O governo FHC pode ser acusado de ter cometidos erros; não pode ser acusado de ter cortado o gasto social
Em entrevista ao jornalista Josias de Souza, do UOL, no dia 2, a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, afirmou que o governo FHC "sempre cortou o gasto social". Segundo ela, a tradição no Brasil, nos governos anteriores à gestão petista, sempre foi: "Precisa fazer ajuste fiscal? Onde corta? Funcionário público, servidor público, política social".
Essa narrativa vai de encontro à que tenho construído neste espaço. Tenho defendido que os ajustes fiscais que ocorreram em 1999 e 2003 foram por meio de aumento de receita e do corte de investimentos, e nunca pela redução do gasto social.
Adicionalmente, a construção de uma sólida posição fiscal na segunda metade da década de 1990 e na primeira metade da década inaugural do século 21 resultou do contínuo crescimento da receita de impostos e contribuições, a velocidade muito superior ao crescimento do produto.
Meu entendimento é que a elevação do gasto social é permanente nas últimas duas décadas e meia, em razão do que chamei de contrato social da redemocratização, consubstanciado na Constituição de 1988 e reiteradamente renovado nos mesmos termos nos diversos pleitos eleitorais desde então.
Tenho defendido ainda que a diferenciação dos governos petistas em relação ao governo FHC encontra-se na política econômica, e não na política social. A grande distinção está no conjunto de medidas conhecidas por nova matriz econômica, como o ministro Guido Mantega nomeou e que, como argumentei em diversas colunas, é a causa maior da desaceleração da economia no quadriênio de Dilma.
Em que pesem questões ideológicas --minha narrativa pode estar enviesada por meus vínculos ao PSDB--, o debate envolve variáveis observadas. Ou seja, mesmo que as discordâncias persistam, e elas sempre existirão, não deveria haver dissenso em relação a quantidades diretamente observadas.
Ao longo do governo Collor/Itamar, o gasto social, resultado da agregação de INSS, Loas, abono salarial, seguro-desemprego e bolsas, cresceu 1,5 ponto percentual do PIB. Nos oito anos do governo FHC, cresceu 1,5 ponto; e, nos oito anos do governo Lula, outro 1,68 ponto. No primeiro triênio do governo Dilma, o crescimento foi de 1,03 ponto.
A evolução de 1991 a 2013 desse conjunto de rubricas do gasto público, cujo crescimento total no período foi de 5,71 pontos percentuais do PIB, apresenta expansão contínua como proporção do produto, com inflexão para menor na virada de 1994 para 1995, de 2007 para 2008 e novamente de 2009 para 2010, por reduções temporárias da despesa do INSS (como percentual do PIB).
A grande diferença entre os períodos é nas prioridades no interior da área social.
Na década de 1990, a prioridade foi o ataque à pobreza entre os idosos e a construção das redes públicas e universais de saúde, com o SUS, e de educação, com o Fundef. Os números que reportei subestimam o crescimento do gasto social para o período FHC, pois não conseguimos separar para os anos 1990 os gastos da União com custeio de saúde e educação dos demais itens de custeio.
A partir dos anos 2000, a prioridade passou a ser a infância, materializada, entre outros, no exitoso programa Bolsa Família. Mais recentemente, passou-se a atacar a educação superior, com Prouni e Fies (que são programas de financiamento e não aparecem no crescimento do gasto público aqui reportado), e o problema de moradia, com o Minha Casa, Minha Vida. Aparentemente, a educação pré-escolar será uma das prioridades do próximo governo, independentemente de quem ganhe a eleição.
O governo FHC poderia ter feito mais? Acho difícil que qualquer governo que vivesse as mesmas circunstâncias seria capaz de fazer mais na área social. Evidentemente esse é um ponto de vista, e não proposição baseada em variáveis observadas.
De qualquer forma, o governo FHC cometeu erros. Como afirmei em minha coluna sobre os 20 anos do Real, a política fiscal no primeiro mandato foi ruim e está na raiz das dificuldades que tivemos de sair do câmbio fixo, em 1998. E é possível que o esforço de manter o gasto social explique, em parte, a piora da política fiscal do primeiro mandato e a necessidade de encontrar novas bases tributárias no segundo.
O governo FHC pode ser acusado de ter cometidos erros, mas não de ter cortado o gasto social.
Em entrevista ao jornalista Josias de Souza, do UOL, no dia 2, a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, afirmou que o governo FHC "sempre cortou o gasto social". Segundo ela, a tradição no Brasil, nos governos anteriores à gestão petista, sempre foi: "Precisa fazer ajuste fiscal? Onde corta? Funcionário público, servidor público, política social".
Essa narrativa vai de encontro à que tenho construído neste espaço. Tenho defendido que os ajustes fiscais que ocorreram em 1999 e 2003 foram por meio de aumento de receita e do corte de investimentos, e nunca pela redução do gasto social.
Adicionalmente, a construção de uma sólida posição fiscal na segunda metade da década de 1990 e na primeira metade da década inaugural do século 21 resultou do contínuo crescimento da receita de impostos e contribuições, a velocidade muito superior ao crescimento do produto.
Meu entendimento é que a elevação do gasto social é permanente nas últimas duas décadas e meia, em razão do que chamei de contrato social da redemocratização, consubstanciado na Constituição de 1988 e reiteradamente renovado nos mesmos termos nos diversos pleitos eleitorais desde então.
Tenho defendido ainda que a diferenciação dos governos petistas em relação ao governo FHC encontra-se na política econômica, e não na política social. A grande distinção está no conjunto de medidas conhecidas por nova matriz econômica, como o ministro Guido Mantega nomeou e que, como argumentei em diversas colunas, é a causa maior da desaceleração da economia no quadriênio de Dilma.
Em que pesem questões ideológicas --minha narrativa pode estar enviesada por meus vínculos ao PSDB--, o debate envolve variáveis observadas. Ou seja, mesmo que as discordâncias persistam, e elas sempre existirão, não deveria haver dissenso em relação a quantidades diretamente observadas.
Ao longo do governo Collor/Itamar, o gasto social, resultado da agregação de INSS, Loas, abono salarial, seguro-desemprego e bolsas, cresceu 1,5 ponto percentual do PIB. Nos oito anos do governo FHC, cresceu 1,5 ponto; e, nos oito anos do governo Lula, outro 1,68 ponto. No primeiro triênio do governo Dilma, o crescimento foi de 1,03 ponto.
A evolução de 1991 a 2013 desse conjunto de rubricas do gasto público, cujo crescimento total no período foi de 5,71 pontos percentuais do PIB, apresenta expansão contínua como proporção do produto, com inflexão para menor na virada de 1994 para 1995, de 2007 para 2008 e novamente de 2009 para 2010, por reduções temporárias da despesa do INSS (como percentual do PIB).
A grande diferença entre os períodos é nas prioridades no interior da área social.
Na década de 1990, a prioridade foi o ataque à pobreza entre os idosos e a construção das redes públicas e universais de saúde, com o SUS, e de educação, com o Fundef. Os números que reportei subestimam o crescimento do gasto social para o período FHC, pois não conseguimos separar para os anos 1990 os gastos da União com custeio de saúde e educação dos demais itens de custeio.
A partir dos anos 2000, a prioridade passou a ser a infância, materializada, entre outros, no exitoso programa Bolsa Família. Mais recentemente, passou-se a atacar a educação superior, com Prouni e Fies (que são programas de financiamento e não aparecem no crescimento do gasto público aqui reportado), e o problema de moradia, com o Minha Casa, Minha Vida. Aparentemente, a educação pré-escolar será uma das prioridades do próximo governo, independentemente de quem ganhe a eleição.
O governo FHC poderia ter feito mais? Acho difícil que qualquer governo que vivesse as mesmas circunstâncias seria capaz de fazer mais na área social. Evidentemente esse é um ponto de vista, e não proposição baseada em variáveis observadas.
De qualquer forma, o governo FHC cometeu erros. Como afirmei em minha coluna sobre os 20 anos do Real, a política fiscal no primeiro mandato foi ruim e está na raiz das dificuldades que tivemos de sair do câmbio fixo, em 1998. E é possível que o esforço de manter o gasto social explique, em parte, a piora da política fiscal do primeiro mandato e a necessidade de encontrar novas bases tributárias no segundo.
O governo FHC pode ser acusado de ter cometidos erros, mas não de ter cortado o gasto social.
23 de agosto de 2014
Samuel Pessôa, Folha de SP
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