Em entrevista à revista IstoÉ, o historiador Marco Antônio Villa afirma que Dilma será condenada e desmistifica o "legado social" do lulopetismo, que não representa os interesses nacionais:
Em meio a uma das maiores crises políticas do Brasil, o historiador Marco Antonio Villa,da Universidade de São Paulo, é taxativo na classificação do atual momento. “Quem sabe agora seja proclamada a República”, diz. Um dos grandes críticos dos governos Lula e Dilma, Villa afirma que não houve avanços sob a administração petista, tampouco algum legado social. Aos 60 anos, acredita que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff é o ápice de uma década perdida. “O PT é um partido antidemocrático que não representa os interesses nacionais”, afirma.
Na visão do historiador, o juiz Sérgio Moro, sob cuja responsabilidade estão os processos derivados da Operação Lava Jato, é a grande figura brasileira do século 21. “Não há pessoa que tenha a importância política e o respeito dos brasileiros como ele conquistou. A sua dedicação à causa pública é admirável.”
Villa diz que, nos livros de história, os dias de hoje ficarão registrados como o momento em que a sociedade civil foi o grande motor das mudanças. No entanto, ele alerta para a falta de lideranças políticas para o País. “Trata-se de um desafio para a jovem democracia brasileira.”
IE - Mesmo nos anos em que o País cresceu sob a administração do PT, o sr. classificava os governos Lula e Dilma como década perdida. Por quê?
Naquele momento o Brasil poderia ter aproveitado a conjuntura favorável internacional e ter crescido no mínimo o dobro do que cresceu. Mais do que isso: a qualidade do gasto público poderia ter se desenvolvido de tal forma que o País teria dado um grande salto para o desenvolvimento. Porém o governo não fez nada disso, gastou mal o dinheiro e envolveu os recursos em atos lesivos. O que vivemos agora, com o impeachment, é o ápice da década perdida. O PT nunca corrige seus erros, só os aprofunda. O Brasil deu um grande salto para trás. O PT é um partido antidemocrático e antinacional. Não consegue representar o interesse nacional e comete constantes crimes de lesa-pátria.
IE - E o chamado legado social do governo Lula?
Não houve legado social. Nunca houve classe média que ascendeu durante o governo lulista. É impossível ter um deslocamento social de 25 milhões de pessoas em tão curto espaço de tempo com crescimento anual do PIB em torno de 3% a 4%. O que ocorreu foi que os mais pobres não continuaram tão pobres como eram. O Brasil continua sendo um país de pobres com profundas desigualdades sociais. O lulismo, mais do que o petismo, deu a ideia de que o Brasil era quase um país de primeiro mundo. Ou seja, pura propaganda. O Brasil real é o Brasil da crise, da depressão econômica e que mantém as desigualdades sociais. O Bolsa Família faz parte desse projeto de petrificar a miséria para garantir um curral eleitoral para as próximas eleições. Nesse sentido, o PT é um partido reacionário, aliado do coronelismo, e não da transformação. O PT construiu uma máquina de propaganda nunca vista na história do Brasil.
IE - Como acompanha as revelações da Operação Lava Jato?
Sem surpresa. Tinha pleno conhecimento do projeto criminoso de poder, que se alicerça no saque da coisa pública, na tentativa de asfixiar a sociedade civil. O Petrolão é o maior desvio de recursos da humanidade. Não há desde o século 18 até hoje um desvio de recursos tão grande. O trabalho da operação Lava Jato é parte do impeachment. Não teríamos o impeachment sem ela. O PT alicerçava sua gestão tendo como base a propina e a corrupção. Apesar dos crimes, o partido ainda tem hegemonia da narrativa do passado e do presente. A política federal é uma instituição de estado e não de governo. A operação Lava Jato ocorreu apesar do PT e não porque o PT deixou.
IE - Houve algum tipo de abuso de poder na operação?
Não. Quando ocorreu a condução coercitiva do Lula, mais de cem pessoas já tinham sido conduzidas coercitivamente e ninguém reclamou. Há um rigor absoluto na Lava Jato. O PT quer usar a Justiça e as leis para se defender das denúncias de corrupção. É uma contradição. O partido usa o estado brasileiro para se proteger e manter a estrutura de corrupção.
IE - Como avalia o juiz Sérgio Moro?
Ele cumpriu estritamente as normas legais existentes no Brasil. É a grande figura brasileira do século 21. Não há pessoa que tenha a importância política e o respeito dos brasileiros como ele conquistou. A sua dedicação à causa pública é admirável. Nunca vi um juiz com tamanho compromisso com a coisa pública. É um grande personagem.
IE - O sr. acredita que o processo de impeachment passará no Senado?
Sim. No julgamento final, deve ser certa a condenação da presidente por crime de responsabilidade. Os crimes cometidos por Dilma Rousseff estão comprovados. A presidente mente quando diz que não existem crimes. Eles vão tentar recorrer ao Supremo Tribunal Federal, mas o STF não deve dar guarida às tentativas de procrastinação do PT. O partido vai ficar com o carimbo de corrupto.
IE - Há uma polarização de discursos?
Não. O PT é minoritário. O Brasil não está dividido ao meio. A presidente é avaliada positivamente por apenas 10% dos brasileiros. A maioria da população não aguenta o PT. A temperatura política subiu porque o partido desrespeita as leis.
IE - O que o sr. acha do argumento petista de que está em curso um golpe?
A lei do impeachment está sendo cumprida. O Supremo Tribunal Federal estabeleceu o rito que será seguido. Se é obedecida a lei, a Constituição e o STF, como pode ser golpe? O Chico Buarque, que diz que é golpe, por exemplo, deveria seguir o pensamento da Anitta (cantora): “para dar opinião bunda, prefiro ficar calada.”
IE - Vê algum paralelo entre o golpe de 1964 e o atual momento político?
Não. As contradições de 2016 são muito mais graves do que as contradições político-econômicas de 1964. No cenário internacional, havia a Guerra Fria, não tínhamos uma tradição democrática. A solução de dar golpe era comum no Brasil. Agora, é um momento absolutamente distinto. É um processo transparente e aprovado pelo STF. O PT chama de golpe porque está acostumado a comprar ideias. O mensalão, por exemplo, foi a compra de uma maioria.
IE - Como começou a queda de popularidade da presidente Dilma?
O discurso petista ocupou quase que de forma hegemônica o debate político. A oposição sempre foi muito frágil neste campo. Foram as ruas, as manifestações, que determinaram o impeachment. O que havia por parte da população era uma visão equivocada do governo Dilma. Quando a sociedade civil se organizou, mostrou que PT é uma farsa. A oposição não fez história.
IE - Quais as falhas da oposição?
Falta de combatividade, medo, não ter ideias para propor no lugar. O enfrentamento é a essência da democracia. O PSBD ainda não consegue ser um partido político com vida orgânica. Quem está derrotando o PT são as ruas.
IE - A presidente afirmou ter sido traída pelo vice-presidente Michel Temer. O sr. concorda com isso?
O ex-presidente Fernando Collor disse a mesma coisa do Itamar Franco. Ela está reproduzindo o que foi dito por Collor com mais inteligência. Por outro lado, um governo Temer terá muitos desafios. E terá que saber enfrentá-los, cumprindo suas promessas, tratar a coisa pública e enfrentar a inflação com mais respeito, melhorar as expectativas ao mercado, limpar o aparelho do Estado de todos os criminosos. Vamos ver se ele tem capacidade de ser um bom administrador e como enfrentará as novas fases da operação Lava Jato. Inclusive se tiver gente do PMDB.
IE - Um dos pontos que gerou mais indignação de parte dos brasileiros foi a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio da Silva como ministro chefe da Casa Civil. Como o sr. avaliou essa decisão?
A nomeação não foi para melhorar a articulação política. Ele foi nomeado para a Casa Civil para fugir da cadeia, isso ficou muito claro no áudio divulgado sobre o diálogo dele e a presidente Dilma Rousseff.
IE - O deputado Eduardo Cunha responde por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Não foi contraditório que tenha conduzido a votação do impeachment na Câmara?
Quem deu a ele a decisão monocrática de receber o processo foi o STF. Ele conduziu a sessão porque ainda é o presidente da Câmara. Em 1992, muitos dos que votaram a condenação do Collor foram cassados depois. Isso não deslegitima o processo de impeachment. Eduardo Cunha provavelmente não terminará seu mandato como deputado nem como presidente da Câmara. A possibilidade de ele ser cassado pelos próprios pares é grande. Cunha sabe que está na linha de tiro. Ele tem consciência de que será o próximo.
IE - É possível falar em nomes de novas lideranças? Quem o senhor apontaria?
A falta de renovação das lideranças é um problema no Brasil. Trata-se de um desafio para a jovem democracia brasileira. Como renová-las? Com a reforma política e a punição aos corruptos. Isso estimula as pessoas a participarem da política. Não há no Congresso ou na política novos nomes.
IE - Como esse período político ficará registrado na história?
Será registrado como um momento multifacetado. É triste pela corrupção, porque o Palácio do Planalto se tornou alvo de criminosos. De outro lado, é um momento de organização da sociedade civil. O Brasil vai melhorar, podemos construir um país melhor. A constituição de 1988 precisa ser plenamente colocada em vigência. A República não foi proclamada, ela só foi anunciada. Pode ser que estejamos chegando próximo dela.
24 de abril de 2016
in blog do orlando tambosi
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