Por que os técnicos concursados não denunciaram as pedaladas fiscais antes do TCU?
Em dezembro do ano passado, a jornalista Leandra Peres publicou, no “Valor Econômico”, umareportagem sobre a relação entre funcionários da Secretaria do Tesouro Nacional e o então secretário Arno Augustin. Se Dilma Rousseff é a mãe das pedaladas fiscais, Arno é o padrinho.
A reportagem é uma ótima ilustração da relação conflituosa que define políticas públicas em qualquer lugar do mundo: aquela entre políticos (eleitos, legitimados pelo voto popular) e técnicos (concursados, legitimados pela nomeação impessoal, fundamentada em critérios meritocráticos).
Está claro que uma democracia precisa tanto de um quanto de outro. Mas os técnicos não podem ser considerados meros auxiliares de um projeto político democraticamente eleito. Têm, também, responsabilidade com relação ao uso do Estado para fins meramente eleitorais – como é o caso da contabilidade criativa e das pedaladas fiscais.
De acordo com a reportagem de Leandra Peres, funcionários de alto escalão da Secretaria do Tesouro Nacional contestaram, em reuniões internas com Arno Augustin, as principais decisões relativas à política fiscal do governo. Segundo ela, “O processo decisório do governo Dilma foi marcado pela aversão ao dissenso. Ministros e servidores que participaram de decisões importantes descrevem reuniões longas, com 30 ou 40 participantes, em que questionamentos técnicos eram considerados afrontas ao projeto do governo e davam margem a broncas, em vez de discussões”.
Em reunião realizada em novembro de 2013, Arno foi alertado sobre o risco de downgrade do país pelas agências classificadoras de risco, bem como sobre as consequências nefastas da política fiscal expansionista, maquiada pelas criminosas “pedaladas” (empréstimos forçados de bancos públicos para o Tesouro federal com o objetivo de sinalizar um falso superávit primário).
(Para uma explicação completíssima sobre contabilidade criativa e as pedaladas fiscais, vejam a série de textos do economista Mansueto Almeida sobre o assunto: parte 1, parte 2 , parte 3 , parte 4 , parte 5,parte 6, parte 7, parte 8 e parte 9.)
Um livro interessantíssimo de John Brehm e Scott Gates, intitulado “Working, Shirking, and Sabotage: bureaucratic response to a democratic public”, é útil para pensar o assunto. Eles argumentam, conforme o título do livro, que são três as atitudes possíveis de funcionários públicas: trabalhar, enrolar ou sabotar.
“Trabalhar” é atuar no sentido que Max Weber queria: técnicos concursados usam seu conhecimento para implementar as políticas desejadas pela maioria dos cidadãos, propostas pelos representantes eleitos. “Enrolar” é discretamente deixar de implementar a legislação aprovada.
“Sabotar” é fazer o contrário do que os representantes eleitos desejam, normalmente por discordância ideológica (como no caso da Environmental Protection Agency sob Ronald Reagan). Pode ser, também, que burocratas que têm contato direto com cidadãos façam isso. Digamos que eu seja um policial enviado para circular em determinado bairro. Se eu considerar que este bairro já está bastante seguro (ou, pior ainda, se eu não quiser por algum outro motivo que ele fique seguro), posso ir para outro, desobedecendo meu superior – e, claro, arcando com as consequências caso este descubra.
Por que os técnicos da Secretaria do Tesouro Nacional não alertaram o público em 2013, de modo amplo? Difícil dizer. Mas é provável que tenham tido medo demais das possíveis sanções. Afinal, de acordo com a reportagem de Leandra Peres, Arno Augustin ameaçou punir vazamentos de informações com processos disciplinares.
O resultado da política econômica equivocada e a cumplicidade dos técnicos concursados? Recessão inédita e impeachment da presidente.
24 de abril de 2016
Sérgio Praça
Em dezembro do ano passado, a jornalista Leandra Peres publicou, no “Valor Econômico”, umareportagem sobre a relação entre funcionários da Secretaria do Tesouro Nacional e o então secretário Arno Augustin. Se Dilma Rousseff é a mãe das pedaladas fiscais, Arno é o padrinho.
A reportagem é uma ótima ilustração da relação conflituosa que define políticas públicas em qualquer lugar do mundo: aquela entre políticos (eleitos, legitimados pelo voto popular) e técnicos (concursados, legitimados pela nomeação impessoal, fundamentada em critérios meritocráticos).
Está claro que uma democracia precisa tanto de um quanto de outro. Mas os técnicos não podem ser considerados meros auxiliares de um projeto político democraticamente eleito. Têm, também, responsabilidade com relação ao uso do Estado para fins meramente eleitorais – como é o caso da contabilidade criativa e das pedaladas fiscais.
De acordo com a reportagem de Leandra Peres, funcionários de alto escalão da Secretaria do Tesouro Nacional contestaram, em reuniões internas com Arno Augustin, as principais decisões relativas à política fiscal do governo. Segundo ela, “O processo decisório do governo Dilma foi marcado pela aversão ao dissenso. Ministros e servidores que participaram de decisões importantes descrevem reuniões longas, com 30 ou 40 participantes, em que questionamentos técnicos eram considerados afrontas ao projeto do governo e davam margem a broncas, em vez de discussões”.
Em reunião realizada em novembro de 2013, Arno foi alertado sobre o risco de downgrade do país pelas agências classificadoras de risco, bem como sobre as consequências nefastas da política fiscal expansionista, maquiada pelas criminosas “pedaladas” (empréstimos forçados de bancos públicos para o Tesouro federal com o objetivo de sinalizar um falso superávit primário).
(Para uma explicação completíssima sobre contabilidade criativa e as pedaladas fiscais, vejam a série de textos do economista Mansueto Almeida sobre o assunto: parte 1, parte 2 , parte 3 , parte 4 , parte 5,parte 6, parte 7, parte 8 e parte 9.)
Um livro interessantíssimo de John Brehm e Scott Gates, intitulado “Working, Shirking, and Sabotage: bureaucratic response to a democratic public”, é útil para pensar o assunto. Eles argumentam, conforme o título do livro, que são três as atitudes possíveis de funcionários públicas: trabalhar, enrolar ou sabotar.
“Trabalhar” é atuar no sentido que Max Weber queria: técnicos concursados usam seu conhecimento para implementar as políticas desejadas pela maioria dos cidadãos, propostas pelos representantes eleitos. “Enrolar” é discretamente deixar de implementar a legislação aprovada.
“Sabotar” é fazer o contrário do que os representantes eleitos desejam, normalmente por discordância ideológica (como no caso da Environmental Protection Agency sob Ronald Reagan). Pode ser, também, que burocratas que têm contato direto com cidadãos façam isso. Digamos que eu seja um policial enviado para circular em determinado bairro. Se eu considerar que este bairro já está bastante seguro (ou, pior ainda, se eu não quiser por algum outro motivo que ele fique seguro), posso ir para outro, desobedecendo meu superior – e, claro, arcando com as consequências caso este descubra.
Por que os técnicos da Secretaria do Tesouro Nacional não alertaram o público em 2013, de modo amplo? Difícil dizer. Mas é provável que tenham tido medo demais das possíveis sanções. Afinal, de acordo com a reportagem de Leandra Peres, Arno Augustin ameaçou punir vazamentos de informações com processos disciplinares.
O resultado da política econômica equivocada e a cumplicidade dos técnicos concursados? Recessão inédita e impeachment da presidente.
24 de abril de 2016
Sérgio Praça
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