"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 8 de março de 2017

CENTRO-ESQUERDA DA REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 INSPIROU A SOCIAL-DEMOCRACIA





Em 1914, as alemãs lutavam pelo voto feminino
Os bolcheviques de Petrogrado (São Petersburgo) tinham decidido que não era hora de deflagrar greves no 8 de março de 1917 (23 de fevereiro, no antigo calendário juliano), pois “o partido não estava bastante forte, e o contato entre os soldados e os operários ainda era bastante deficiente” (Trotsky, “A história da Revolução Russa”).
Mas aquele era o Dia Internacional da Mulher, e as operárias têxteis desobedeceram os líderes comunistas, decretaram greve e enviaram delegadas aos metalúrgicos, arrastando-os para o movimento. Ali, começou a Revolução de Fevereiro: as jornadas de insurreição popular que desembocariam na renúncia do czar (imperador).
Como atesta a queda da Bastilha, em 1789, os líderes políticos são, às vezes, conduzidos por um turbilhão que não controlam. Contudo, na Rússia de 1917, como na França do anoitecer do século 18, o rumo geral das revoluções é configurado no campo de batalha das ideias.
DIVISÃO POLÍTICA – Os partidos de centro e centro-esquerda — que, após a abdicação de Nicolau 2º, constituíram o governo provisório — imaginavam a Rússia como uma democracia constitucional e parlamentar. O fracasso do governo provisório — esmagado sob o peso da guerra, do caos econômico e do desastre social — é decisivo, mas não suficiente, para entender o advento da ditadura comunista.
Os marxistas russos dividiram-se, em 1903, entre bolcheviques e mencheviques. A cisão aprofundou-se e adquiriu dimensão internacional em 1914, diante do dilema de apoiar os governos na guerra europeia ou transformar a guerra em revolução.
Entretanto, sob Lênin, os bolcheviques tinham se acostumado a pensar o futuro da Rússia como um drama em dois grandes atos separados por um hiato de décadas. No primeiro, a “revolução burguesa”, o absolutismo czarista seria substituído pela república democrática. No segundo, a “revolução proletária”, o poder socialista tomaria o lugar da república democrática. Nada, nesse esquema, autorizava uma tentativa de “acelerar a História” por meio de uma segunda revolução.
MUDANÇA DE RUMO – Lênin, porém, mudou bruscamente de rumo em abril de 1917. De volta do exílio, depois de atravessar os territórios controlados pela Alemanha num trem blindado providenciado pelos alemães, anunciou a palavra de ordem “todo o poder aos sovietes”.
Inclinando-se às teses de Trotsky sobre a “revolução permanente”, o chefe comunista desistia do hiato entre democracia e socialismo. O “poder aos sovietes” (conselhos operários) era a senha para a derrubada do governo provisório pelos bolcheviques. A perspectiva de uma Rússia parlamentar, pluripartidária, desaparecia do horizonte revolucionário.
Na noite de 7 de novembro (25 de outubro), o partido de Lênin tomou o Palácio de Inverno. A Revolução de Outubro não foi um levante popular, mas uma operação militar conduzida pelos soldados do regimento de Petrogrado e pelos marinheiros da base de Kronstadt, que obedeciam ao comando bolchevique.
CONGRESSO DOS SOVIETES – Inaugurava-se, no dia seguinte, o Congresso Pan-Russo dos Sovietes, uma assembleia nacional de delegados operários. Os bolcheviques tinham a maioria nesse estrato minoritário da população russa. Segundo o roteiro previsto, os sovietes avalizaram o governo comunista instalado horas antes.
O “poder aos sovietes” significava, de fato, a ditadura do partido revolucionário.
Uma Assembleia Constituinte foi eleita em 25 de novembro. Sua convocação era um dos raros consensos entre os partidos anti-czaristas. Mas, do ponto de vista bolchevique, ela representava uma relíquia do esquema anterior ao retorno de Lênin.
MAIORIA MODERADA – Na Constituinte, a maioria alinhava-se com os partidos de centro-esquerda (socialistas-revolucionários e mencheviques). Os bolcheviques e seus aliados tinham menos de um terço dos deputados.
Lênin exortou os constituintes a referendarem as decisões dos sovietes, abrindo mão da soberania popular. Frente à esperada negativa, dissolveram a Assembleia à força. Os comunistas não precisavam ter o apoio da maioria: bastava-lhes a companhia das “leis da História”.
De abril a novembro, a esquerda bifurcou-se em duas correntes irreconciliáveis. Lênin condenou os mencheviques à “lata de lixo da História”. Sem saber, inaugurava, com aquelas palavras, a distopia totalitária do stalinismo.
Já os derrotados mencheviques inspiraram a social-democracia europeia. Cem anos depois de Fevereiro, a tradição deles ainda faz parte do diálogo político relevante. Não se pode dizer o mesmo do leninismo.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – Mais um excelente artigo de Demétrio Magnoli, que precisa ser lido por todos aqueles que ainda pensam que não existem comunistas democratas.   Os mencheviques (significado: adeptos da minoria) eram a facção moderada do Partido Operário Social-Democrata da Rússia. Os pensadores Marx e Engels eram fervorosos defensores da liberdade de imprensa. Se fossem russos e estivessem vivos em 1917, seriam mencheviques e acabariam  presos e exilados na Sibéria. Já escrevi sobre isso na década de 70, na Revista Nacional, e meus artigos foram discutidos na Escola Superior de Guerra. Considero os militares brasileiros como neomencheviques. Praticamente todos eles têm um viés totalmente social-democrata, embora muitos nem percebam e percam tempo defendendo o capitalismo.  Mas isso é outro assunto. (C.N.)


08 de março de 2017
Demétrio Magnoli
Folha

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