Instrumento que se tornou vital para o controle da gastança dos políticos, a Lei de Responsabilidade Fiscal entrou na adolescência (completa 15 anos em 2015) produzindo resultados positivos: desde sua criação, em 2000, obriga presidentes, governadores, prefeitos e quem mais tem poder de manejar dinheiro público a frear o ímpeto gastador e adequar suas despesas às receitas. Apesar disso, é uma lei que segue incompleta, porque a estrutura de fiscalização dos gastos públicos não acompanhou a lei e continua com os mesmos vícios e distorções de antes, deixando o caminho livre para contas reprováveis de políticos serem aprovadas (às vezes com louvor) e para a prática de corrupção de agentes que deveriam fiscalizar e punir.
Essa estrutura é formada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e mais 33 tribunais de contas de Estados (TCEs) e municípios (TCMs), responsáveis por fiscalizar, aprovar ou rejeitar a prestação de contas de presidentes, governadores, prefeitos, empresas estatais e órgãos sustentados com o dinheiro dos impostos. Quem não se lembra do ex-governador Paulo Maluf proclamando "minhas contas foram aprovadas com louvor pelo TCE de São Paulo", quando questionado sobre o dinheiro dos contribuintes paulistas que foi parar em 20 contas da família Maluf na Suíça e na Ilha Jersey? E os casos dos conselheiros Robson Marinho (TCE-SP) e Domingos Lamoglia (TCE-DF), que respondem na Justiça por crimes de corrupção? E tantos outros (para ficar só nos casos mais recentes) dos tribunais do Rio, Bahia, Mato Grosso, Espírito Santo, Rondônia e mais sete (quase o pleno inteiro) do pobre Amapá, acusados de desviar R$ 100 milhões do tribunal?
Os erros já começam pela lei: eles são parte do Poder Legislativo, quando deveriam pertencer ao Judiciário, já que sua função é fiscalizar e julgar a gestão financeira de deputados, senadores e vereadores que se tornaram governadores e prefeitos. E o erro continua com os critérios para escolha de ministros do TCU e de conselheiros dos TCEs. Pela lei, 1/3 é escolhido pelo presidente da República ou por governadores e 2/3, pelo Congresso Nacional e Assembleias dos Estados.
Com esse modelo, obviamente, a escolha dos felizardos candidatos a ganhar, em média, R$ 37 mil (entre salário, auxílios alimentação e moradia e abono de permanência) resulta de acordos político-partidários que, invariavelmente, indicam para as vagas parlamentares aposentados ou derrotados em eleições. E o acordo, claro, contempla a regra "aprova as minhas contas que eu aprovo as tuas", já que eles fiscalizam a si próprios. O critério, escrito na lei, de possuir conhecimento jurídico e reputação ilibada vira mera formalidade na decisão da escolha, vistos os inúmeros casos em que conselheiros são acusados de receber propina em troca de decisões favoráveis a envolvidos em processos. Ah, e tem mais: os cargos são vitalícios.
A mesma equipe que concebeu a Lei Fiscal preparou, em 2000, uma proposta de emenda constitucional (PEC) propondo as seguintes mudanças nos tribunais de contas: 1) como no Judiciário, os cargos de ministros e conselheiros seriam ocupados por técnicos de carreira concursados; 2) o mandato vitalício seria substituído por mandato fixo de seis anos; 3) criar um conselho nacional para controlar e fiscalizar os tribunais de contas; 4) vedar nomeações de funcionários sem concurso público (hoje o apadrinhamento inflaciona os tribunais); 5) extinção dos tribunais de contas dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo; e 6) definir com mais rigor os critérios de notório saber e reputação ilibada na escolha de conselheiros. Obviamente, o poder dos contrariados venceu e a PEC nem sequer tramitou no Congresso.
O presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Valdecir Pascoal, reconhece o problema: "Não ganhamos confiança da população se isso não mudar, mas não posso sair por aí chutando feito um black bloc", diz, referindo-se à resistência de parlamentares e de governadores. Recente encontro da Atricon recomendou mudanças, mas sem poder de implementá-las.
Essa estrutura é formada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e mais 33 tribunais de contas de Estados (TCEs) e municípios (TCMs), responsáveis por fiscalizar, aprovar ou rejeitar a prestação de contas de presidentes, governadores, prefeitos, empresas estatais e órgãos sustentados com o dinheiro dos impostos. Quem não se lembra do ex-governador Paulo Maluf proclamando "minhas contas foram aprovadas com louvor pelo TCE de São Paulo", quando questionado sobre o dinheiro dos contribuintes paulistas que foi parar em 20 contas da família Maluf na Suíça e na Ilha Jersey? E os casos dos conselheiros Robson Marinho (TCE-SP) e Domingos Lamoglia (TCE-DF), que respondem na Justiça por crimes de corrupção? E tantos outros (para ficar só nos casos mais recentes) dos tribunais do Rio, Bahia, Mato Grosso, Espírito Santo, Rondônia e mais sete (quase o pleno inteiro) do pobre Amapá, acusados de desviar R$ 100 milhões do tribunal?
Os erros já começam pela lei: eles são parte do Poder Legislativo, quando deveriam pertencer ao Judiciário, já que sua função é fiscalizar e julgar a gestão financeira de deputados, senadores e vereadores que se tornaram governadores e prefeitos. E o erro continua com os critérios para escolha de ministros do TCU e de conselheiros dos TCEs. Pela lei, 1/3 é escolhido pelo presidente da República ou por governadores e 2/3, pelo Congresso Nacional e Assembleias dos Estados.
Com esse modelo, obviamente, a escolha dos felizardos candidatos a ganhar, em média, R$ 37 mil (entre salário, auxílios alimentação e moradia e abono de permanência) resulta de acordos político-partidários que, invariavelmente, indicam para as vagas parlamentares aposentados ou derrotados em eleições. E o acordo, claro, contempla a regra "aprova as minhas contas que eu aprovo as tuas", já que eles fiscalizam a si próprios. O critério, escrito na lei, de possuir conhecimento jurídico e reputação ilibada vira mera formalidade na decisão da escolha, vistos os inúmeros casos em que conselheiros são acusados de receber propina em troca de decisões favoráveis a envolvidos em processos. Ah, e tem mais: os cargos são vitalícios.
A mesma equipe que concebeu a Lei Fiscal preparou, em 2000, uma proposta de emenda constitucional (PEC) propondo as seguintes mudanças nos tribunais de contas: 1) como no Judiciário, os cargos de ministros e conselheiros seriam ocupados por técnicos de carreira concursados; 2) o mandato vitalício seria substituído por mandato fixo de seis anos; 3) criar um conselho nacional para controlar e fiscalizar os tribunais de contas; 4) vedar nomeações de funcionários sem concurso público (hoje o apadrinhamento inflaciona os tribunais); 5) extinção dos tribunais de contas dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo; e 6) definir com mais rigor os critérios de notório saber e reputação ilibada na escolha de conselheiros. Obviamente, o poder dos contrariados venceu e a PEC nem sequer tramitou no Congresso.
O presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Valdecir Pascoal, reconhece o problema: "Não ganhamos confiança da população se isso não mudar, mas não posso sair por aí chutando feito um black bloc", diz, referindo-se à resistência de parlamentares e de governadores. Recente encontro da Atricon recomendou mudanças, mas sem poder de implementá-las.
23 de agosto de 2014
Suely Caldas, O Estado de S.Paulo
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