"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 5 de março de 2018

LIBERDADE, SUBSTANTIVO FEMININO

Pergunte a uma mulher o que ela inveja nos homens e a resposta provavelmente será fazer xixi em pé. Nada original, mas pense: não fosse isso, seria o quê?

Nossas avós e bisavós costumavam responder essa enquete dizendo "invejo a liberdade deles". Eram de outra época, ainda que contemporâneas da escritora e psicanalista Lou Andreas-Salomé (sugiro comemorar o Dia da Mulher assistindo ao filme Lou), que nasceu há 157 anos e que, muito antes da palavra empoderamento constar dos dicionários, já era dona da sua vontade. Ela sabia que convenção é uma abstração, e não um capataz com peso, altura, medida e um chicote nas mãos. O conjunto de costumes sociais é um acordo sem contrato. Facilita as relações, mas é passível de questionamento.

As convenções foram criadas por homens, logo, seus maiores beneficiários. Eram deles a prerrogativa de não ter horário para chegar em casa, não precisar dar explicação sobre seus passos, contratar, demitir, legislar. Ninguém controlava seu vocabulário nem o jeito que sentavam, nem com quem transavam. Qualquer escorregadela em seu comportamento era recebida com uma desculpa abonadora: homem é assim mesmo. "Assim mesmo" era seu habeas corpus. Um homem fora da curva costumava ser, no máximo, um exótico, um excêntrico, já uma mulher fora da curva era a doida, a sem vergonha. Ai de nossas avós se não andassem na linha, mesmo suspeitando o descompasso desse arranjo.

Isso foi na pré-história. Que mulher hoje precisaria invejar a liberdade de um homem? Apenas as que escolheram ficar dentro da prisão, mesmo estando a porta destrancada. A liberdade é excitante como fantasia, mas nem todas querem assumir a responsabilidade de suas escolhas. Uma vez acostumadas ao quadradinho conhecido, pode colocar a chave na mão delas que não saem, não. Ficam onde estão.

Lá fora tem empregos e demissões, tem viagens e tem penúria, tem paixão e tem sofrimento, tem escolhas acertadas e vacilos históricos, tem você sozinha e muito bem casada. A vertiginosa inconstância da vida, acessível a ambos os sexos.

Fazer xixi em pé? Nem nisso vejo vantagem - com a correria dos dias, poder sentar por 30 segundos é um luxo. Portanto, hoje estamos aptas a dar a mesma reposta que eles dão a este tipo de pesquisa (como bem lembrou Mirian Goldenberg em recente artigo). Quando perguntados o que invejam nas mulheres, eles naturalmente respondem: nada.

Melhor assim, sobra mais tempo para a admiração mútua. Liberdade não significa libertinagem, irresponsabilidade ou descompromisso. Ser livre não é um defeito, e sim uma virtude. É o que permite criar uma trajetória que não seja imitação de outras, ter uma existência com assinatura própria, enfim, ser uma pessoa absolutamente honesta e autêntica. Mulher é assim mesmo. Agora é.


05 de março de 1938
Martha Medeiros

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