Decerto preocupada com a possibilidade real de derrota no segundo turno, a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, parece ter definitivamente perdido a compostura.
Em comício em Canoas (RS), na semana passada, a petista deixou toda a prudência de lado e acusou a oposição de tramar um "golpe".
Que não se considere menor essa gravíssima denúncia apenas pelo fato de que ela foi feita em meio ao natural improviso palanqueiro. Dilma sabia muito bem o que estava dizendo e a quem se dirigia quando declarou, em outras palavras, que seus adversários estariam em pleno curso de uma ruptura institucional com o propósito de apear o PT da Presidência.
A acusação de Dilma foi uma reação à repercussão dos depoimentos prestados à Justiça Federal pelos principais operadores do gigantesco escândalo de corrupção na Petrobrás, o ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef. Ambos relataram, em detalhes, como o PT recebia parte da propina cobrada de empresas que tinham contratos com a estatal.
"Eles jamais investigaram, jamais puniram, jamais procuraram acabar com esse crime horrível, que é o crime da corrupção", discursou Dilma, referindo-se, como sempre de forma genérica e leviana, aos governos tucanos. "Agora, na véspera eleitoral, sempre querem dar um golpe. Estão dando um golpe. Esse golpe, nós não podemos concordar."
Ao usar três vezes a palavra "golpe" na mesma declaração, Dilma ultrapassou os limites da civilidade. Embora ela própria já tenha dito que, em época de eleição, se pode "fazer o diabo", uma presidente da República deve saber que não pode destruir pontes com nenhuma parte da sociedade, pois ela governa para todos, e não somente para seus simpatizantes.
Quando diz, com todas as letras, que a oposição é "golpista", Dilma liquida qualquer possibilidade de diálogo, num eventual segundo mandato, com aqueles que representam cerca de metade dos eleitores do País.
A acusação de que a oposição ao PT e os críticos do governo são "golpistas" é recorrente entre os militantes petistas. Na visão dessa turma, que se baseia na mitologia lulista, opor-se a um governo que descobriu o Brasil em 2003 só pode ser sedição. Enquanto era verbalizada apenas pela virulenta claque petista, essa diatribe não causava danos significativos. Mas, quando é a própria presidente da República que decide vocalizar tamanha sandice, que não encontra nenhum respaldo na realidade, isso significa que o Brasil, sob o PT, entrou de vez no clube dos bolivarianos - aqueles países governados por líderes autoritários que dividem a sociedade em "nós" e "eles" e que denunciam "golpes" a todo momento para justificar seus apuros.
Para sustentar sua teoria da conspiração, Dilma sugeriu que os depoimentos dos envolvidos no escândalo da Petrobrás foram deliberadamente vazados para servir à "manipulação política" por parte da oposição. "Eu acho muito estranho e muito estarrecedor que, no meio de uma campanha, façam esse tipo de divulgação", disse a presidente.
No entanto, os depoimentos a que ela se referiu não foram "vazados". A ação na qual eles foram colhidos não corre em segredo de Justiça - e, nesses casos, a Constituição manda dar publicidade ao processo.
Pelo cargo que ocupa, Dilma deveria saber disso, especialmente antes de fazer acusações tão graves. Mas o comitê de campanha da presidente não parece se importar com o que determina a lei, pois pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral Eleitoral, sabe-se lá com que argumentos, para impedir que esses depoimentos continuem a ser publicados.
Assim, preocupa observar que, ademais de sua incapacidade como presidente, Dilma agora flerta com o autoritarismo daqueles que não conseguem aceitar o contraditório e a alternância no poder. Ela incorporou a seu discurso as teses de uma militância rastaquera - que pode falar o que bem entende porque não tem responsabilidades institucionais.
Se atribui a seus adversários intenções golpistas, segue-se que Dilma deslegitimará o resultado das urnas, se este lhe for desfavorável. Definitivamente, não é uma atitude digna de alguém que preze a democracia.
Em comício em Canoas (RS), na semana passada, a petista deixou toda a prudência de lado e acusou a oposição de tramar um "golpe".
Que não se considere menor essa gravíssima denúncia apenas pelo fato de que ela foi feita em meio ao natural improviso palanqueiro. Dilma sabia muito bem o que estava dizendo e a quem se dirigia quando declarou, em outras palavras, que seus adversários estariam em pleno curso de uma ruptura institucional com o propósito de apear o PT da Presidência.
A acusação de Dilma foi uma reação à repercussão dos depoimentos prestados à Justiça Federal pelos principais operadores do gigantesco escândalo de corrupção na Petrobrás, o ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef. Ambos relataram, em detalhes, como o PT recebia parte da propina cobrada de empresas que tinham contratos com a estatal.
"Eles jamais investigaram, jamais puniram, jamais procuraram acabar com esse crime horrível, que é o crime da corrupção", discursou Dilma, referindo-se, como sempre de forma genérica e leviana, aos governos tucanos. "Agora, na véspera eleitoral, sempre querem dar um golpe. Estão dando um golpe. Esse golpe, nós não podemos concordar."
Ao usar três vezes a palavra "golpe" na mesma declaração, Dilma ultrapassou os limites da civilidade. Embora ela própria já tenha dito que, em época de eleição, se pode "fazer o diabo", uma presidente da República deve saber que não pode destruir pontes com nenhuma parte da sociedade, pois ela governa para todos, e não somente para seus simpatizantes.
Quando diz, com todas as letras, que a oposição é "golpista", Dilma liquida qualquer possibilidade de diálogo, num eventual segundo mandato, com aqueles que representam cerca de metade dos eleitores do País.
A acusação de que a oposição ao PT e os críticos do governo são "golpistas" é recorrente entre os militantes petistas. Na visão dessa turma, que se baseia na mitologia lulista, opor-se a um governo que descobriu o Brasil em 2003 só pode ser sedição. Enquanto era verbalizada apenas pela virulenta claque petista, essa diatribe não causava danos significativos. Mas, quando é a própria presidente da República que decide vocalizar tamanha sandice, que não encontra nenhum respaldo na realidade, isso significa que o Brasil, sob o PT, entrou de vez no clube dos bolivarianos - aqueles países governados por líderes autoritários que dividem a sociedade em "nós" e "eles" e que denunciam "golpes" a todo momento para justificar seus apuros.
Para sustentar sua teoria da conspiração, Dilma sugeriu que os depoimentos dos envolvidos no escândalo da Petrobrás foram deliberadamente vazados para servir à "manipulação política" por parte da oposição. "Eu acho muito estranho e muito estarrecedor que, no meio de uma campanha, façam esse tipo de divulgação", disse a presidente.
No entanto, os depoimentos a que ela se referiu não foram "vazados". A ação na qual eles foram colhidos não corre em segredo de Justiça - e, nesses casos, a Constituição manda dar publicidade ao processo.
Pelo cargo que ocupa, Dilma deveria saber disso, especialmente antes de fazer acusações tão graves. Mas o comitê de campanha da presidente não parece se importar com o que determina a lei, pois pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral Eleitoral, sabe-se lá com que argumentos, para impedir que esses depoimentos continuem a ser publicados.
Assim, preocupa observar que, ademais de sua incapacidade como presidente, Dilma agora flerta com o autoritarismo daqueles que não conseguem aceitar o contraditório e a alternância no poder. Ela incorporou a seu discurso as teses de uma militância rastaquera - que pode falar o que bem entende porque não tem responsabilidades institucionais.
Se atribui a seus adversários intenções golpistas, segue-se que Dilma deslegitimará o resultado das urnas, se este lhe for desfavorável. Definitivamente, não é uma atitude digna de alguém que preze a democracia.
16 de outubro de 2014
Editorial O Estadão
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