As novidades que o Congresso e o governo vêm introduzindo na legislação brasileira vão ecoar no futuro como o momento de um ataque sem piedade a qualquer coisa que possa parecer um anteparo do Estado aos menos favorecidos. O ponto culminante, até o momento, é a terceirização selvagem que, levada a efeito, pode acabar com a CLT e nos devolver ao período do laissez-faire, no qual o Estado se limitava a proteger o direito de propriedade.
Mas a coisa pode piorar ainda mais. Caso a articulação de Rodrigo Maia, Eunício Oliveira e o restante do baixo clero parlamentar seja bem-sucedida, teremos uma reforma política cujo propósito terá sido apenas o de assegurar o privilégio de foro a políticos que estão implicados no maior escândalo de corrupção do mundo em todos os tempos. E, claro, assegurar seus mandatos, uma vez que serão eles, os alvos da Lava Jato, que estarão escondidos por detrás do biombo das listas fechadas pegando carona no voto obscuro dos incautos.
Ou seja: para salvar a pele de políticos que sabem que estão condenados, eles próprios assaltam a representatividade democrática e mudam o sistema eleitoral para impedir que os eleitores os identifiquem e rejeitem na hora de consagrar o voto. É o que está acontecendo neste lindo País chamado Brasil.
É lícito e até recomendável que os brasileiros desconfiem dos argumentos que vêm sendo apontados para justificar coisas que não se justificam no mundo real. É justo que, com base nas falácias desfiadas até aqui, as pessoas não acreditem no que diz o governo quando assegura que a reforma previdenciária é um imperativo estrutural, quando uma parte da opinião pública entende que há fatores conjunturais que são inquestionavelmente importantes para a conformação do déficit atual. Ou alguém ignora que 14 ou 15 milhões de trabalhadores sem emprego, e portanto sem poder contribuir com o sistema, afundam qualquer arranjo orçamentário ?
Eu, pessoalmente, acredito que a Previdência precisa sim ser reformada. Mas não dá para começar a discussão estabelecendo privilégios para militares, funcionários públicos, políticos etc. Se é que deve haver sacrifícios, que a carga seja igualmente dividida entre todos. Porque vai ser muito difícil justificar para o trabalhador rural que peleja de sol a sol que ele, aos 80 anos, ainda não conseguirá se aposentar, enquanto o juiz e o barnabé continuarão recebendo proventos integrais e se aposentando aos 53, como aliás ocorreu com o atual Presidente da República.
Também não é possível exigir que o cidadão entenda que uma agência governamental, com a apoio da AGU, tente assaltar o bolso dos passageiros impondo-lhes o pagamento do despacho da bagagem, que ele já paga quando compra o bilhete mais caro do mundo para se deslocar daqui para ali de avião.
Parece cínico a ouvidos atentos que os que mandam no Poder no momento falem o tempo todo em retomada do desenvolvimento enquanto o Banco Central permite que a banca privada e a estatal continuem operando como agiotas, cobrando os juros mais caros do mundo e quebrando o setor produtivo da economia. Isso a despeito da inflação já estar abaixo do centro da meta. Ninguém se levanta para cobrar os R$ 100 bilhões que o Tesouro já pagou de juros nos três primeiros meses deste ano — a mesma importância que , segundo os áulicos do pós-liberalismo agora em voga, a Previdência drenou dos mesmos cofres.
Por que ninguém fala que esses juros inviabilizam tanto o País quanto a quebra da Previdência Social? Por que o Estado trabalha tanto em benefício de alguns e tão pouco em benefício dos mais vulneráveis, como os que chegaram ao fim do seu ciclo produtivo e necessitam de alguém que os ampare ? São indagações recheadas de significado, que podem levar ao deslindar dos objetivos deste governo, talvez deste ciclo da história.
O problema é que, como diz o Professor Leandro Karnal, as elites brasileiras estão se comportando como a da França de Luis XVI e a da Rússia de 1917. E a irritação das pessoas com mutretas como a admitida pelo relator da reforma política estão levando a população do desalento, que é passivo, à indignação, que gera luz e calor. O deputado Vicente Cândido não esconde que é possível anistiar de maneira irrestrita os crimes cometidos por seus colegas de parlamento. E se o povo mal tem pão, ora… Comam brioches!
A gente já viu no que deu isso em algum lugar da história, não viu ?
O único freio para esse processo é a pressão popular. Mas as pessoas estão desiludidas. Elas trabalharam para depor um governo que era corrupto e incompetente. E agora, estão pasmas diante do governo povoado de ladrões que se formou na sequência. As pessoas se sentem tolas e usadas, maltratadas em sua boa-fé e vilipendiadas em suas intenções. Mas até a prostração tem limites, certo ? Ou será que que os Luises Dezesseis e as Marias Antonietas de plantão não sabem disso ?
Não custa aos governantes ter um pouco de juízo para evitar o inevitável, se a trajetória não for alterada. O Presidente Michel Temer já antecipou que vetaria uma anistia ao caixa-dois se o Congresso teimasse em aprová-la. Como a anistia irrestrita de Vicente Cândido é muito pior, espera-se do Presidente que mantenha sua promessa. Sua simples reiteração já seria suficiente para refrear os ânimos dos líderes mais atrevidos dessa conjuração contra a ética e o soerguimento da boa política.
Encerro lembrando o velho Barão de Itararé. Donde nada se espera, daí é que não sai nada mesmo.
30 de março de 2017
in fabio pannunzio
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