A iniciativa de inviabilizar a Operação Lava Jato está em curso desde que o doleiro Alberto Youssef foi preso e decidiu fazer delação premiada, junto com Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, em 2014. A primeira tentativa foi primária e patética. Com a cumplicidade de funcionários da Polícia Federal ou terceirizados que prestam serviço à corporação em Curitiba, foi instalado um aparelho ilegal de escuta na cela de Youssef, para possibilitar a anulação do inquérito contra ele. Mas o equipamento era completamente obsoleto, há tempos tinha sido abandonado pela Polícia Federal, a armação caiu no ridículo.
MARCELO ODEBRECHT – As manobras somente se tornaram mais profissionais quando Marcelo Odebrecht foi preso, em junho de 2015. No início, o empreiteiro tinha convicção de que facilmente conseguiria a liberdade com apoio dos grandes criminalistas contratados por seu pai, o patriarca Emilio Odebrecht, e achava que os outros empresários também logo seriam soltos.
Mas foi uma ilusão. Os advogados não contavam com a invulgar capacidade profissional do juiz Sergio Moro, que acumulara larga experiência no processo do Banestado, era profundo conhecedor da Operação Mãos Limpas na Itália e sabia exatamente como deveria proceder para ir derrubando os sucessivos recursos apresentados pelas defesas dos empreiteiros.
APOIO DE DILMA – No desespero, a família Odebrecht recorreu diretamente à então presidente Dilma Rousseff, pedindo-lhe que escolhesse para integrar o Superior Tribunal de Justiça o desembargador federal Marcelo Navarro Dantas, que Lula nomeara em 2003 para o Tribunal Federal Regional da 5ª Região, pelo chamado “quinto constitucional”.
A manobra era perfeita. Assim que Dilma publicasse no Diário Oficial a nomeação do novo ministro do Superior Tribunal de Justiça, a defesa imediatamente apresentaria pedido de habeas corpus em favor de Marcelo Odebrecht e de outro empreiteiro, e o pedido automaticamente iria parar no gabinete de Navarro Dantos, porque o Regimento do STJ determina que o mais novo ministro é sempre indicado relator do primeiro caso que surgir após sua posse.
O plano era perfeito, mas vazou. A notícia sobre a armação palaciana saiu em diversos órgãos de imprensa, inclusive aqui na “Tribuna da Internet”. Quando Navarro Dantas apresentou o entusiástico parecer aceitando a soltura dos réus, os demais ministros de sua Turma no STJ já sabiam de tudo e recusaram por unanimidade.
DILMA INVESTIGADA – Em agosto de 2015, ao pedir ao Supremo a abertura de inquérito contra a presidente da República por obstrução à Justiça no caso da indicação de Lula para a Casa Civil, o procurador-geral Rodrigo Janot acrescentou à denúncia a tentativa de libertar os empreiteiros com ajuda do ministro Navarro Dantas, vejam a que ponto chegou a esculhambação institucional neste país, pois o ministro Francisco Falcão, que presidia o STJ, também estava envolvido, sua participação está sendo investigado e recentemente ele até pediu licença funcional de 120 dias.
Foi assim que o sonho acabou e Marcelo Odebrecht afinal decidiu requerer a mais esperada delação premiada da Lava Jato, que vai incriminar a maior parte dos caciques dos grandes partidos, inclusive os ex-presidentes Lula e Dilma, com os quais a família Odebrecht se entendia diretamente, e também vai atingir o atual presidente Michel Temer, que foi beneficiado direta ou indiretamente com caixa 2, pelo que se sabe até agora.
OPERAÇÃO ABAFA – Diante da inevitável delação da Odebrecht, o pânico invadiu a cúpula dos grandes partidos e abalou o próprio Planalto. E surgiu a chamada Operação Abafa, que seguiria o mesmo modelo adotado na Itália para impedir o prosseguimento da Mãos Limpas, através da aprovação de projetos que anistiassem os crimes e impedissem novas punições.
Com apoio irrestrito dos presidentes da Câmara e Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), e sinal verde do Planalto, logo foram apresentados os três principais projetos (anistia ao caixa 2, abuso de autoridade e acordos de leniência), com alguns penduricalhos, como a proibição de gravações por mais de 15 dias.
A FORÇA DA INTERNET – Acontece que a inviabilização da Operação Mãos Limpas só ocorreu na Itália porque naquela época não havia internet. Hoje, essas manobras de bastidores logo caem em domínio público. Foi por isso que a Câmara teve de se reunir de madrugada para dar o primeiro bote, mas a reação foi tão forte que 12 horas depois a maioria absoluta do Senado (44 votos a 14, com uma abstenção) vetava a “urgência urgentíssima” requerida pelos caciques partidários.
O fato concreto e indiscutível é que não há clima nem condições para levar adiante a Operação Abafa, que agora está condenada ao fracasso. Sem a menor dúvida, não haverá anistia ao caixa 2, conforme o próprio Temer já prometeu. Além disso, o projeto sobre abuso de autoridade será mitigado pelo relator Roberto Requião (PMDB-PR), que é muito experiente e sabe que confrontar a opinião pública é suicídio político. Por fim, a garantia de impunidade através de acordo de leniência também será recusada.
Os políticos brasileiros enfim perceberam que hoje não existe nada mais importante do que a internet. E o resto é silêncio, como diria o genial escritor Érico Veríssimo.
###
PS – Requião anunciou que vai recusar a sugestão do juiz Sérgio Moro, de incluir um artigo que preserve a independência dos juízes. A proposta do magistrado é excelente, Requião perdeu uma boa oportunidade de ficar calado. Certamente, algum senador há de reapresentar a sugestão de Moro como emenda em separado. E vamos torcer para que seja aprovada. (C.N.)
02 de dezembro de 2016
Carlos Newton
Nenhum comentário:
Postar um comentário