“O PT está morto!”
“É o fim da era petista!”
“A esquerda, enfim, terá o que merece!”
Quantas vezes não se leu/ouviu estas frases, ou similares, no decorrer deste ano? Mesmo com a pior crise política desde o impeachment de Collor, a pior recessão desde o advento do Real e o governo mais inepto e corrupto da história do país, há espaço para otimismo na cabeça dos mais incautos. Infelizmente, essa esperança em relação ao fim do petismo e a um eminente enfraquecimento da esquerda é pura ilusão.
A última declaração de Lula sobre o Foro de São Paulo consolida um processo que já se anuncia há tempos e vem sendo percebido por um número cada vez maior de pessoas: o PT está se metamorfoseando, “trocando de pele”, para que sua natureza sobreviva, intacta e se possível mais forte.
Seja com a migração de petistas para outros partidos, como PSOL, PSTU e Rede, com a criação de novas ONGs e Institutos “apartidários”, veículos de comunicação “isentos e plurais”, o petismo como conteúdo e método sobrevive praticamente incólume à crise do governo Dilma. Por que?
Basicamente, porque boa parte dos brasileiros, embora não comungue do conteúdo petista, é useira e vezeira de seus métodos, a saber: oportunismo, carreirismo, fingimento, dissimulação, embromação, improviso, vitimização, pensamento e ação de curto prazo, ausência de visão estratégica e de mundo, pouca empatia com o próximo e o bem comum.
Num país onde tais valores vicejam como pasto, a hegemonia petista é decorrência natural. Estranho é o partido ter se fragilizado tanto, a ponto de ter sua existência ameaçada.
Uma hipótese para a derrocada petista, que está obrigando o partido a “trocar de pele”, é que Dilma desprezou um dos dogmas da esquerda: o esquerdismo é revolucionário, e a revolução sempre está em movimento. O esquerdista, por ser revolucionário, não se sustenta vinculado a instituições, instâncias públicas ou privadas, territórios ou nações. Ele deve estar sempre promovendo a revolução, em busca do futuro hipotético que nunca chega, pois é isso que justifica e garante seu poder e influência.
Quando a esquerda chega ao poder, assume responsabilidades de gestão e manutenção institucional incompatíveis com sua dinâmica. Aí restam-lhes duas alternativas: ou subjuga os demais poderes e órgãos de controle que deveriam lhe cobrar as responsabilidades institucionais, instituindo o autoritarismo, ou cria rotas de fuga dentro do governo, referências contra as quais o governante de esquerda e seus áulicos sempre podem investir, mantendo a dinâmica de movimento permanente, cujo resultado é o rebaixamento ou anulação das instituições, mas sem comprometar a aparência democrática.
Esta última alternativa foi a escolhida por Lula em seus dois mandatos: ao renunciar às propostas históricas do PT e nomear uma equipe econômica totalmente alheia aos reclamos ideológicos do partido, Lula construiu a “rota de fuga” ideal para tempos de bonança. O que era bom, o governo capitalizava; o que era ruim, era culpa das concessões neoliberais feitas ao mercado, que obrigou a nomeação de estranhos no ninho. Nem mesmo a substituição involuntária de Palocci por Mantega alterou este cenário. Enquanto Meirelles dava as ordens no Banco Central, Mantega era o bem-intencionado que tentava fazer a coisa certa, mas não tinha poder.
Aqui, um parênteses: chamar Pallocci de “rota de fuga” pode soar estranho, uma vez que o ex-ministro é petista de longa data. Mas é um petista do interior de São Paulo, mais especificamente, um petista de Ribeirão Preto. Cidade do interior paulista que não tem faculdade pública ou MST praticamente não tem esquerdista “orgânico” (até nisso, Ribeirão Preto é uma exceção, pois tem Faculdade de Filosofia da USP, como bem lembrou um leitor). Logo, os petistas do interior de São Paulo que não são oriundos de movimentos agrários ou de faculdades de humanas o são pelos métodos, e não por comungarem do mesmo conteúdo ideológico. Palocci é o exemplo acabado desta espécie de petista, que também é encontrada no interior dos estados da Região Sul. Adiante.
Dilma, desde o início do seu primeiro mandato, não adotou essa estratégia. Seu núcleo duro não tinha elementos estranhos ao petismo. Desde 2011, a gestão do que interessa no governo federal é 100% PT. No início, Dilma ainda capitalizou essa estratégia, com a versão da “faxina” que tirava os ocupantes de cargos oriundos de negociações fisiológicas. Depois, foram as desonerações, queda de juros, intervencionismos diversos na economia, tudo sustentado por um ciclo benfazejo da economia mundial que já anunciava seu fim.
Em 2014, com as evidências do fim do ciclo de bonança já saltando aos olhos, Dilma passou a “raspar o tacho” da economia, transformando resquícios de um modelo esgotado em prenúncio de um novo ciclo de aumento de emprego, renda e infraestrutura, tudo com o objetivo de obter a reeleição. Em paralelo, a demonização dos adversários estabelecia um cenário de “tudo ou nada” para os eleitores: ou mantinha-se Dilma, e as benesses se preservavam, ou todas as conquistas seriam perdidas, e o país iria pro buraco.
Dilma ganhou. O país foi pro buraco, e o governo não tinha uma rota de fuga por onde canalizar todas as responsabilidades. O petismo ficou acuado. Nunca antes na história desse país o PT tinha ficado sem discurso, seja na oposição, seja no poder. Sobrou-lhe apenas a tese do golpe, mas é muito pouco, diante de tantos fatos escabrosos vindos à tona com a lava-jato e da magnitude da recessão que, combinada com a inflação crescente, atingiu em cheio a vida cotidiana da população.
A carapaça do PT ficou velha, perdeu viço. O petismo já não convence mais como símbolo de mudança, como porta-voz do bem comum. Para manter-se influente e ocupando espaços, precisa mudar de estrutura, de cara, de endereço, para preservar os métodos e, principalmente, o conteúdo, ainda tão sedutor e convincente nos meios jornalísticos, acadêmicos e “bem-pensantes” do país.
É um movimento de esquerda, sem dúvida, mas que não limita-se a esse espectro ideológico. Organismos e instituições de alegado cunho liberal, conservador, social-democrata e até mesmo “apolíticos” colaboram com o sucesso dessa empreitada de mudança. São pessoas e grupos que compartilham a predileção pelos mesmos métodos e que, mesmo dizendo-se adversários ideológicos do petismo, não hesitam em colaborar com o projeto de poder do partido, dentro e fora do governo. Lawrence Pih, Antonio Luiz Seabra, Guilherme Afif Domingos, Henrique Meirelles são apenas alguns exemplos de aliados petistas que dizem não comungar de sua ideologia.
É esse movimento de transição, nem muito discreto, nem muito sutil, que estamos presenciando hoje em dia. Sem perder de vista a desgraceira diária causada pelo governo vigente, é nesse processo que devemos prestar atenção para um futuro próximo. Ou ele é exposto e combatido desde o início, ou repetiremos, pioradamente, os mesmos erros, garantindo ao petismo, mesmo fora do PT, mais alguns anos no poder.
08 de março de 2017
penso estranho
“É o fim da era petista!”
“A esquerda, enfim, terá o que merece!”
Quantas vezes não se leu/ouviu estas frases, ou similares, no decorrer deste ano? Mesmo com a pior crise política desde o impeachment de Collor, a pior recessão desde o advento do Real e o governo mais inepto e corrupto da história do país, há espaço para otimismo na cabeça dos mais incautos. Infelizmente, essa esperança em relação ao fim do petismo e a um eminente enfraquecimento da esquerda é pura ilusão.
A última declaração de Lula sobre o Foro de São Paulo consolida um processo que já se anuncia há tempos e vem sendo percebido por um número cada vez maior de pessoas: o PT está se metamorfoseando, “trocando de pele”, para que sua natureza sobreviva, intacta e se possível mais forte.
Seja com a migração de petistas para outros partidos, como PSOL, PSTU e Rede, com a criação de novas ONGs e Institutos “apartidários”, veículos de comunicação “isentos e plurais”, o petismo como conteúdo e método sobrevive praticamente incólume à crise do governo Dilma. Por que?
Basicamente, porque boa parte dos brasileiros, embora não comungue do conteúdo petista, é useira e vezeira de seus métodos, a saber: oportunismo, carreirismo, fingimento, dissimulação, embromação, improviso, vitimização, pensamento e ação de curto prazo, ausência de visão estratégica e de mundo, pouca empatia com o próximo e o bem comum.
Num país onde tais valores vicejam como pasto, a hegemonia petista é decorrência natural. Estranho é o partido ter se fragilizado tanto, a ponto de ter sua existência ameaçada.
Uma hipótese para a derrocada petista, que está obrigando o partido a “trocar de pele”, é que Dilma desprezou um dos dogmas da esquerda: o esquerdismo é revolucionário, e a revolução sempre está em movimento. O esquerdista, por ser revolucionário, não se sustenta vinculado a instituições, instâncias públicas ou privadas, territórios ou nações. Ele deve estar sempre promovendo a revolução, em busca do futuro hipotético que nunca chega, pois é isso que justifica e garante seu poder e influência.
Quando a esquerda chega ao poder, assume responsabilidades de gestão e manutenção institucional incompatíveis com sua dinâmica. Aí restam-lhes duas alternativas: ou subjuga os demais poderes e órgãos de controle que deveriam lhe cobrar as responsabilidades institucionais, instituindo o autoritarismo, ou cria rotas de fuga dentro do governo, referências contra as quais o governante de esquerda e seus áulicos sempre podem investir, mantendo a dinâmica de movimento permanente, cujo resultado é o rebaixamento ou anulação das instituições, mas sem comprometar a aparência democrática.
Esta última alternativa foi a escolhida por Lula em seus dois mandatos: ao renunciar às propostas históricas do PT e nomear uma equipe econômica totalmente alheia aos reclamos ideológicos do partido, Lula construiu a “rota de fuga” ideal para tempos de bonança. O que era bom, o governo capitalizava; o que era ruim, era culpa das concessões neoliberais feitas ao mercado, que obrigou a nomeação de estranhos no ninho. Nem mesmo a substituição involuntária de Palocci por Mantega alterou este cenário. Enquanto Meirelles dava as ordens no Banco Central, Mantega era o bem-intencionado que tentava fazer a coisa certa, mas não tinha poder.
Aqui, um parênteses: chamar Pallocci de “rota de fuga” pode soar estranho, uma vez que o ex-ministro é petista de longa data. Mas é um petista do interior de São Paulo, mais especificamente, um petista de Ribeirão Preto. Cidade do interior paulista que não tem faculdade pública ou MST praticamente não tem esquerdista “orgânico” (até nisso, Ribeirão Preto é uma exceção, pois tem Faculdade de Filosofia da USP, como bem lembrou um leitor). Logo, os petistas do interior de São Paulo que não são oriundos de movimentos agrários ou de faculdades de humanas o são pelos métodos, e não por comungarem do mesmo conteúdo ideológico. Palocci é o exemplo acabado desta espécie de petista, que também é encontrada no interior dos estados da Região Sul. Adiante.
Dilma, desde o início do seu primeiro mandato, não adotou essa estratégia. Seu núcleo duro não tinha elementos estranhos ao petismo. Desde 2011, a gestão do que interessa no governo federal é 100% PT. No início, Dilma ainda capitalizou essa estratégia, com a versão da “faxina” que tirava os ocupantes de cargos oriundos de negociações fisiológicas. Depois, foram as desonerações, queda de juros, intervencionismos diversos na economia, tudo sustentado por um ciclo benfazejo da economia mundial que já anunciava seu fim.
Em 2014, com as evidências do fim do ciclo de bonança já saltando aos olhos, Dilma passou a “raspar o tacho” da economia, transformando resquícios de um modelo esgotado em prenúncio de um novo ciclo de aumento de emprego, renda e infraestrutura, tudo com o objetivo de obter a reeleição. Em paralelo, a demonização dos adversários estabelecia um cenário de “tudo ou nada” para os eleitores: ou mantinha-se Dilma, e as benesses se preservavam, ou todas as conquistas seriam perdidas, e o país iria pro buraco.
Dilma ganhou. O país foi pro buraco, e o governo não tinha uma rota de fuga por onde canalizar todas as responsabilidades. O petismo ficou acuado. Nunca antes na história desse país o PT tinha ficado sem discurso, seja na oposição, seja no poder. Sobrou-lhe apenas a tese do golpe, mas é muito pouco, diante de tantos fatos escabrosos vindos à tona com a lava-jato e da magnitude da recessão que, combinada com a inflação crescente, atingiu em cheio a vida cotidiana da população.
A carapaça do PT ficou velha, perdeu viço. O petismo já não convence mais como símbolo de mudança, como porta-voz do bem comum. Para manter-se influente e ocupando espaços, precisa mudar de estrutura, de cara, de endereço, para preservar os métodos e, principalmente, o conteúdo, ainda tão sedutor e convincente nos meios jornalísticos, acadêmicos e “bem-pensantes” do país.
É um movimento de esquerda, sem dúvida, mas que não limita-se a esse espectro ideológico. Organismos e instituições de alegado cunho liberal, conservador, social-democrata e até mesmo “apolíticos” colaboram com o sucesso dessa empreitada de mudança. São pessoas e grupos que compartilham a predileção pelos mesmos métodos e que, mesmo dizendo-se adversários ideológicos do petismo, não hesitam em colaborar com o projeto de poder do partido, dentro e fora do governo. Lawrence Pih, Antonio Luiz Seabra, Guilherme Afif Domingos, Henrique Meirelles são apenas alguns exemplos de aliados petistas que dizem não comungar de sua ideologia.
É esse movimento de transição, nem muito discreto, nem muito sutil, que estamos presenciando hoje em dia. Sem perder de vista a desgraceira diária causada pelo governo vigente, é nesse processo que devemos prestar atenção para um futuro próximo. Ou ele é exposto e combatido desde o início, ou repetiremos, pioradamente, os mesmos erros, garantindo ao petismo, mesmo fora do PT, mais alguns anos no poder.
08 de março de 2017
penso estranho
Nenhum comentário:
Postar um comentário