A economia anda tão devagar que deu tempo para que os economistas a alcançassem com um diagnóstico que é quase consensual.
As condições internacionais já não são favoráveis e o descaso que tivemos no passado com mudanças estruturais cobra agora o seu preço. A inflação vem sendo pressionada pelo fim do dólar barato e pela liberação de preços represados, ao passo que os investimentos empacam, à mercê das incertezas da política econômica e da dificuldade do governo em lidar com as concessões. Os juros sobem e a expansão do produto é medíocre. Com o crescimento estimado de 2,5% agora, em 2013, o aumento médio anual na gestão Dilma Rousseff ficará em 2%, exatamente metade do registrado no mandato do presidente Lula. Na área externa, o déficit em transações correntes já é o pior da história e caminha para fechar o ano perto de US$ 85 bilhões. Não há crise nem expectativa de uma ruptura purgativa. Apenas a mesmice de uma economia semiestagnada, que nos faz tatear lentamente por um labirinto escuro.
Ainda assim, o governo parece se confundir com duas perspectivas distintas para a realidade da economia.
De um lado, nutre esforçado desprezo, quase asco, pela visão dos analistas de mercado que se comprazem em enumerar os múltiplos equívocos da política econômica dos últimos anos.
Não há dúvida de que vários desses palpiteiros se comportam como o torcedor furioso que tem certeza de que não teria perdido o gol que o craque desperdiçou - como se tudo fosse trivial. Um analista de investimentos americano, por exemplo, criticou a política brasileira em entrevista ao Wall Street Journal por ser "muito confusa". Como assim, cara-pálida? Por acaso é fácil entender o sistema eleitoral dos Estados Unidos ou como um governo para de operar por falta de acordo entre as lideranças do Congresso?
Há muito de caricatura na visão que se tem do exterior. Muitas vezes, não há tempo nem disposição para uma análise mais aprofundada. Não é difícil de encontrar entre os analistas internacionais quem acredite que o Brasil tem uma economia baseada em commodities, o que é erro crasso. Mas essa crença simplifica o diagnóstico, torna a história mais saborosa e, melhor de tudo, funciona, já que acaba se transformando numa profecia autorrealizável.
O equívoco do governo, no entanto, é não perceber que este é um jogo de espelhos e não vale a pena dizer que não brinca. O mercado não tem ideologia, não tem sequer caráter. Para quem realmente decide - pessoas que não assinam relatórios nem dão entrevistas -, ser feliz é apenas estar "long", quando o mercado sobe, e "short", quando ele cai (e, parafraseando Fernando Pessoa, nunca ao contrário).
Em que pese a superficialidade da avaliação, no entanto, é contraproducente desqualificar a análise econômica feita pelo mercado financeiro, até porque não pairam dúvidas sobre a insuficiência da política fiscal, núcleo duro da perda de credibilidade que contamina a imagem que projetamos no mundo.
A segunda perspectiva, que encanta e seduz, se apoia na suposição de que o crescimento do PIB é uma medida insatisfatória das condições econômicas e mais vale prestar atenção às boas notícias que nos trazem a baixíssima taxa de desemprego (5,4%, menos da metade dos 11,2% registrados quando da ascensão do PT) e o aumento da massa salarial (10,5% anualizados em agosto último, ganhando com folga da inflação). Nessa vertente, o que importa é a sensação de bem-estar da camada mais pobre da população, alheia aos meneios de economistas agourentos. Uma ideia assemelhada à substituição da mensuração do PIB pela FIB, a Felicidade Interna Bruta, proposta estrambótica posta em prática pelo rei do Butão, país cujo PIB é um sétimo da multa a ser paga pelo JP Morgan pela venda de derivativos de hipotecas subprime e onde a mortalidade infantil é 2,8 vezes maior do que no Brasil.
Se há emprego e o salário sobe, é o que basta, pensa o governo - o que parece ser confirmado pelas pesquisas de opinião que colocam a presidente Dilma em posição bastante confortável, malgrado o derrotismo do mercado financeiro. Aqui o perigo é o analista oficial ser vítima do conhecido viés da confirmação, uma tendência a filtrar informações que supostamente atestem a veracidade da versão que mais lhe interessa, descartando todos os outros dados que contrariem a sua tese.
Tempo. O tempo se encarregará de conciliar esses dois mundos paralelos. Além dos preconceitos do analista internacional preguiçoso e da conveniência do governo em se satisfazer com dados incompletos, há uma realidade inconveniente que se aproxima. A incúria com os indicadores usuais da economia, a começar pelo desempenho nefasto das contas públicas, cobrará logo seu preço.
Há várias conexões entre esses dois mundos. O salário mínimo, por exemplo, assim como as aposentadorias a ele indexadas, deverá ser elevado em algo como 6,4% em 2014, ante 8,8%, em 2013, e 14%, no ano passado. Não há descolamento possível entre essas duas realidades. Não tardará e a mediocridade do PIB contaminará salários e emprego.
Dos Faustos a Dorian Gray, passando por Riobaldo, a literatura está cheia de exemplos de personagens que trocaram um futuro melhor por prazeres momentâneos, um tema que os economistas estudam (com menor inspiração) na teoria das escolhas intertemporais. Do ponto de vista do governo, parece ser preferível garantir a reeleição no curto prazo, mesmo que ao custo de fazer desandar ainda mais as condições de crescimento sustentado. A reeleição pode ser garantida, mas o futuro mostrará que descuidar dos fundamentos que dão suporte ao crescimento econômico no longo prazo é apenas um pacto com o diabo.
25 de novembro de 2013
Luís Eduardo Assis, Estado de S. Paulo
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