos da má gestão do estresse hidrelétrico e nas companhias de saneamento já terem batido forte nas pesquisas de opinião.

A postura oficial de tentar mascarar a realidade alcançou até o Ministério da Agricultura, setor também diretamente atingido pelas longas estiagens. A titular da pasta tratou de fazer coro ao discurso contemporizador do colega de Minas e Energia e descartou impactos na produção e nos preços agrícolas em razão da secura. "Estamos vivendo uma catástrofe no campo, um tsunami às avessas", rebateu o ex-ministro da pasta Roberto Rodrigues, ao Correio.

A presidente Dilma Rousseff, que tem o setor energético como marca pessoal de sua trajetória política, está disposta a negar até o último minuto a necessidade de repactuar o consumo de água e eletricidade no país ou mesmo preparar o terreno para cortes planejados do abastecimento. As chuvas de fevereiro empurraram a decisão do Planalto de esticar o horário de verão por mais um mês e a do Palácio dos Bandeirantes de iniciar o rodízio na Grande São Paulo. Em paralelo, circulam nas redes sociais piadas em torno do sofrimento dos que não têm recursos hídrico e elétrico permanentemente à disposição.

Os apagões deixaram milhões de brasileiros no escuro mês passado e técnicos do Ministério de Minas e Energia já propuseram até o uso excepcional de geradores de shopping centers no horário de maior demanda, puxada pelos equipamentos de ar-condicionado. Mas o alívio esperado para o sistema nacional parece estar dependente da combinação de melhoras inferiores a 1% nos níveis de represas e a reajustes de tarifas acima de dois dígitos. Com isso, o setor elétrico é o único para o qual expectativas de recessão e de piora histórica da atividade industrial soam como notícia boa.


14 de fevereiro de 2015
Editorial Correio Braziliense

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