A maneira como este Pisa de 2012 será percebido, no Brasil, dependerá das inclinações do intérprete. Grosso modo, há dois tipos de pessoas. A primeira olha para dentro e para trás. A segunda olha para fora e para frente. A primeira quer construir um país mais justo e solidário, dando menos ênfase ao nível de desenvolvimento que esse país terá. A segunda quer ver o Brasil chegando a país desenvolvido, de Primeiro Mundo – acredita que é o desenvolvimento que trará a igualdade ou está disposta a sacrificar a fraternidade pela riqueza.
Para o primeiro tipo de pessoa, há razões para comemorar. O Brasil é o país que mais avançou em matemática entre o Pisa de 2003 e este de 2012. A diferença de desempenho entre alunos de escolas particulares e públicas caiu. A taxa de matrícula no ensino médio aumentou (o Pisa mede o desempenho de alunos de 15 anos de idade) de 65% em 2003 para 78% em 2012, trazendo um contingente de alunos que provavelmente vive em um contexto socioeconômico mais difícil.
Oitenta e cinco por cento dos alunos se dizem felizes na escola, e 73% estão satisfeitos com suas escolas. Vamos avançando, portanto, apesar das dificuldades de superar séculos de atrasos e educar um alunato cada vez mais pobre e despreparado. Imagino que o ministro Aloizio Mercadante e outras autoridades repetirão o mantra de que “é preciso ver o filme e não a foto”: ou seja, a evolução do paciente, e não seu quadro atual.
O segundo tipo de pessoa – dentre os quais eu me enquadro – não ficará olhando para o Brasil e seu passado, e sim comparará o país com os demais membros da comunidade internacional que fizeram esse teste. E aí a conclusão é inescapável: pioramos. Caímos no ranking internacional em todas as áreas em relação ao último Pisa, de 2009: de 57º para 58º lugar em matemática, de 53º para 59º em ciências e de 53º para 55º em linguagem. Esse retrocesso é particularmente preocupante e vergonhoso porque partimos de uma base muito baixa e nossa “vizinhança” no Pisa é composta por países bastante atrasados, como Jordânia, Tunísia, Albânia e Argentina. Pela vitalidade da nossa economia e solidez das nossas instituições, era de se esperar que pudéssemos ter uma evolução mais acelerada em nossa educação. Se ainda não é possível chegar ao nível dos países desenvolvidos, deveríamos pelo menos subir um pouco, em direção a nações do patamar da Romênia, Sérvia, Chile e Turquia.
Não conseguimos fazer esse avanço porque nossa educação patina. E enquanto ela patina, até os países menos desenvolvidos que nós fazem o seu dever de casa – literal e figurativamente – e acabam nos ultrapassando. O sonho de chegarmos ao Primeiro Mundo, de deixarmos de ser o país do futuro, vai ficando sempre mais distante.
Olhar para outros países, especialmente aqueles de cima da tabela, nos traz mais alguns ensinamentos preciosos.
O primeiro é que Xangai, província chinesa parecida em tamanho com São Paulo, consolida o status de melhor sistema educacional do mundo, já tendo ocupado essa posição na edição de 2009, quando foi avaliado pela primeira vez. Essa dianteira de uma região que tem basicamente o mesmo nível de renda do Brasil e que gasta pouco em educação (nas últimas décadas o investimento chinês em educação vem subindo, de 2% do PIB para os atuais 4%, ainda abaixo dos 5% investidos no Brasil) nos serve de inspiração e alento: é possível para uma região de baixa renda ter resultados espetaculares, e ainda por cima gastando pouco.
Vários países que estão no topo da pirâmide educacional – como Coreia, Cingapura e Vietnã – fazem um ótimo trabalho de gerar bom desempenho educacional em alunos de baixa renda.
É o Estado virtuoso: aquele que, através dos esforços de seus profissionais, consegue mudar as perspectivas de vida de seus cidadãos mais desfavorecidos.
No Brasil, nosso desempenho nesse quesito é muito débil: só 1,9% dos nossos alunos são o que os organizadores do Pisa chama de resilientes, contra 6,5% da média da OCDE e 12,5% dos países asiáticos citados acima.
Mas a aqueles que acham que devemos copiar o modelo chinês ou asiático, o Pisa também demonstra que, ao contrário das famílias de Tolstoy, em educação há muitos caminhos para ser feliz. A Finlândia, que com seu estilo liberal, “light” e focado mais em criatividade do que repetição, vem há anos demonstrando ótimos resultados, tendo alcançado nesse Pisa também uma excelente colocação, ficando em 5º em ciências e 6º em linguagem.
Precisamos criar um modelo educacional que funcione para a nossa realidade, que nos leve a alcançar as nossas aspirações, e não ficar buscando modelos internacionais para copiar.
Um dos únicos fatores comuns a todos esses países de sucesso é uma expectativa muito alta de aprendizado – de todos os seus alunos, inclusive os mais pobres. No Brasil, temos resultados escandalosos ano após ano, mas não há nenhuma indignação ou espanto, muito menos a percepção de que é preciso mudar de curso.
O fracasso da parcela mais pobre do alunato é percebida não como fruto da nossa incompetência, mas como um fato da natureza. O curioso é que parece que essa nonchalance frente ao trágico já foi incorporada até pelo nosso alunato. Em pesquisa do Pisa, só 39% dizem que as condições de ensino em suas escolas são ideais, mas 85% se dizem felizes na escola.
Na OCDE, só 80% se dizem felizes, apesar de 61% dizerem que as condições de ensino são ideais. É como dizia Tom Jobim ao explicar as diferenças entre o Rio de Janeiro e Nova York: “Morar nos Estados Unidos é bom, mas é uma m…; morar no Brasil é uma m…, mas é bom.”
Alguns meses depois do Pisa 2009 ter sido divulgado e causado um estrondo com o desempenho inacreditável de Xangai, eu fui à China visitar aquela província e algumas outras da potência asiática. Pedi uma reunião com gente do Ministério da Educação da China e da Secretaria de Educação de Xangai. Esse último órgão só podia me receber num sábado de manhã. O funcionário veio me ver de terno.
Fiquei um pouco constrangido de causar aquele aborrecimento a ele numa manhã de fim de semana, pelo que comecei a nossa conversa me desculpando pelo incômodo causado, e também deixando-o à vontade para tirar a gravata. Ele me disse que não era incômodo algum, pois trabalharia o dia todo, e em seguida tinha uma reunião com representantes de Cingapura e da Holanda.
Tentei, então, quebrar um pouco o gelo dando os parabéns pelo resultado do Pisa e dizendo que imaginava como eles estavam contentes. Ao que ele respondeu: “Sim, ficamos contentes de termos participado do Pisa porque nos permitiu notar que em leitura descontínua não estamos muito bem, apenas em terceiro lugar, e vamos dar mais foco a essa área daqui pra frente.” Essa diferença de postura explica muito.
Aqui, nossos dirigentes estão mais preocupados em torcer os dados para que se possa ver o lado bom de resultados decepcionantes. Em Xangai – e tenho certeza de que nas outras regiões que melhoram fortemente – ninguém se preocupa com os confetes pela vitória, e sim com as carências que ainda podem ser sanadas.
Na década de 60, o Brasil era mais pobre e tinha piores indicadores educacionais do que a Coreia do Sul. Hoje, como se sabe, continuamos exportando carne e soja, e importamos TVs, celulares e carros da Samsung, LG e Hyundai, e nos perguntamos como ficamos para trás. Suspeito que na geração dos meus filhos busquemos essa mesma explicação em relação ao que aconteceu com a China. Os resultados do Pisa 2012 – e, especialmente, a maneira como seus resultados são recebidos nos dois países – poderão servir como um bom ponto de partida para explicar.
12 de dezembro de 2013
Gustavo Ioschpe
Para o primeiro tipo de pessoa, há razões para comemorar. O Brasil é o país que mais avançou em matemática entre o Pisa de 2003 e este de 2012. A diferença de desempenho entre alunos de escolas particulares e públicas caiu. A taxa de matrícula no ensino médio aumentou (o Pisa mede o desempenho de alunos de 15 anos de idade) de 65% em 2003 para 78% em 2012, trazendo um contingente de alunos que provavelmente vive em um contexto socioeconômico mais difícil.
Oitenta e cinco por cento dos alunos se dizem felizes na escola, e 73% estão satisfeitos com suas escolas. Vamos avançando, portanto, apesar das dificuldades de superar séculos de atrasos e educar um alunato cada vez mais pobre e despreparado. Imagino que o ministro Aloizio Mercadante e outras autoridades repetirão o mantra de que “é preciso ver o filme e não a foto”: ou seja, a evolução do paciente, e não seu quadro atual.
O segundo tipo de pessoa – dentre os quais eu me enquadro – não ficará olhando para o Brasil e seu passado, e sim comparará o país com os demais membros da comunidade internacional que fizeram esse teste. E aí a conclusão é inescapável: pioramos. Caímos no ranking internacional em todas as áreas em relação ao último Pisa, de 2009: de 57º para 58º lugar em matemática, de 53º para 59º em ciências e de 53º para 55º em linguagem. Esse retrocesso é particularmente preocupante e vergonhoso porque partimos de uma base muito baixa e nossa “vizinhança” no Pisa é composta por países bastante atrasados, como Jordânia, Tunísia, Albânia e Argentina. Pela vitalidade da nossa economia e solidez das nossas instituições, era de se esperar que pudéssemos ter uma evolução mais acelerada em nossa educação. Se ainda não é possível chegar ao nível dos países desenvolvidos, deveríamos pelo menos subir um pouco, em direção a nações do patamar da Romênia, Sérvia, Chile e Turquia.
Não conseguimos fazer esse avanço porque nossa educação patina. E enquanto ela patina, até os países menos desenvolvidos que nós fazem o seu dever de casa – literal e figurativamente – e acabam nos ultrapassando. O sonho de chegarmos ao Primeiro Mundo, de deixarmos de ser o país do futuro, vai ficando sempre mais distante.
Olhar para outros países, especialmente aqueles de cima da tabela, nos traz mais alguns ensinamentos preciosos.
O primeiro é que Xangai, província chinesa parecida em tamanho com São Paulo, consolida o status de melhor sistema educacional do mundo, já tendo ocupado essa posição na edição de 2009, quando foi avaliado pela primeira vez. Essa dianteira de uma região que tem basicamente o mesmo nível de renda do Brasil e que gasta pouco em educação (nas últimas décadas o investimento chinês em educação vem subindo, de 2% do PIB para os atuais 4%, ainda abaixo dos 5% investidos no Brasil) nos serve de inspiração e alento: é possível para uma região de baixa renda ter resultados espetaculares, e ainda por cima gastando pouco.
Vários países que estão no topo da pirâmide educacional – como Coreia, Cingapura e Vietnã – fazem um ótimo trabalho de gerar bom desempenho educacional em alunos de baixa renda.
É o Estado virtuoso: aquele que, através dos esforços de seus profissionais, consegue mudar as perspectivas de vida de seus cidadãos mais desfavorecidos.
No Brasil, nosso desempenho nesse quesito é muito débil: só 1,9% dos nossos alunos são o que os organizadores do Pisa chama de resilientes, contra 6,5% da média da OCDE e 12,5% dos países asiáticos citados acima.
A conclusão é inescapável: pioramos. Mas nossos dirigentes estão mais preocupados em torcer dados para ver o lado bom de resultados decepcionantes
Precisamos criar um modelo educacional que funcione para a nossa realidade, que nos leve a alcançar as nossas aspirações, e não ficar buscando modelos internacionais para copiar.
Um dos únicos fatores comuns a todos esses países de sucesso é uma expectativa muito alta de aprendizado – de todos os seus alunos, inclusive os mais pobres. No Brasil, temos resultados escandalosos ano após ano, mas não há nenhuma indignação ou espanto, muito menos a percepção de que é preciso mudar de curso.
O fracasso da parcela mais pobre do alunato é percebida não como fruto da nossa incompetência, mas como um fato da natureza. O curioso é que parece que essa nonchalance frente ao trágico já foi incorporada até pelo nosso alunato. Em pesquisa do Pisa, só 39% dizem que as condições de ensino em suas escolas são ideais, mas 85% se dizem felizes na escola.
Na OCDE, só 80% se dizem felizes, apesar de 61% dizerem que as condições de ensino são ideais. É como dizia Tom Jobim ao explicar as diferenças entre o Rio de Janeiro e Nova York: “Morar nos Estados Unidos é bom, mas é uma m…; morar no Brasil é uma m…, mas é bom.”
Alguns meses depois do Pisa 2009 ter sido divulgado e causado um estrondo com o desempenho inacreditável de Xangai, eu fui à China visitar aquela província e algumas outras da potência asiática. Pedi uma reunião com gente do Ministério da Educação da China e da Secretaria de Educação de Xangai. Esse último órgão só podia me receber num sábado de manhã. O funcionário veio me ver de terno.
Fiquei um pouco constrangido de causar aquele aborrecimento a ele numa manhã de fim de semana, pelo que comecei a nossa conversa me desculpando pelo incômodo causado, e também deixando-o à vontade para tirar a gravata. Ele me disse que não era incômodo algum, pois trabalharia o dia todo, e em seguida tinha uma reunião com representantes de Cingapura e da Holanda.
Tentei, então, quebrar um pouco o gelo dando os parabéns pelo resultado do Pisa e dizendo que imaginava como eles estavam contentes. Ao que ele respondeu: “Sim, ficamos contentes de termos participado do Pisa porque nos permitiu notar que em leitura descontínua não estamos muito bem, apenas em terceiro lugar, e vamos dar mais foco a essa área daqui pra frente.” Essa diferença de postura explica muito.
Aqui, nossos dirigentes estão mais preocupados em torcer os dados para que se possa ver o lado bom de resultados decepcionantes. Em Xangai – e tenho certeza de que nas outras regiões que melhoram fortemente – ninguém se preocupa com os confetes pela vitória, e sim com as carências que ainda podem ser sanadas.
Na década de 60, o Brasil era mais pobre e tinha piores indicadores educacionais do que a Coreia do Sul. Hoje, como se sabe, continuamos exportando carne e soja, e importamos TVs, celulares e carros da Samsung, LG e Hyundai, e nos perguntamos como ficamos para trás. Suspeito que na geração dos meus filhos busquemos essa mesma explicação em relação ao que aconteceu com a China. Os resultados do Pisa 2012 – e, especialmente, a maneira como seus resultados são recebidos nos dois países – poderão servir como um bom ponto de partida para explicar.
12 de dezembro de 2013
Gustavo Ioschpe
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