Pois bem, a máxima do último dos coronéis, como era designado, serve para explicar a disposição do eleitorado brasileiro das grandes cidades, no ciclo eleitoral em curso, que deixa antever um cidadão “muito a favor do voto contrário”.
O rol de qualificações desse eleitor é extenso: indignado, revoltado, saturado, descrente, desesperançoso, cansado. O último adjetivo traduz bem a motivação das ruas: o voto do cansaço, que atinge o clímax no processo eleitoral contemporâneo, desenvolvido sob a paisagem devastada da política e da gestão pública. Essa é a modalidade que explica o avanço da ex-senadora Marina Silva no ranking eleitoral e sugere um redesenho completo no tabuleiro do jogo político, eis que começa a ser considerada um quadro competitivo na esfera de um eventual – e provável – segundo turno.
O sentimento de mesmice na vida institucional empurra imensa parcela do eleitorado a correr em direção ao perfil que mais se identifica com inovação, ética, seriedade, sendo a ex-seringueira a beneficiária principal da corrente mudancista, ainda mais quando a onda emotiva criada com a morte trágica de Eduardo Campos a eleva aos píncaros da fama e da visibilidade.
VOTOS REBELDES
Mas a hipótese de que possa vir a ser vitoriosa há de ser conferida, se não contrabalançada, por um conjunto de fatores que servem de argamassa para a construção do edifício político, como bases partidárias, máquina pública, cabos eleitorais, recursos financeiros e, sobretudo, a multifacetada tipologia eleitoral.
Daí a propriedade da pergunta: os votos rebeldes suplantarão os sufrágios que costumam entrar no panelão tradicional, onde se misturam grupos que ainda primam por cultivar velhos costumes e práticas?
O voto do cansaço, claro, abre a planilha e dá as caras nos mais diferentes conglomerados, desde as galeras jovens, desencantadas com a política, até os emergentes da classe C, que descobriram o caminho das ruas para fazer ecoar suas demandas.
Olhemos também para os votos agarrados aos partidos, não em função de sua índole ideológica, mas pela malha gigantesca de empregos na máquina pública. As massas funcionais votam pensando em garantir o emprego. Não são poucos os milhões de eleitores desse bloco, sem esquecer os conglomerados sob a égide do sindicalismo atrelado ao Estado.
O convite, agora, é para entrar no barulhento andar da classe média B. Essa tende a votar de maneira consciente. Será possível que um tsunami emotivo embaralhe as regras do jogo e faça o “voto da indignação” assumir o pódio, elegendo uma pessoa que garante, caso seja vitoriosa, adeus à velha ordem política? Sim, isso é até possível.
(transcrito de O Tempo)
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