Ai, ai…
Sempre é bom coletar evidências de nossas teses.
Este blog sempre afirmou que a direita brasileira possui dois flagelos: (1) a negação da política, (2) a fé cega na crença. A partir da fé cega na crença, o indivíduo começa a dizer que seu adversário socialista “errou” quando na verdade… ele acertou. O problema é que o acerto dele – mesmo que seja totalmente imoral – não é percebido. A partir daí, a conversa geralmente vira papo de maluco.
Por exemplo, quando alguém vende um bilhete premiado falso da loteria e engana sua vítima, isso não significa que o fraudador “errou no projeto de transformar o comprador num milionário”, mas acertou taticamente em sua intenção imoral de surrupiar o dinheiro de seu alvo. Quando um sujeito estupra mulher, ele não “errou no projeto de deixá-la com boas lembranças de uma sedução”, mas levou a cabo sua real intenção: praticar uma violência que traumatizaria sua vítima. Após a morte de Fidel Castro, sabemos que ele não “errou no projeto de criar uma sociedade próspera e sem classes”, mas acertou em sua intenção de criar um curral de gente para que ele pudesse se aproveitar do povo e viver como um nababo.
Sem a fé cega na crença, vemos as pessoas como elas são, ao invés de cairmos nas superfícies de discursos que normalmente nos levam à interpretação infantil dos fatos. Como diria Lênin, quem tem crença em discurso nem sequer participa de verdade da política.
Um dos fatores para compreender como podemos nos livrar da fé cega na crença é entender o que podemos chamar de segundo padrão do fraudador. É bem simples: todo fraudador possui dois modos de operação. No primeiro, ele aplica sua fraude. No segundo, após ser descoberto, ele tentará convencer o público de ter “errado”. E para que ele faz isso? É que ele compreende que as sanções morais e legais aplicadas a alguém que “errou” são muito menores do que aquelas aplicadas a quem tem dolo. Muito provavelmente por isso os socialistas tenham historicamente convencido algumas pessoas de direita a dizerem que eles “erraram” ou que “o socialismo errou”.
Mas não podemos cair no truque: não podemos ser vítimas de um fraudador, mas, quando ele é pego com a boca na botija, igualmente não podemos rotulá-lo de “enganado”. Precisamos apontar a fraude.
E eis que a Odebrecht estará publicando nesta sexta (2) um pedido de desculpas pelos atos de corrupção que praticou e que levaram a companhia a assinar o maior acordo de leniência já feito no mundo, no valor de R$ 6,7 bilhões. Levando em conta os juros que serão aplicados durante os 20 anos nos quais a multa foi parcelada, o desembolso vai superar R$ 8,5 bilhões.
O texto utiliza vários métodos de controle de frame, a começar pela substituição da palavra corrupção por “práticas impróprias”. Mas o frame mais importante (e desonesto) é a adoção do segundo padrão do fraudador. A nota tem o título: “Desculpe, a Odebrecht errou”.
Tem mais: “Foi um grande erro, uma violação dos nossos próprios princípios, uma agressão a valores consagrados de honestidade e ética. Não admitiremos que isso se repita”.
Claro que não foi erro. Assim como o socialismo não foi “um erro”. Acreditar que a Odebrecht “errou” é fé cega na crença, tanto quanto acreditar que “o socialismo fracassou”.
A Odebrecht sabia exatamente o que estava fazendo. Ela ganhou muita grana com a corrupção. Após ser pega e não ter mais escapatória, agora vem com a conversinha de “desculpe, erramos”, mas só poderíamos aceitar qualquer desculpa se eles não lançassem o segundo padrão do fraudador. Eles seriam honestos se dissessem algo do tipo: “Desculpe, nós aplicamos até o fim um padrão de corrupção, em alinhamento com um projeto totalitário de poder, que iria transformá-los em escravos. Vocês iriam ser condenados ao racionamento de alimentos, desemprego endêmico, destruição de sua liberdade e ao aprisionamento de divergentes. Tudo era parte do projetão. Não foi um erro. Tudo foi planejado. Se aconteceu um erro, ele foi apenas no nível tático, pois não conseguimos transformar vocês em gado dentro de um curral, como vivem os cubanos e venezuelanos. Agora pedimos desculpas, pois não faremos isso de novo, por que ficou mais difícil de fazer”.
Mas como tentaram enganar o povo com a narrativa farsesca dizendo “ah, eu errei”, eles não merecem perdão.
E que fique a lição: nunca, por hipótese alguma, chame seu oponente fraudador de “enganado” ou de alguém “que errou”. Isso é tudo que ele quer. Ele depende deste frame – quando é pego – para se sair bem.
02 de dezembro de 2016
in ceticismo político
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