Durante um mês, veremos a democracia representativa ser enxovalhada à luz do dia, sem qualquer pudor
O deputado cassado Eduardo Cunha está preso desde outubro de 2016, cumprindo pena por corrupção, mas seu “legado” como presidente da Câmara ainda se faz sentir. Foi ele o principal artífice da minirreforma política que permitirá aos atuais deputados federais trocarem de partido no período entre 7 de março e 7 de abril, sem nenhum tipo de punição.
Pode-se dizer que a tal emenda constitucional foi feita à imagem e semelhança de seu articulador. Aprovada em fevereiro de 2016, a medida permite que políticos eleitos pelo sistema proporcional possam mudar de partido no último ano de mandato, dentro de um período estipulado de 30 dias. Ou seja, abriu-se uma janela de oportunidade para que esses políticos possam perseguir de maneira explícita seus interesses pessoais, sem qualquer consideração pelo eleitor que o elegeu seu representante.
A troca de partido é feita de acordo com estratégias eleitoreiras. O parlamentar terá a chance de se juntar àquelas legendas que lhe ofereçam melhores condições de conquistar um novo mandato. Não há nada nessa negociação que se aproxime, nem remotamente, de alguma afinidade ideológica ou programática. Tudo o que importa – tanto para o político que está em busca de dinheiro e viabilidade eleitoral como para o partido que pretende engordar sua bancada prometendo a políticos de outros partidos um bom palanque e razoável financiamento – é melhorar as chances de vitória nas urnas. Essa vitória garante, para os partidos, as desejadas fatias do Fundo Partidário e do novo Fundo Eleitoral, dinheiro que alimentará essa engrenagem eleitoreira, criando uma espécie de moto-contínuo.
Tudo isso abastarda a representação parlamentar e partidária. Em nenhum momento desse arranjo se leva em conta o eleitor ou as instituições democráticas. A emenda aprovada sob a batuta de Eduardo Cunha cria um monstro constitucional. Conforme a Constituição (artigo 14, parágrafo 3.º, inciso V), uma das condições de elegibilidade é “filiação partidária”. Logo, quando um eleitor escolhe um candidato em eleição proporcional, está votando antes de mais nada em sua legenda, sem a qual o político nem poderia se candidatar. Foi isso o que entenderam tanto o Tribunal Superior Eleitoral como o Supremo Tribunal Federal em diversas decisões a respeito do tema desde 2008.
Segundo essas decisões, o político só poderia reivindicar o mandato ao mudar de partido se invocasse uma das seguintes causas, consideradas justas: a incorporação ou fusão de partidos, a criação de novo partido, a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação pessoal. Mas, com a emenda constitucional legada por Eduardo Cunha e seus sequazes, feita sob medida para quem não nutre senão uma relação utilitária com a democracia, tudo ficou mais simples para os políticos “infiéis”.
Assim, a partir da segunda semana de março, o País assistirá estupefato e impotente ao pornográfico “troca-troca partidário”. Durante um mês, veremos a democracia representativa ser enxovalhada à luz do dia, sem qualquer pudor. Conforme constatou reportagem do Estado, há até uma tabela de valores prometidos pelos partidos a parlamentares que se dispuserem a integrar seus quadros e, assim, aumentar sua participação nos fundos públicos destinados à atividade partidária, cujo porcentual é proporcional ao tamanho da bancada.
O MDB, por exemplo, promete repassar a cada deputado R$ 1,5 milhão para a campanha. Os senadores em busca de reeleição terão R$ 2 milhões. Legendas como PP, PR e PTB, segundo se diz, topam dar R$ 2,5 milhões para os deputados que vestirem suas camisas.
Com o veto às doações empresariais, tornou-se explícita a incapacidade da maioria dos atuais partidos de convencer seus eleitores a financiar suas campanhas, sobretudo porque grande parte dessas legendas não representa senão os interesses de seus donos. Na falta de criatividade e de compromisso cidadão, resta transformar o Congresso em feira livre, em que eleitores são tratados como bananas.
05 de março de 2018
Editorial Estadão
O deputado cassado Eduardo Cunha está preso desde outubro de 2016, cumprindo pena por corrupção, mas seu “legado” como presidente da Câmara ainda se faz sentir. Foi ele o principal artífice da minirreforma política que permitirá aos atuais deputados federais trocarem de partido no período entre 7 de março e 7 de abril, sem nenhum tipo de punição.
Pode-se dizer que a tal emenda constitucional foi feita à imagem e semelhança de seu articulador. Aprovada em fevereiro de 2016, a medida permite que políticos eleitos pelo sistema proporcional possam mudar de partido no último ano de mandato, dentro de um período estipulado de 30 dias. Ou seja, abriu-se uma janela de oportunidade para que esses políticos possam perseguir de maneira explícita seus interesses pessoais, sem qualquer consideração pelo eleitor que o elegeu seu representante.
A troca de partido é feita de acordo com estratégias eleitoreiras. O parlamentar terá a chance de se juntar àquelas legendas que lhe ofereçam melhores condições de conquistar um novo mandato. Não há nada nessa negociação que se aproxime, nem remotamente, de alguma afinidade ideológica ou programática. Tudo o que importa – tanto para o político que está em busca de dinheiro e viabilidade eleitoral como para o partido que pretende engordar sua bancada prometendo a políticos de outros partidos um bom palanque e razoável financiamento – é melhorar as chances de vitória nas urnas. Essa vitória garante, para os partidos, as desejadas fatias do Fundo Partidário e do novo Fundo Eleitoral, dinheiro que alimentará essa engrenagem eleitoreira, criando uma espécie de moto-contínuo.
Tudo isso abastarda a representação parlamentar e partidária. Em nenhum momento desse arranjo se leva em conta o eleitor ou as instituições democráticas. A emenda aprovada sob a batuta de Eduardo Cunha cria um monstro constitucional. Conforme a Constituição (artigo 14, parágrafo 3.º, inciso V), uma das condições de elegibilidade é “filiação partidária”. Logo, quando um eleitor escolhe um candidato em eleição proporcional, está votando antes de mais nada em sua legenda, sem a qual o político nem poderia se candidatar. Foi isso o que entenderam tanto o Tribunal Superior Eleitoral como o Supremo Tribunal Federal em diversas decisões a respeito do tema desde 2008.
Segundo essas decisões, o político só poderia reivindicar o mandato ao mudar de partido se invocasse uma das seguintes causas, consideradas justas: a incorporação ou fusão de partidos, a criação de novo partido, a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação pessoal. Mas, com a emenda constitucional legada por Eduardo Cunha e seus sequazes, feita sob medida para quem não nutre senão uma relação utilitária com a democracia, tudo ficou mais simples para os políticos “infiéis”.
Assim, a partir da segunda semana de março, o País assistirá estupefato e impotente ao pornográfico “troca-troca partidário”. Durante um mês, veremos a democracia representativa ser enxovalhada à luz do dia, sem qualquer pudor. Conforme constatou reportagem do Estado, há até uma tabela de valores prometidos pelos partidos a parlamentares que se dispuserem a integrar seus quadros e, assim, aumentar sua participação nos fundos públicos destinados à atividade partidária, cujo porcentual é proporcional ao tamanho da bancada.
O MDB, por exemplo, promete repassar a cada deputado R$ 1,5 milhão para a campanha. Os senadores em busca de reeleição terão R$ 2 milhões. Legendas como PP, PR e PTB, segundo se diz, topam dar R$ 2,5 milhões para os deputados que vestirem suas camisas.
Com o veto às doações empresariais, tornou-se explícita a incapacidade da maioria dos atuais partidos de convencer seus eleitores a financiar suas campanhas, sobretudo porque grande parte dessas legendas não representa senão os interesses de seus donos. Na falta de criatividade e de compromisso cidadão, resta transformar o Congresso em feira livre, em que eleitores são tratados como bananas.
05 de março de 2018
Editorial Estadão
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