Existe nos estudos de teoria da História uma divergência nas análises dos teóricos sobre a forma como entender os fatos que se desencadeiam no tempo: a primeira forma são as noções de ruptura e continuidade na historiografia, enquanto a segunda é a noção de um movimento contínuo da história, em que não haveria nenhuma ruptura, mas sim oscilações com intensidade maior ou menor conforme os fatos e as respostas a estes fatos fossem acontecendo.
Estas duas possibilidades de interpretação do tempo e dos eventos na História – mesmo que a primeira já esteja superada para alguns teóricos – se encaixam muito bem a interpretação da História do Brasil, principalmente à história mais recente.
Poderíamos pensar a atividade de inúmeros representantes políticos no Brasil como uma continuidade. Ou então, pensar alguns momentos decisivos da nossa história que possuem marcos de ruptura. Ou ainda, pensarmos a história do Brasil recente através de uma leitura contínua, em que acontecimentos ora ganham importância ora diminuem na medida em que os fatos vão sendo apurados.
Dos dois casos, prefiro a interpretação de uma continuidade histórica, cotejada por elementos mais ou menos importantes numa leitura do todo.
PRIMEIRO TRAGÉDIA, DEPOIS FARSA
Em “O 18 Brumário”, a frase emblemática de Karl Marx – “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa” – ilustra muito bem as duas interpretações teóricas do tempo na História.
Pela primeira vez na história do país a corrupção está passando por uma inspeção criteriosa e direta em busca dos grandes mentores de um esquema escuso que tem sua origem no século XVI, já na colonização portuguesa – quando funcionários públicos efetuavam um comércio ilegal de produtos brasileiros, transgredindo as ordens da Coroa.
Liderada por juízes de alta índole, as diversas operações de “limpeza” do sistema político e econômico brasileiro colidem, diariamente, com personalidades políticas que são bastante conhecidas do público em geral. Figuras como José Dirceu, Fernando Collor de Mello, Eduardo Cunha, José Genoíno, entre outros, são personalidades repetidas nos noticiários. No entanto, a primeira vez que tomamos conhecimento deles foi como tragédia. Agora, ao vemos como uma farsa da nossa política.
UM CASO RECENTE
Há cerca de uma semana todos os livros de História do Brasil se tornaram incompletos de uma maneira pouco vista. Não mais de punho cerrado, sem o sorriso sarcástico de 2013, José Dirceu foi novamente levado pela Polícia Federal em Brasília à penitenciária. Agora na Operação Lava Jato, não mais pelos escândalos do Mensalão, Dirceu é um dos maiores representantes do que tenho chamado aqui de uma continuidade da história do Brasil. Por ser adepto da interpretação histórica de oscilações dos acontecimentos numa linha de tempo imaginária, vejo o ex-ministro da Casa Civil como um marco da nossa história, uma metáfora das últimas décadas da política brasileira recente, pois outrora foi símbolo de defesa da democracia em meio a uma ditadura militar, imortalizado mostrando os punhos algemados em foto com outros 14 presos políticos que seriam trocados pelo embaixador norte-americano Charles Elbrick. E hoje…
UM MOMENTO AUSPICIOSO
De toda a nossa história, vivemos hoje o momento mais auspicioso da política. Pode parecer contraditório o que escrevo,até mesmo passível a inúmeras críticas, mas se nos detivermos mais aos resultados das operações e menos as atividades perpetradas pelos políticos, muitos leitores me darão razão.
Quando tivemos tantas operações de caça à corrupção e aos corruptores no Brasil? Em que outro momento as mídias puderam revelar tantos casos de políticos ladrões e, ao mesmo tempo, noticiar prisões destes mesmos figurões?
Somos um país embalado pela cordialidade, educado pela falácia de uma democracia racial e amadurecido à custa da desigualdade, em todas as esferas. É de se comemorar, mesmo que em nome de uma crise também nunca vista, que estejamos vivendo um país em que a corrupção esteja sendo tratada no seu devido lugar: as primeiras páginas dos jornais.
16 de agosto de 2015
Pedro Beja Aguiar
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