Sebastião Nery, no livro Ninguém me contou, eu vi (de Getúlio a Dilma), relata como nasceu o mensalão: "Tarde de sábado no Restaurante Piantella, o melhor de Brasília. Lula havia ganhado a eleição presidencial de 2002 contra o tucano José Serra e estava em Porto Alegre, com José Dirceu e a cúpula do PT, discutindo com o PT gaúcho a formação do novo governo. Um grupo de jornalistas estava a um canto, almoçando e conversando sobre o país, eu junto.
De repente, entram nervosos, aflitos, os deputados Moreira Franco, Gedel Vieira Lima, Henrique Alves, da direção nacional do PMDB, começam a discutir baixinho, quase cochichando. Em poucos instantes, chega o deputado Michel Temer, presidente nacional do PMDB. Nem almoçaram. Beberam pouca coisa, deram telefonemas, saíram rápido.
Nada falaram. Acontecera alguma coisa grave. Voltariam logo.
Um deles voltou e contou a bomba política do fim de semana. Antes de viajar para o Rio Grande do Sul, Lula encarregara José Dirceu, coordenador da equipe de transição e já convidado para ser chefe da Casa Civil, de negociar com o PMDB o apoio a seu governo, em troca dos ministérios de Minas e Energia, Justiça e Previdência, que seriam entregues a senadores e deputados indicados pelo partido.
Lula já havia dito ao PT que eles não podiam esquecer a lição da derrubada de Collor pelo impeachment, que o senador Amir Lando, do PMDB de Rondônia, relator da CPI de PC Farias, havia definido como uma quartelada parlamentar. No Brasil, para governar, era preciso ter sempre maioria no Congresso. O PT tinha que fazer as concessões necessárias.
O primeiro a ser chamado era o PMDB, o maior partido da Câmara e do Senado. Lula mandou José Dirceu acertar com o PMDB, combinaram três ministérios e ficaram todos felizes. Em Porto Alegre, na primeira noite, Lula encontrou a gula voraz do PT gaúcho, que exigia os ministérios de Minas e Energia, da Justiça e da Previdência.
Lula cedeu. Chamou Dirceu e deu ordem para desmanchar o acordo com o PMDB. Dirceu perguntou como conseguiriam maioria no Congresso. "Compra os pequenos partidos" - disse Lula. "Fica mais barato." Dilma virou ministra de Minas e Energia; Tarso Genro, da Justiça; e a Previdência ficou para resolver lá na frente. E assim nasceu o mensalão".
Corria o ano de 2002. Em fins de 2003, o mensalão incendiava a nação. Em 2004, Lula teria plantado na Diretoria de Abastecimento da Petrobras o dr. José Roberto, o Paulinho, hoje o corifeu dos delatores, devido à pressão do PP para que se arranjassem novas fontes de financiamento em favor da base aliada.
Sabedor das coisas desde os primórdios, esse "Paulinho", suas declarações e provas entregues (além de outras que estão sendo investigadas) são nitroglicerina pura. Ninguém sabe onde isso tudo vai dar. Mas não há como obstar o processo. Diferentemente do mensalão, o juiz Moro e a Polícia Federal produziram provas robustas e entrelaçamentos entre os protagonistas da "organização criminosa".
Foi justamente para garantir fundos a um projeto de poder que se teria criado o esquema na empresa de petróleo. O mensalão fora arquitetura complicada e pouco rentável, logo descoberta. São ilações de certos analistas políticos. E não são desarrazoadas. O PT, especialmente o paulista (ABC, Campinas, Ribeirão Preto) já tinha alguma experiência nas áreas do jogo, do lixo e das concessões de linhas transporte coletivo.
Ao cabo não foi pelo repasse de comissões cobradas dos concessionários de serviços públicos que o prefeito Celso Daniel, de São Bernardo, fora assassinado (caso até hoje irresolvido)? A Petrobras terá sido um achado valioso que retomou a captura de recursos para as campanhas eleitorais do PT e da base aliada, em todas as disputas pelo comando da República brasileira e das estatais, contratos e obras.
À Justiça cabe agora a palavra final. As dos juízes para os crimes dos réus comuns. A do STF e STJ para os parlamentares e demais autoridades com prorrogativa de foro. Com a saída de Joaquim Barbosa, o povo aguarda o desfecho desse negativo capítulo de nossa história, entre crédulo na justiça e desconfiado do Poder Judiciário.
Dilma e a base aliada devem estar cientes - contados os votos anulados em branco - de que apenas 38% do colégio eleitoral formou o governo atual e que a oposição obteve expressiva votação de apoiadores. O país continua dividido. A quantidade dos que desertaram do voto é preocupante (desilusão política). Eles nos observam atentamente, tanto a situação quanto a oposição.
Atravessamos o momento mais perigoso de nossa história econômica recente. A responsabilidade é inteiramente do PT, herdeiro das próprias gestões. A herança que tiveram foi de grande monta: um país estabilizado pelo fantástico Plano Real, que domou a inflação (antes era de 480% ao ano ou mais). As novas gerações precisam ser informadas do nosso passado desde a redemocratização em 1988.
10 de fevereiro de 2015
Sacha Calmon, Correio Brasziliense
De repente, entram nervosos, aflitos, os deputados Moreira Franco, Gedel Vieira Lima, Henrique Alves, da direção nacional do PMDB, começam a discutir baixinho, quase cochichando. Em poucos instantes, chega o deputado Michel Temer, presidente nacional do PMDB. Nem almoçaram. Beberam pouca coisa, deram telefonemas, saíram rápido.
Nada falaram. Acontecera alguma coisa grave. Voltariam logo.
Um deles voltou e contou a bomba política do fim de semana. Antes de viajar para o Rio Grande do Sul, Lula encarregara José Dirceu, coordenador da equipe de transição e já convidado para ser chefe da Casa Civil, de negociar com o PMDB o apoio a seu governo, em troca dos ministérios de Minas e Energia, Justiça e Previdência, que seriam entregues a senadores e deputados indicados pelo partido.
Lula já havia dito ao PT que eles não podiam esquecer a lição da derrubada de Collor pelo impeachment, que o senador Amir Lando, do PMDB de Rondônia, relator da CPI de PC Farias, havia definido como uma quartelada parlamentar. No Brasil, para governar, era preciso ter sempre maioria no Congresso. O PT tinha que fazer as concessões necessárias.
O primeiro a ser chamado era o PMDB, o maior partido da Câmara e do Senado. Lula mandou José Dirceu acertar com o PMDB, combinaram três ministérios e ficaram todos felizes. Em Porto Alegre, na primeira noite, Lula encontrou a gula voraz do PT gaúcho, que exigia os ministérios de Minas e Energia, da Justiça e da Previdência.
Lula cedeu. Chamou Dirceu e deu ordem para desmanchar o acordo com o PMDB. Dirceu perguntou como conseguiriam maioria no Congresso. "Compra os pequenos partidos" - disse Lula. "Fica mais barato." Dilma virou ministra de Minas e Energia; Tarso Genro, da Justiça; e a Previdência ficou para resolver lá na frente. E assim nasceu o mensalão".
Corria o ano de 2002. Em fins de 2003, o mensalão incendiava a nação. Em 2004, Lula teria plantado na Diretoria de Abastecimento da Petrobras o dr. José Roberto, o Paulinho, hoje o corifeu dos delatores, devido à pressão do PP para que se arranjassem novas fontes de financiamento em favor da base aliada.
Sabedor das coisas desde os primórdios, esse "Paulinho", suas declarações e provas entregues (além de outras que estão sendo investigadas) são nitroglicerina pura. Ninguém sabe onde isso tudo vai dar. Mas não há como obstar o processo. Diferentemente do mensalão, o juiz Moro e a Polícia Federal produziram provas robustas e entrelaçamentos entre os protagonistas da "organização criminosa".
Foi justamente para garantir fundos a um projeto de poder que se teria criado o esquema na empresa de petróleo. O mensalão fora arquitetura complicada e pouco rentável, logo descoberta. São ilações de certos analistas políticos. E não são desarrazoadas. O PT, especialmente o paulista (ABC, Campinas, Ribeirão Preto) já tinha alguma experiência nas áreas do jogo, do lixo e das concessões de linhas transporte coletivo.
Ao cabo não foi pelo repasse de comissões cobradas dos concessionários de serviços públicos que o prefeito Celso Daniel, de São Bernardo, fora assassinado (caso até hoje irresolvido)? A Petrobras terá sido um achado valioso que retomou a captura de recursos para as campanhas eleitorais do PT e da base aliada, em todas as disputas pelo comando da República brasileira e das estatais, contratos e obras.
À Justiça cabe agora a palavra final. As dos juízes para os crimes dos réus comuns. A do STF e STJ para os parlamentares e demais autoridades com prorrogativa de foro. Com a saída de Joaquim Barbosa, o povo aguarda o desfecho desse negativo capítulo de nossa história, entre crédulo na justiça e desconfiado do Poder Judiciário.
Dilma e a base aliada devem estar cientes - contados os votos anulados em branco - de que apenas 38% do colégio eleitoral formou o governo atual e que a oposição obteve expressiva votação de apoiadores. O país continua dividido. A quantidade dos que desertaram do voto é preocupante (desilusão política). Eles nos observam atentamente, tanto a situação quanto a oposição.
Atravessamos o momento mais perigoso de nossa história econômica recente. A responsabilidade é inteiramente do PT, herdeiro das próprias gestões. A herança que tiveram foi de grande monta: um país estabilizado pelo fantástico Plano Real, que domou a inflação (antes era de 480% ao ano ou mais). As novas gerações precisam ser informadas do nosso passado desde a redemocratização em 1988.
10 de fevereiro de 2015
Sacha Calmon, Correio Brasziliense
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