Depois de ter falado com propriedade e sobriedade na cerimônia da ONU que celebrava a assinatura do acordo do clima de Paris, a presidente Dilma foi passear por Nova York e ver uma exposição de Degas no MoMA. Alguma coisa aconteceu nesse percurso, pois, ao retornar à embaixada brasileira, Dilma retomou o discurso que havia desmentido pela manhã, e se disse, em entrevista coletiva, vítima de um golpe no Brasil.
Os não brasileiros devem ter se espantado com uma presidente que, prestes a ser derrubada por um golpe em seu país, tem uma agenda tão agradável em Nova York, além de todas as mordomias inerentes ao cargo presidencial à sua disposição. E se é assim, a presidente golpeada vai retornar ao Brasil ou pedirá asilo político?
O país é o mesmo, esse que é golpista à tarde, e pela manhã é uma “pujante democracia”? Dilma dissera do púlpito da ONU que o Brasil vive um “grave momento”, mas que, “a despeito disso (...) é um grande país, com uma sociedade que soube vencer o autoritarismo e construir uma pujante democracia. Nosso povo é um povo trabalhador e com grande apreço pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas, impedir quaisquer retrocessos. Sou grata a todos os lideres que expressaram a mim sua solidariedade.”
Parecia uma análise sensata do “grave momento”, embora a mensagem cifrada não deixasse os interlocutores estrangeiros muito informados do que estaria se passando nesse “grande país”. É claro que Dilma, quando disse que o “povo trabalhador com grande apreço pela liberdade” impediria “quaisquer retrocessos”, falava dela mesma, e não do retrocesso que ela representa, na opinião da oposição, que hoje é amplamente majoritária no Congresso e na sociedade.
Enquanto mandava sua mensagem cifrada na ONU, e a explicitava novamente na entrevista, dois vice-líderes do governo no Senado anunciavam a disposição de aderir ao “golpe” e votar a favor da admissibilidade do processo de impeachment no Senado. Já existe, de largada, praticamente o quorum exigido para condená-la em definitivo. Hoje 51 senadores já se posicionaram a favor do impeachment nessa primeira fase, quando seriam necessários 41. E, para a condenação definitiva, há a necessidade de um quorum qualificado de 54 senadores.
Mas a presidente, flanando por Nova York com uma comitiva de 52 pessoas, insiste em afirmar que está sendo vítima de um golpe. Alertada de que incorreria em grave erro diplomático e político se usasse os poucos minutos na tribuna da ONU para falar do suposto golpe, a presidente Dilma portou-se como Chefe de Estado durante mais de sete minutos, falando sobre a intenção de seu governo de levar adiante uma política de redução da emissão de carbono.
No último minuto, não resistiu e abordou lateralmente o “golpe” de que se considera vítima, mas não ousou dizer esse nome, como se a liturgia do momento a impedisse de faltar com a verdade. Depois, em entrevista, voltou ao tom de luta política, anunciando que resistiria até o fim contra o “golpe”.
É uma atitude paradoxal que ela mesma buscou, já que havia anunciado que não iria a Nova York para não deixar o “traidor” do Temer assumir o lugar, mesmo temporariamente. Dentro dessa estratégia de denunciar o “golpe”, faria mais sentido.
Depois, num arroubo revolucionário, decidiu que denunciaria da ONU esse “golpe”, e lá se foi com uma enorme comitiva para Nova York, no avião presidencial, deixando por aqui o vice, que anunciou aos jornalistas estrangeiros estar perturbado com a acusação de traidor, mas pronto para assumir o cargo que a Constituição lhe reserva. E ficamos nós, graças à incapacidade de Dilma de agir de maneira coerente e de organizar suas ideias com clareza, expostos ao mundo como uma sociedade pungente e democrática, mas que está prestes a cometer um crime de lesa pátria destituindo-a da Presidência.
A única explicação, para raposas políticas que avaliam o cenário político, é que Dilma estaria preparando o terreno para um possível asilo político, se não para ela própria, talvez para Lula, que já teria sido oferecido pelo ex-presidente uruguaio Pepe Mujica.
24 de abril de 2016
Merval Pereira, O Globo
Os não brasileiros devem ter se espantado com uma presidente que, prestes a ser derrubada por um golpe em seu país, tem uma agenda tão agradável em Nova York, além de todas as mordomias inerentes ao cargo presidencial à sua disposição. E se é assim, a presidente golpeada vai retornar ao Brasil ou pedirá asilo político?
O país é o mesmo, esse que é golpista à tarde, e pela manhã é uma “pujante democracia”? Dilma dissera do púlpito da ONU que o Brasil vive um “grave momento”, mas que, “a despeito disso (...) é um grande país, com uma sociedade que soube vencer o autoritarismo e construir uma pujante democracia. Nosso povo é um povo trabalhador e com grande apreço pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas, impedir quaisquer retrocessos. Sou grata a todos os lideres que expressaram a mim sua solidariedade.”
Parecia uma análise sensata do “grave momento”, embora a mensagem cifrada não deixasse os interlocutores estrangeiros muito informados do que estaria se passando nesse “grande país”. É claro que Dilma, quando disse que o “povo trabalhador com grande apreço pela liberdade” impediria “quaisquer retrocessos”, falava dela mesma, e não do retrocesso que ela representa, na opinião da oposição, que hoje é amplamente majoritária no Congresso e na sociedade.
Enquanto mandava sua mensagem cifrada na ONU, e a explicitava novamente na entrevista, dois vice-líderes do governo no Senado anunciavam a disposição de aderir ao “golpe” e votar a favor da admissibilidade do processo de impeachment no Senado. Já existe, de largada, praticamente o quorum exigido para condená-la em definitivo. Hoje 51 senadores já se posicionaram a favor do impeachment nessa primeira fase, quando seriam necessários 41. E, para a condenação definitiva, há a necessidade de um quorum qualificado de 54 senadores.
Mas a presidente, flanando por Nova York com uma comitiva de 52 pessoas, insiste em afirmar que está sendo vítima de um golpe. Alertada de que incorreria em grave erro diplomático e político se usasse os poucos minutos na tribuna da ONU para falar do suposto golpe, a presidente Dilma portou-se como Chefe de Estado durante mais de sete minutos, falando sobre a intenção de seu governo de levar adiante uma política de redução da emissão de carbono.
No último minuto, não resistiu e abordou lateralmente o “golpe” de que se considera vítima, mas não ousou dizer esse nome, como se a liturgia do momento a impedisse de faltar com a verdade. Depois, em entrevista, voltou ao tom de luta política, anunciando que resistiria até o fim contra o “golpe”.
É uma atitude paradoxal que ela mesma buscou, já que havia anunciado que não iria a Nova York para não deixar o “traidor” do Temer assumir o lugar, mesmo temporariamente. Dentro dessa estratégia de denunciar o “golpe”, faria mais sentido.
Depois, num arroubo revolucionário, decidiu que denunciaria da ONU esse “golpe”, e lá se foi com uma enorme comitiva para Nova York, no avião presidencial, deixando por aqui o vice, que anunciou aos jornalistas estrangeiros estar perturbado com a acusação de traidor, mas pronto para assumir o cargo que a Constituição lhe reserva. E ficamos nós, graças à incapacidade de Dilma de agir de maneira coerente e de organizar suas ideias com clareza, expostos ao mundo como uma sociedade pungente e democrática, mas que está prestes a cometer um crime de lesa pátria destituindo-a da Presidência.
A única explicação, para raposas políticas que avaliam o cenário político, é que Dilma estaria preparando o terreno para um possível asilo político, se não para ela própria, talvez para Lula, que já teria sido oferecido pelo ex-presidente uruguaio Pepe Mujica.
24 de abril de 2016
Merval Pereira, O Globo
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