Pouco conseguimos além de alguns cargos em organismos internacionais desvalorizados. A política de prestígio produziu um retrocesso de meio século
Apolítica externa brasileira mudou de ministro duas vezes nos últimos três anos, mas não encontrou ainda uma direção. Já são mais de cinco anos sem um projeto consistente com o Brasil. A crise global de 2008 desorientou a nossa diplomacia.
Lula deu continuidade à política de cooperação iniciada por Fernando Henrique na reunião dos presidentes sul-americanos no ano 2000, porém, com mais ênfase nos aspectos políticos do que no comércio. A política externa se tornou leniente com a vizinhança, que voltou a ter focos de instabilidade.
Quando surgiram os Brics, tornamos secundária nossa própria região. A China virou prioridade. Coincidência ou não, passamos a adotar uma política antidireitos humanos no mundo, sempre ao lado das ditaduras.
Pouco conseguimos além de alguns cargos em organismos internacionais desvalorizados. A política de prestígio produziu um retrocesso de meio século na diversidade econômica das nossas relações internacionais. A qualidade das exportações brasileiras hoje é similar ao que tínhamos no Pós-Segunda Guerra.
Por sua vez, o antigo projeto de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU nunca esteve tão distante. Sequer somos membros temporários, e tudo indica que continuaremos fora nos próximos anos. Há décadas isso também não acontecia.
Não se sabe ao certo em nome de que o governo abdicou de tais projetos. Certamente, não foi porque aderiu a projetos mais compatíveis com o século XXI, pois temos a pior política externa dos direitos humanos desde o regime militar.
O argumento de que fechamos os olhos para ditaduras em países parceiros porque realizamos negócios é muito frequente. A África é sempre lembrada. De fato, cresceu muito o comércio com essa região (R$ 26 bi em 2012). No entanto, aumentou principalmente entre países mais democráticos como a África do Sul.
Só no primeiro semestre de 2013, o governo brasileiro perdoou 900 milhões de dólares em dívidas de meia dúzia de países africanos, o que supera em quase 300 milhões a soma de tudo que exportamos a eles. Não foi solidariedade. Sem esse perdão, por norma, o BNDES não teria como apoiar novos investimentos brasileiros nesses lugares.
O mais sensato seria flexibilizar o ordenamento legal no Brasil que impede empresas brasileiras de continuarem exportando serviços a crédito. Sairia bem mais barato do que simplesmente perdoar dívidas de países que estão crescendo.
O motivo de perdoar tantas dívidas e misturar assuntos diferentes foi a campanha pela Direção Geral da OMC. Dívidas perdoadas por votos. E aí também nos metemos em uma cilada. Se Roberto Azevedo for bem-sucedido, conseguirá destravar a Rodada Doha que vai nos tornar ainda mais dependentes da venda de produtos básicos. Se fracassar, isso significa que desperdiçou uma montanha de recursos diplomáticos movidos pelo Brasil.
Atualmente, não temos nem mesmo uma diplomacia presidencial, iniciada por Sarney e bastante desenvolvida por FHC e Lula. Seguimos em ziguezague o fluxo dos ventos, sem propósito, estratégia ou entusiasmo.
25 de novembro de 2013
Marcelo Coutinho, O Globo
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