Na edição de VEJA que está nas bancas, comentei o livro mais recente de Marco Antonio Villa: Década Perdida ─ Dez Anos de PT no Poder.
Segue-se o texto revisto e ampliado:
É muito milagre para pouco verso, constatam os brasileiros sensatos confrontados com o samba-enredo que canta as façanhas produzidas entre janeiro de 2003 e dezembro de 2013 pela fábrica de fantasias administrada pelo governo do PT.
A letra garante que Lula, escalado pela Divina Providência para dar um jeito na herança maldita de FHC, só precisou de oito anos para fazer o que não fora feito em 500 ─ e repassar a Dilma Rousseff uma Pasárgada da grife Oscar Niemeyer. E a sucessora só precisou de meio mandato para passar a presidir uma Noruega com praia, sol de sobra, Carnaval e futebol pentacampeão.
O único problema é que, até agora, nenhum habitante do país real conseguiu enxergar esse prodígio político-administrativo. Nem vai conseguir, avisa a leitura de Década Perdida ─ Dez Anos de PT no Poder (Record; 280 páginas; 45 reais), do historiador Marco Antonio Villa.
O Brasil maravilha registrado em cartório nunca existiu fora da imaginação dos pais, parteiros e tutores do embuste mais longevo da era republicana. Para desmontar a tapeação, bastou a Villa exumar verdades reiteradamente assassinadas desde o discurso de posse do produtor, diretor, roteirista e principal personagem da ópera dos farsantes.
“Diante das ameaças à soberania nacional, da precariedade avassaladora da segurança pública, do desrespeito aos mais velhos e do desalento dos mais jovens; diante do impasse econômico, social e moral do país, a sociedade brasileira escolheu mudar e começou, ela mesma, a promover a mudança necessária”, decolou Luiz Inácio Lula da Silva ao pendurar no peito a faixa entregue por Fernando Henrique Cardoso. “Foi para isso que o povo brasileiro me elegeu presidente da República.”
A chegada do Homem Providencial à terra devastada, sem rumo e órfã de estadistas abriu o cortejo de bazófias, bravatas e invencionices que, para perplexidade dos que enxergam as coisas como as coisas são, parece ainda longe do fim.
Nunca antes neste país tanta gente foi ludibriada por tanto tempo, comprova a didática reconstituição conduzida por Villa.
Nunca se mentiu tão descaradamente sem que um único e escasso político oposicionista se animasse a denunciar, sem rodeios nem eufemismos, a nudez obscena do reizinho. Em férias desde o início do século, a oposição parlamentar assistiu passivamente à montagem do Evangelho Segundo Lula, uma procissão de fraudes que enfileira pelo menos um assombro por ano.
Já no primeiro, o salvador da pátria conferiu a todos os viventes aqui nascidos ou naturalizados o direito de comer três vezes por dia. E a fome acabou. No segundo, com a reinvenção do Bolsa Família, estatizou a esmola.
E a pobreza acabou. Não pôde fazer muito em 2005 porque teve de concentrar-se na missão de ensinar a milhões de eleitores que o mensalão nunca existiu — e livrar os companheiros gatunos do embarque no camburão que só chegaria em 2013. Indultado liminarmente pela oposição e poupado pela Justiça, o camelô de si mesmo atravessou os anos seguintes tentando esgotar o estoque de proezas fictícias.
Festejou o advento da autossuficiência na produção de petróleo, rebaixou a marolinha o tsunami econômico, proibiu a crise americana de dar as caras por aqui, condenou a seca do Nordeste a morrer afogada nas águas transpostas do Rio São Francisco, criou um sistema de saúde perto da perfeição e inaugurou mais universidades que todos os doutores que o precederam no cargo, fora o resto. E sem contar o que andou fazendo depois de nomear-se conselheiro do mundo.
Dilma teve de conformar-se com o pouco que faltava. Fantasiou de “concessão” a privatização dos aeroportos, por exemplo. Por falta de fregueses, criou o leilão de um lance só para desencalhar o pré-sal. Acrescentou alguns metros à Ferrovia do Sarney. Obrigada a cuidar da inflação em alta e do PIB em baixa, deixou para depois o trem-bala mais lento do mundo. Mas melhorou extraordinariamente a paisagem do país já desprovido de pobres ao anunciar pela TV a completa erradicação da miséria.
Haja vigarice, gritam os fatos e estatísticas que Villa escancara numa narrativa clara, irrefutável e contundente. Lula escapou do naufrágio graças à política econômica de FHC, que não se atreveu a mudar, e à bonança financeira mundial só interrompida no crepúsculo do segundo mandato.
Sobrou para Dilma Rousseff: o “espetáculo do desenvolvimento” prometido pela herdeira só não perde em raquitismo para os de Floriano Peixoto e Fernando Collor, os dois mais retumbantes fiascos econômicos do Brasil republicano.
Alheio aos problemas políticos e administrativos que comprometem o futuro da nação, o projeto do governo do PT está reduzido a um tópico só: eternizar-se no poder.
“O partido aparelhou o Estado”, adverte Villa. “Não só pelos seus 23 000 cargos de nomeação direta. Transformou as empresas e bancos estatais, e seus poderosos fundos de pensão, em instrumentos para o PT e sua ampla clientela. Estabeleceu uma rede de controle e privilégios nunca vista na nossa história.
Em um país invertebrado, o partido desmantelou o que havia de organizado através de cooptação estatal. Foram distribuídos milhões de reais a sindicatos, associações, ONGs, intelectuais, jornalistas chapa-branca, criando assim uma rede de proteção aos desmandos do governo: são os tontons macoutes do lulopetismo, os que estão sempre prontos para a ação.”
O Brasil perdeu outra década. O PT ficou no lucro. E Lula ganhou mais do que todos.
25 de novembro de 2013
in Augusto Nunes, Veja
Segue-se o texto revisto e ampliado:
É muito milagre para pouco verso, constatam os brasileiros sensatos confrontados com o samba-enredo que canta as façanhas produzidas entre janeiro de 2003 e dezembro de 2013 pela fábrica de fantasias administrada pelo governo do PT.
A letra garante que Lula, escalado pela Divina Providência para dar um jeito na herança maldita de FHC, só precisou de oito anos para fazer o que não fora feito em 500 ─ e repassar a Dilma Rousseff uma Pasárgada da grife Oscar Niemeyer. E a sucessora só precisou de meio mandato para passar a presidir uma Noruega com praia, sol de sobra, Carnaval e futebol pentacampeão.
O único problema é que, até agora, nenhum habitante do país real conseguiu enxergar esse prodígio político-administrativo. Nem vai conseguir, avisa a leitura de Década Perdida ─ Dez Anos de PT no Poder (Record; 280 páginas; 45 reais), do historiador Marco Antonio Villa.
O Brasil maravilha registrado em cartório nunca existiu fora da imaginação dos pais, parteiros e tutores do embuste mais longevo da era republicana. Para desmontar a tapeação, bastou a Villa exumar verdades reiteradamente assassinadas desde o discurso de posse do produtor, diretor, roteirista e principal personagem da ópera dos farsantes.
“Diante das ameaças à soberania nacional, da precariedade avassaladora da segurança pública, do desrespeito aos mais velhos e do desalento dos mais jovens; diante do impasse econômico, social e moral do país, a sociedade brasileira escolheu mudar e começou, ela mesma, a promover a mudança necessária”, decolou Luiz Inácio Lula da Silva ao pendurar no peito a faixa entregue por Fernando Henrique Cardoso. “Foi para isso que o povo brasileiro me elegeu presidente da República.”
A chegada do Homem Providencial à terra devastada, sem rumo e órfã de estadistas abriu o cortejo de bazófias, bravatas e invencionices que, para perplexidade dos que enxergam as coisas como as coisas são, parece ainda longe do fim.
Nunca antes neste país tanta gente foi ludibriada por tanto tempo, comprova a didática reconstituição conduzida por Villa.
Nunca se mentiu tão descaradamente sem que um único e escasso político oposicionista se animasse a denunciar, sem rodeios nem eufemismos, a nudez obscena do reizinho. Em férias desde o início do século, a oposição parlamentar assistiu passivamente à montagem do Evangelho Segundo Lula, uma procissão de fraudes que enfileira pelo menos um assombro por ano.
Já no primeiro, o salvador da pátria conferiu a todos os viventes aqui nascidos ou naturalizados o direito de comer três vezes por dia. E a fome acabou. No segundo, com a reinvenção do Bolsa Família, estatizou a esmola.
E a pobreza acabou. Não pôde fazer muito em 2005 porque teve de concentrar-se na missão de ensinar a milhões de eleitores que o mensalão nunca existiu — e livrar os companheiros gatunos do embarque no camburão que só chegaria em 2013. Indultado liminarmente pela oposição e poupado pela Justiça, o camelô de si mesmo atravessou os anos seguintes tentando esgotar o estoque de proezas fictícias.
Festejou o advento da autossuficiência na produção de petróleo, rebaixou a marolinha o tsunami econômico, proibiu a crise americana de dar as caras por aqui, condenou a seca do Nordeste a morrer afogada nas águas transpostas do Rio São Francisco, criou um sistema de saúde perto da perfeição e inaugurou mais universidades que todos os doutores que o precederam no cargo, fora o resto. E sem contar o que andou fazendo depois de nomear-se conselheiro do mundo.
Dilma teve de conformar-se com o pouco que faltava. Fantasiou de “concessão” a privatização dos aeroportos, por exemplo. Por falta de fregueses, criou o leilão de um lance só para desencalhar o pré-sal. Acrescentou alguns metros à Ferrovia do Sarney. Obrigada a cuidar da inflação em alta e do PIB em baixa, deixou para depois o trem-bala mais lento do mundo. Mas melhorou extraordinariamente a paisagem do país já desprovido de pobres ao anunciar pela TV a completa erradicação da miséria.
Haja vigarice, gritam os fatos e estatísticas que Villa escancara numa narrativa clara, irrefutável e contundente. Lula escapou do naufrágio graças à política econômica de FHC, que não se atreveu a mudar, e à bonança financeira mundial só interrompida no crepúsculo do segundo mandato.
Sobrou para Dilma Rousseff: o “espetáculo do desenvolvimento” prometido pela herdeira só não perde em raquitismo para os de Floriano Peixoto e Fernando Collor, os dois mais retumbantes fiascos econômicos do Brasil republicano.
Alheio aos problemas políticos e administrativos que comprometem o futuro da nação, o projeto do governo do PT está reduzido a um tópico só: eternizar-se no poder.
“O partido aparelhou o Estado”, adverte Villa. “Não só pelos seus 23 000 cargos de nomeação direta. Transformou as empresas e bancos estatais, e seus poderosos fundos de pensão, em instrumentos para o PT e sua ampla clientela. Estabeleceu uma rede de controle e privilégios nunca vista na nossa história.
Em um país invertebrado, o partido desmantelou o que havia de organizado através de cooptação estatal. Foram distribuídos milhões de reais a sindicatos, associações, ONGs, intelectuais, jornalistas chapa-branca, criando assim uma rede de proteção aos desmandos do governo: são os tontons macoutes do lulopetismo, os que estão sempre prontos para a ação.”
O Brasil perdeu outra década. O PT ficou no lucro. E Lula ganhou mais do que todos.
25 de novembro de 2013
in Augusto Nunes, Veja
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