Temer só é candidato a cumprir mandato sem a pecha de “pato manco”
Esse nosso Brasil anda tão virado na confusão que mesmo o velho hábito de políticos simularem desinteresse em disputar eleições até que a base de uma candidatura esteja razoavelmente firme foi invertido. A moda da estação é o lançamento (ao vento) de candidatos sem nenhuma preocupação com a consistência factual das respectivas pretensões.
E aí o que se vê é um espetáculo composto de meras aparências. Conviria ao eleitorado a precaução de não acreditar em tudo o que ouve, lê ou vê, porque nem os autores (ou seriam atores?) dessas histórias acreditam no material que produzem.
Os nomes dos pretensos postulantes à Presidência da República têm sido apresentados em cena de diversas formas: como afirmação, dúvida, insinuação, negação estratégica, hesitação tática, especulação, provocação ou em alguns casos todas as alternativas juntas e misturadas.
A mais recente encenação diz respeito ao projeto de Michel Temer de concorrer à reeleição. Não é crível que o marqueteiro presidencial, Elsinho Mouco, tenha afirmado logo após o anúncio da intervenção no Rio de Janeiro que Temer “já é candidato” por mero equívoco. O exercício bem treinado da visão estratégica é da função do moço. Os assessores palacianos desmentiram de imediato e, em seguida, o próprio presidente negou a pretensão.
Mas a ideia estava plantada — no sentido jornalístico de “plantação”, quando se divulga algo conveniente, mas não necessariamente verdadeiro. Mais um experimento. Qual a conveniência? Conferir um toque de substância às versões de que ao tomar o tema da segurança a pulso o presidente atende a uma demanda da sociedade e, com isso, entra no jogo eleitoral em condições competitivas.
Milagres sempre podem ocorrer, no campo celeste. Mas no mundo terrestre, onde prevalece a realidade, Michel Temer é apenas candidato a evitar a pecha de “pato manco”, presidente a meia bomba, até o fim do mandato. Nega a candidatura que ele sabe impossível, mas deixa o assunto no ar como se possibilidade houvesse de ser eleito.
Em terreno parecido transitam Henrique Meirelles e Rodrigo Maia. O ministro da Fazenda não tem voto nem onde buscá-lo, pois a recuperação da economia nas atuais dimensão e conjuntura não tem impacto eleitoral suficiente. Já o presidente da Câmara não tem razão para perder a chance de fazer uma boa festa no Rio onde impera o vácuo político/partidário.
E, para não dizer que não falamos da flor mais vistosa desse recesso do debate real, vamos a Luiz Inácio da Silva. Comandante de tropa existente apenas no imaginário de posições voluntaristas, sem os recursos de propaganda indispensáveis à prática das manipulações habituais e na iminência de na melhor hipótese tornar-se inelegível e, na pior, vir a habitar uma penitenciária, o ex-presidente é, no máximo, candidato ao inevitável ocaso.
Portanto, convém caminhar devagar com o andor em que por ora todos os santos têm pés de barro.
05 de março de 2018
Dora Kramer, Revista VEJA
Esse nosso Brasil anda tão virado na confusão que mesmo o velho hábito de políticos simularem desinteresse em disputar eleições até que a base de uma candidatura esteja razoavelmente firme foi invertido. A moda da estação é o lançamento (ao vento) de candidatos sem nenhuma preocupação com a consistência factual das respectivas pretensões.
E aí o que se vê é um espetáculo composto de meras aparências. Conviria ao eleitorado a precaução de não acreditar em tudo o que ouve, lê ou vê, porque nem os autores (ou seriam atores?) dessas histórias acreditam no material que produzem.
Os nomes dos pretensos postulantes à Presidência da República têm sido apresentados em cena de diversas formas: como afirmação, dúvida, insinuação, negação estratégica, hesitação tática, especulação, provocação ou em alguns casos todas as alternativas juntas e misturadas.
A mais recente encenação diz respeito ao projeto de Michel Temer de concorrer à reeleição. Não é crível que o marqueteiro presidencial, Elsinho Mouco, tenha afirmado logo após o anúncio da intervenção no Rio de Janeiro que Temer “já é candidato” por mero equívoco. O exercício bem treinado da visão estratégica é da função do moço. Os assessores palacianos desmentiram de imediato e, em seguida, o próprio presidente negou a pretensão.
Mas a ideia estava plantada — no sentido jornalístico de “plantação”, quando se divulga algo conveniente, mas não necessariamente verdadeiro. Mais um experimento. Qual a conveniência? Conferir um toque de substância às versões de que ao tomar o tema da segurança a pulso o presidente atende a uma demanda da sociedade e, com isso, entra no jogo eleitoral em condições competitivas.
Milagres sempre podem ocorrer, no campo celeste. Mas no mundo terrestre, onde prevalece a realidade, Michel Temer é apenas candidato a evitar a pecha de “pato manco”, presidente a meia bomba, até o fim do mandato. Nega a candidatura que ele sabe impossível, mas deixa o assunto no ar como se possibilidade houvesse de ser eleito.
Em terreno parecido transitam Henrique Meirelles e Rodrigo Maia. O ministro da Fazenda não tem voto nem onde buscá-lo, pois a recuperação da economia nas atuais dimensão e conjuntura não tem impacto eleitoral suficiente. Já o presidente da Câmara não tem razão para perder a chance de fazer uma boa festa no Rio onde impera o vácuo político/partidário.
E, para não dizer que não falamos da flor mais vistosa desse recesso do debate real, vamos a Luiz Inácio da Silva. Comandante de tropa existente apenas no imaginário de posições voluntaristas, sem os recursos de propaganda indispensáveis à prática das manipulações habituais e na iminência de na melhor hipótese tornar-se inelegível e, na pior, vir a habitar uma penitenciária, o ex-presidente é, no máximo, candidato ao inevitável ocaso.
Portanto, convém caminhar devagar com o andor em que por ora todos os santos têm pés de barro.
Dora Kramer, Revista VEJA
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