"O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e de gente que se melindra", diria o antropófago Oswald de Andrade (1890-1954) se estivesse vivo e tentando digerir os acontecimentos no país.
Quem passeia pelas redes sociais tem a impressão de que qualquer coisa desabonadora dita por estrangeiro, por mais irrelevante que seja, sobre a pátria deixa os brios nacionalistas dos brasileiros mais eriçados que as cerdas do javali.
Verifica-se esse comportamento quando o assunto é incrivelmente desimportante, como a opinião do chef inglês Jamie Oliver sobre o brigadeiro. Pouco importa que Oliver venha de um país notório, justamente ou não, pela pobreza culinária: a esse respeito, nem o grande ensaísta que era George Orwell conseguiu ser convincente no seu "Em defesa da culinária inglesa" (1945).
Mas a resposta é essencialmente a mesma quando o assunto é sério --por exemplo, diante daquela edição da revista britânica "The Economist" que, em 2013, perguntava se o Brasil havia "estragado tudo" quando sua economia parecia prestes a decolar.
Nos dois casos, a reação de alguns brasileiros é assustadoramente semelhante à de adolescentes que se revoltam com a desaprovação dos pais. O passo seguinte é mostrar a língua ao dito Primeiro Mundo e se empanturrar, de brigadeiro ou de nacionalismo.
(Reconheço que às vezes há reciprocidade na adolescência, como no caso do porta-voz de Israel dizendo que desproporcional não é a ação em Gaza, e sim os 7 a 1 aplicados pela Alemanha. Abre-se todo um fascinante universo novo para a argumentação diplomática: "Fique na sua, cara, seu time apanhou de 7 a 1!".)
Mas, tanto para brasileiros das redes sociais quanto para a maioria sem internet --e que, suponho, não se melindra por ter mais o que fazer--, há uma boa chance de avançar na resolução de problemas reais, independentemente da opinião alheia. Ela tem data marcada: 5 de outubro, com provável reprise 21 dias depois.
Se você achou o parágrafo anterior otimista demais, é compreensível. Além do habitual e geralmente justificado desencanto com a política, há poucos clichês tão descolados da realidade quanto "festa da democracia". Eleição a cada dois anos não é "festa" --afinal, muitas vezes nem se pode vender bebida alcoólica no dia do pleito. É uma chatice, como toda rotina tende a ser.
Mas é uma chatice necessária: um remédio de uso constante para que o organismo da sociedade se mantenha vivo. E ainda bem que se tornou rotina. Talvez faça bem a um país teenager --500 anos são adolescência, na comparação com o Velho Mundo-- trocar de vez em quando a festinha com brigadeiro por remédios mais amargos. O gosto é ruim, mas os efeitos são melhores.
29 de julho de 2014
Rogério Ortega, Folha de SP
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