Pior da crise econômica ficou para trás, mas renda do país ainda é inferior à do início da década
Com o tímido crescimento econômico de 1% em 2017, o país começou a superar a trágica recessão dos três anos anteriores. Apesar de ainda lenta, a presente retomada mostra alguma consistência.
O retorno dos investimentos privados, com três altas trimestrais consecutivas, interrompe o colapso que atingiu a produção de máquinas e a construção civil. Com inflação e juros mais baixos, além disso, melhoram as perspectivas para o crédito e o consumo.
Nesse cenário, o desemprego, ainda em 12,2%, tende a cair de modo gradual. Em janeiro foram criadas 77,8 mil vagas com carteira assinada, a melhor marca para o mês desde 2012.
Tudo considerado, parece plausível que a expansão do Produto Interno Bruto supere 3% neste ano.
Mesmo nos cenários mais otimistas, contudo, o país está longe de recuperar o patamar econômico anterior à recessão —e o atraso na trajetória de desenvolvimento é quase irreparável.
Trata-se, até aqui, de uma nova década perdida. A atual renda por habitante do país, de R$ 31,6 mil, é inferior à de 2011, em valores corrigidos. A expansão acumulada do PIB em sete anos é de irrisórios 3,2%, enquanto a produção global elevou-se em 27,9%.
O desastre reflete, decerto, fragilidades estruturais do país, mas também oportunidades desperdiçadas e erros tão primários quanto recorrentes de política econômica.
De mais evidente, há uma estrutura governamental inchada e perdulária, que a despeito de consumir um terço do PIB em tributos continua a se endividar a cada dia, absorvendo recursos que poderiam financiar investimentos.
A tarefa de conter e tornar mais eficiente o gasto público foi negligenciada. Em vez disso, apostou-se na carcomida fórmula do intervencionismo estatal para estimular empresas e setores selecionados.
Mais do que uma mera correção de rumos, há que buscar algum consenso em torno de uma agenda que permita ao país superar a pobreza e rumar a um padrão de renda elevado em 20 ou 30 anos.
É um desafio inadiável, tendo em vista a realidade demográfica que levará ao envelhecimento acelerado da população no período.
O Brasil precisa crescer de 3% a 3,5% ao ano de forma sustentada por ao menos duas décadas. Nesse cenário, a renda per capita se aproximaria da observada em países como Portugal e Espanha, configurando um salto civilizatório.
Para tanto, faz-se necessário um avanço mais vigoroso da produtividade de trabalhadores e empresas, que evolui a passos lentos e descontínuos desde os anos 1980.
O caminho é a melhora do ambiente de negócios, da infraestrutura e, sobretudo, da qualidade da mão de obra, por meio de treinamento e educação.
Ao menos três elementos devem lastrear essa estratégia. O primeiro é mais abertura econômica: há uma desproporção entre as dimensões do país e sua pífia participação no comércio internacional.
Sem estarem expostas à competição nos mercados globais, as empresas brasileiras não conseguirão ganhar escala produtiva e acesso às tecnologias mais avançadas —e o país terá severas dificuldades para cruzar a fronteira que separa os ricos dos remediados.
Também imperativa é uma ampla reforma do sistema de impostos, ainda que os objetivos sejam perseguidos de forma incremental.
Sem elevar a carga tributária, cumpre alterar sua distribuição, de modo a desonerar a atividade produtiva e simplificar o emaranhado de regras que trazem enorme contencioso jurídico.
A missão é mais difícil do que possa parecer, dados os interesses de setores hoje favorecidos por regimes especiais e de entes federativos que desejam preservar seu poder de arrecadação. Há uma negociação difícil pela frente, que terá de ser liderada por Brasília.
Por fim, há a óbvia necessidade de redesenhar as prioridades e o alcance do Estado. Os programas sociais, imprescindíveis, precisam se ajustar às possibilidades orçamentárias. Do contrário, alimenta-se uma dívida pública cujo custo acaba por solapar o desejado combate à pobreza.
Desmontar privilégios da alta burocracia, reformar a Previdência e privilegiar o provimento de educação, saúde, segurança e infraestrutura —todas essas ações, além de justas, teriam impacto altamente positivo na produtividade.
O pior da crise ficou para trás, mas nem de longe estão asseguradas as condições para um crescimento duradouro. Um debate franco sobre como buscá-las é o mínimo que se espera da eleição presidencial.
05 de março de 2018
Editorial Folha de SP
Com o tímido crescimento econômico de 1% em 2017, o país começou a superar a trágica recessão dos três anos anteriores. Apesar de ainda lenta, a presente retomada mostra alguma consistência.
O retorno dos investimentos privados, com três altas trimestrais consecutivas, interrompe o colapso que atingiu a produção de máquinas e a construção civil. Com inflação e juros mais baixos, além disso, melhoram as perspectivas para o crédito e o consumo.
Nesse cenário, o desemprego, ainda em 12,2%, tende a cair de modo gradual. Em janeiro foram criadas 77,8 mil vagas com carteira assinada, a melhor marca para o mês desde 2012.
Tudo considerado, parece plausível que a expansão do Produto Interno Bruto supere 3% neste ano.
Mesmo nos cenários mais otimistas, contudo, o país está longe de recuperar o patamar econômico anterior à recessão —e o atraso na trajetória de desenvolvimento é quase irreparável.
Trata-se, até aqui, de uma nova década perdida. A atual renda por habitante do país, de R$ 31,6 mil, é inferior à de 2011, em valores corrigidos. A expansão acumulada do PIB em sete anos é de irrisórios 3,2%, enquanto a produção global elevou-se em 27,9%.
O desastre reflete, decerto, fragilidades estruturais do país, mas também oportunidades desperdiçadas e erros tão primários quanto recorrentes de política econômica.
De mais evidente, há uma estrutura governamental inchada e perdulária, que a despeito de consumir um terço do PIB em tributos continua a se endividar a cada dia, absorvendo recursos que poderiam financiar investimentos.
A tarefa de conter e tornar mais eficiente o gasto público foi negligenciada. Em vez disso, apostou-se na carcomida fórmula do intervencionismo estatal para estimular empresas e setores selecionados.
Mais do que uma mera correção de rumos, há que buscar algum consenso em torno de uma agenda que permita ao país superar a pobreza e rumar a um padrão de renda elevado em 20 ou 30 anos.
É um desafio inadiável, tendo em vista a realidade demográfica que levará ao envelhecimento acelerado da população no período.
O Brasil precisa crescer de 3% a 3,5% ao ano de forma sustentada por ao menos duas décadas. Nesse cenário, a renda per capita se aproximaria da observada em países como Portugal e Espanha, configurando um salto civilizatório.
Para tanto, faz-se necessário um avanço mais vigoroso da produtividade de trabalhadores e empresas, que evolui a passos lentos e descontínuos desde os anos 1980.
O caminho é a melhora do ambiente de negócios, da infraestrutura e, sobretudo, da qualidade da mão de obra, por meio de treinamento e educação.
Ao menos três elementos devem lastrear essa estratégia. O primeiro é mais abertura econômica: há uma desproporção entre as dimensões do país e sua pífia participação no comércio internacional.
Sem estarem expostas à competição nos mercados globais, as empresas brasileiras não conseguirão ganhar escala produtiva e acesso às tecnologias mais avançadas —e o país terá severas dificuldades para cruzar a fronteira que separa os ricos dos remediados.
Também imperativa é uma ampla reforma do sistema de impostos, ainda que os objetivos sejam perseguidos de forma incremental.
Sem elevar a carga tributária, cumpre alterar sua distribuição, de modo a desonerar a atividade produtiva e simplificar o emaranhado de regras que trazem enorme contencioso jurídico.
A missão é mais difícil do que possa parecer, dados os interesses de setores hoje favorecidos por regimes especiais e de entes federativos que desejam preservar seu poder de arrecadação. Há uma negociação difícil pela frente, que terá de ser liderada por Brasília.
Por fim, há a óbvia necessidade de redesenhar as prioridades e o alcance do Estado. Os programas sociais, imprescindíveis, precisam se ajustar às possibilidades orçamentárias. Do contrário, alimenta-se uma dívida pública cujo custo acaba por solapar o desejado combate à pobreza.
Desmontar privilégios da alta burocracia, reformar a Previdência e privilegiar o provimento de educação, saúde, segurança e infraestrutura —todas essas ações, além de justas, teriam impacto altamente positivo na produtividade.
O pior da crise ficou para trás, mas nem de longe estão asseguradas as condições para um crescimento duradouro. Um debate franco sobre como buscá-las é o mínimo que se espera da eleição presidencial.
05 de março de 2018
Editorial Folha de SP
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